sábado, 19 de fevereiro de 2011

O VESTIBULAR DA INFÂNCIA

Fotos de Ricardo Chaves


Uma praça é coisa simples. Básica. A maioria dos prédios residenciais tem cantos de recreação. Não há nada de sofisticação e de luxo. É paisagem previsível como corredor de ônibus, como postes de luz, como pintassilgo no muro. Por mais humildes que sejam, escolas possuem um coração verde de grama e uma caixa de areia para risadas e acrobacias dos estudantes. Praça é espaço corriqueiro e óbvio, menos para municípios como Mormaço, a 250 quilômetros de Porto Alegre, terra abafada no alto da Serra do Botucaraí, reduto de pessoas gentis e atentas, que não dispensa a farta comida na mesa, um bom e autêntico feijão feito na banha de porco.

Apesar de organizada e impecável, das lixeiras verdes e amarelas de coleta seletiva na frente das casas, a cidade conta apenas com dois pontos para brincar: uma pracinha de cimento (Dona Luiza) e um parquinho ao lado do Centro Esportivo. Muito pouco para 596 meninos e meninas.

Existem sete balanços (descartei o que seria o oitavo, absolutamente torto), duas gangorras e um escorregador para atender todo o público infantil, que representa 23,11% da população total. A concorrência é acirrada. Uma média de 62,45 crianças disputando um balanço. É maior do que o índice de 45,32 candidatos por vaga do último vestibular de Medicina da UFRGS. A marca humilha igualmente a seleção da USP, a maior universidade do país, que teve 49,25 concorrentes por vaga. Termina sendo mais fácil passar no curso mais cobiçado do país do que arrumar um balanço em Mormaço.

A infância no lugar é um simulado, um teste de filas e tentativas, de desistências e desculpas, de frases paternais esperançosas: “amanhã talvez”, “hoje está lotado”, “quem sabe outro dia”. Os filhos arcam com dificuldades para ser pássaro e treinar pequenos voos. Sentar no balanço é um prêmio da paciência, longas esperas por valiosos minutos de leveza e sonhado vaivém.

O banal – tudo estaria resolvido na combinação de tábuas coloridas, arcos e correntes – torna-se milagroso. O aprovado na corrida por um embalo não pinta o rosto muito menos estende faixa na janela, mas expressa sua alegria pela ansiedade dos gestos. Nem senta direito, logo vai para trás, toma impulso e joga o corpo ao alto para acolher o zumbido do vento nas franjas.

O cenário poderia ser mais tranquilo. Mas a escassez atingiu a rede de ensino. Os dois balanços da Escola Estadual Joaquim Gonçalves Ledo, a principal de Mormaço, foram retirados. Restam somente as traves amarelas e enferrujadas para lembrar as glórias do recreio. De acordo com a diretora Rosilene Nicolotti Perticelli, não há expectativa de reposição. Na escola infantil Sonho de Criança, os balanços estão em conserto para tristeza dos 60 alunos dos turnos da manhã e tarde.

– Há os brinquedos de chuva, em casa, e os brinquedos do sol, na rua – diferencia Duane Follner, 10 anos.

Para os pequenos, a situação piora. Falta balanço com proteção no município. Bebês não terão a lembrança das mãos dos pais empurrando suas costas. A gangorra dobra a carência. São 125,5 crianças por um assento. Daí ultrapassa seleções históricas de concurso público, como a do Instituto Rio Branco. É mais vantajoso ser diplomata e superar 82 concorrentes por uma poltrona no Itamaraty.


– Pego a bicicleta e atravesso a cidade para ir à gangorra. Chegando lá, fico com pena de quem é menor e deixo passar na frente – comenta Duane.

O escorregador é o algodão doce, o chantilly, o brigadeiro da diversão. Um único aparelho para 502 moradores mirins em idade de usá-lo. Lucas da Silva Klein, nove anos, foi conhecer o escorregador fora do território natal, num passeio pelo Parque das Tuias, em Fontoura Xavier.

– Até me esqueço que isso existe para não ficar esperando – diz.

Mormaço já sabe o que deseja de presente de aniversário daqui a um mês, em 20 de março.








Publicado no jornal Zero Hora
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
ps. 30, 19/02/2011
Porto Alegre, Edição N° 16616
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9 comentários:

Tania Aires disse...

Ai, que coisa mais triste essas crianças serem privadas de um briquedo tão simples!

João Araújo disse...

olá poeta

a quem lhe seguido tem
esse conhecido mote
se bem gostar adote
a pratica bem convem

o mote:

o caralho de vocês
é diferente do meu

em meu tem glosas minhas de auores conhecidos

Marco Correa Leite disse...

Pois é... aqui em Londrina a gente não tem tanta sorte. Embora tenham praças nada de gangorra, balanços ou escorregadores para as crianás ao não ser aqueles em lojas e shoppings.

É triste ver as crianças brincando tão presas em um ligar quando na minha época de criança a gente podia fazer tudo desde que não chegasse perto das ruas.

Abraços

Ramiro Conceição disse...

PENSAR QUASE ENLOUQUECE
by Ramiro Conceição


Preciso cortar o cabelo, mas
não consigo… ir ao barbeiro.

Não é a distância.
Não é o dinheiro.

Sou eu!
Louquim.
Louquim.

Caju, sem cajueiro.
Fogo, sem braseiro.

Meu Deus
- cresceu a barba branca,
o branco cabelo cresceu –

por favor me diz como se faz…
Estou a aparecer - Karl Marx.

Já são três dias - de luta,
de intriga, briga e labuta.

Corta. Não corta.
Corta. Não corta.

Catralhos me mordam!
Ai de mim, fiquei doidim!

Debaixo do bigode,
resta um grito de fé:

“Cadê a corte de Herodes
com a bela Salomé?”

Todo poeta - é um profeta,
mas a loucura não é meta.


Afinal…


ELÍPTICO
by Ramiro Conceição

Com matemática e fantasia,
aprendi uma viva astronomia
que explica o porquê que,
elíptico, o meu olhar alegre
gira livre  em torno ao seu.


Pois afinal…


“Liberdade na vida
é ter um amor
para se prender.”

Dalva M. Ferreira disse...

Bem... fui criada num planeta onde não havia play grounds. Quando, aos 11 anos, aportei aqui em Sampa - eu juro! - tinha MEDO de escorregador. E de brincadeiras infantis como roda, matança. Eu era um bicho estranho.

Anônimo disse...

Pois é,fomos tão criticados na admistração anterior por não ter estudo e não fazer aquilo que parecia tão facil,como consertar o balanço ou a gangorra e agora com tantos diplomas ternos e gravatas não se pode perder tempo com estas coizas corriqueiras como balonço gangorra, tem que se pensar em porticos,pontes e aparecer em jornais.

Margareth disse...

Canta com o vento: vai e vem, vem e vai... . Balanço, rede, balança, embala para ninar o sonho de voar. É bom demais. Diante das filas e esperas, a vida é um jogo de interesses. Nos olhares dos prazeres, a praça é um dos ambientes mais amado, que os digam os namorados, amantes, amados e crianças. E os balanços o brinquedo mais querido e desejado, que o diga todos, inclusive eu e os nossos pequenos amados. Agora, alegro o meu viver com a menina que saltou das minhas entranhas, cheia de felicidades, a lembrar que na sua época, a voz muda para balançar, era um olhar pidão ou entre gritos (vai, vai... , corre, corre..., pega, pega...) e sorrisos, uma pequena e bela carreira para alcançar o já desejado. Que te deixa no ar, sentado em uma magra tabua segurada por correntes, pra não deixar cair o vôo rasante que só faz sonhar. Ou tempinho bom esse Fabrício, que você me faz lembrar (são essas lembranças que me traz, ao seu tão dedicado espaço, nego tréguas aos seus olhos, com as minhas escolhidas palavras, apos cada texto seu). Forte tenho cenas mentais, em que para burlar a fila, enquanto balançava, colocava a minha irmã caçula no colo, como opção de vitória na próxima pequenina maratona. Ainda hoje, quando o deserto da mole na praça, eu me balanço. Ainda bem, que tenho o meu balanço em casa, a minha querida e amada rede do lar, a que relaxa, nina para eu dormir, me tira de tempo e diminuir a saudade, dos bons tempos de praça. Deixando as lembranças de lado, esse é um divertimento que entristece a verdadeira situação das praças. Realidades de abandonos, desprezos e maus tratos. Sem zelos e manutenções diárias. Agora Fabrício, Duane é o cumulo da gentileza, atravessa a cidade em sua bicicleta, aproveita e a usa como desculpa para distrair a fila, e quando a mesma termina pra ela, cede a vez para uma criança menor. Que poder de consciência tem essa menina, por ser maior sabe que se balançou bem mais que aquela criança. Lindo o seu gesto, admirado em poucos. Merecia uma praça com seu nome. Praça Duane, a vez é sua. Sem olhares, as praças continuará as mesmas, assim como a concorrência pelos sonhos voadores, os lindos balanços que enfeita com sorrisos e crianças. Se continuar, a concorrência sempre existirá. Muitas crianças, poucos balanços, quem chega não quer sair, até chora pra ficar. Que as autoridades em nome das crianças, balancem seus olhares para as praças, dêem atenções e zelem pelos brinquedos e brincadeiras extra lares.As crianças merecem e agradecem.
Margareth.
Margareth.

Anônimo disse...

VC vê como são as coisas, os colarinho brancos n tem tempo de ver se faltam balanços e gangorras, pois vai gerar gastos e n irá sobrar para, reformar a casa, comprar carros novos e outras coisas que para um municipio pequeno seria muito vantajoso....Mas fazer o que... Dinheiro compra tudo...Menos a dignidade...

Margareth disse...

Oi Fabrício esse tema é tão bom que voltei para opinar mais um pouco. Praça da fila. Praça da espera, praça dos negócios, empresa do divertimento ao ar livre. A praça não é comercio, mas sempre se negocia. Pode se dizer, é a praça do troca- troca. É bom demais, às vezes a vantagem é maior que a troca. Imagine uma balançada por um doce algodão doce. Vem cá que eu vou pra ir, o balanço com a gangorra, com o escorrego, me deixa ir agora que eu te dou pipoca, algodão doce. Amendoim, uma volta na bicicleta, uma lambida no sorvete, no pirulito, você vai ser o pega, eu deixo você contar agora, vou me esconder... . A praça é um verdadeiro comercio dos prazeres. Uma delícia exposta ao vento livre. Cuidem das praças, o tempo da criança é muito curto.È isso ai anônimo,dinheiro não compra dignidade, aproveito para completar, nem tão pouco amor.
Margareth.