sexta-feira, 19 de março de 2010

ACÁCIA OU EUCALIPTO?

Para o amigo Gabriel

Arte de Helen Frankenthaler


Não adianta ser fiel ao outro se a gente não é fiel a si. Mas não é simples assim: arenoso descobrir a nossa própria natureza e aceitá-la. Conhecer-me significa também não gostar daquilo que sou e ter que passar o resto da vida ao meu lado.

Até hoje eu só me amei por amor platônico. Nunca tive coragem de me aproximar. Escrevia cartas, fazia elogios, me criticava, mas sempre controlado, contido, parava quando me julgava ameaçado.

Não subestimo a força do engano. Talvez seja leal ao que meu pai queria ou ao que a minha mãe desejava ou ao que jurei ser a melhor solução para conseguir aprovação da turma. Quem diz que não gastei uma vida inteira para atender aos anseios dos demais e ainda não descobri as minhas ambições. Quem diz que não segui escrevendo porque um dia a maldita professora da 4ª série me chamou de escritor e não gostaria de decepcioná-la, muito menos ofender sua intuição.

Minha voz não é aquela que eu escuto. Meu rosto no espelho não é aquele que as pessoas enxergam. Meu beijo não está na minha boca.

Posso ser generoso pelo egoísmo. Posso ser amoroso pela tirania. Posso ser educado pela vergonha. Vê só o quanto uma virtude esconde uma maldade. Eu sou o resultado ou a origem daquilo que cumpro? O que tem peso maior: minha vontade ou o ato?

Ao me doar para uma mulher, não desfruto de condições para prometer coisa nenhuma, pois nem defini o que eu mesmo me ofereço.

De repente, vou me trair e ser fiel no casamento. Ou trair uma relação e ser fiel a mim. Antes deveria cuidar de ser monogâmico comigo.

Viajava pelo interior do Rio Grande do Sul, com o rosto cochilando na vidraça do ônibus. De música de fundo, escutava histórias de boiadeiros sobre acácia e o eucalipto, um grande dilema das plantações. Ao escolher a acácia, é natural deixar o gado debaixo das árvores. Ao plantar eucalipto, não haverá terreno propício ao pasto, ele é arrogante, absorve a água dos arredores, elimina a concorrência e suga a terra com gula.

Diante do impasse, logo problematizei: sou acácia ou eucalipto?

A acácia se oferece inteira, é mais familiar, caseira, procura um ideal de família e casa, transmuda-se em telhado e alimento aos animais. É recomendada pela sua renúncia, admirada pelo sacrifício voluntarioso. Quanto mais se anula mais aparece. Ampara o amadurecimento do conjunto, socorre carências. Em compensação, dura menos, de 7 a 10 anos. E não sobe muito, tem uma altura própria para recolher as crianças em seus galhos. Ela abdica de grandes vôos para acompanhar de perto os passos em sua folhagem.

O eucalipto é individualista, confiante, não se afeiçoa às carências do lugar, segue sozinho, desafia os próximos a obedecer seu ritmo, não irá recuar para confortar o solo e os bichos. Usa o que precisa, aproveita o contexto e se despede para o céu. Atinge uma altura muito superior à acácia e dura de 25 a 30 anos. Porta-se com o descaso de estrangeiro, como realmente é; um artista do vento, flautista das folhas, disposto a render um espetáculo e espalhar suas raízes para atrapalhar a soberania das pedras.

Previsível que todo mundo afirmará que é acácia. Para não frustrar a expectativa amorosa de entrega incondicional. Alguns, como eu, tratarão de pensar que são as duas opções, mas não é verdadeiro, tenho que escolher. Somente a renúncia permitirá que valorize o que ficou. No momento em que acumulo, não sou nada, não devo nada, não me é exigido nada. Sequer posso me trair.

40 comentários:

Jan disse...

eu sou muito acácia, por falta de coragem de ter sido um eucalipto e tem dias que isto me acorda ardendo.

Gabriel Marquez Gonçalves disse...

Fabrício, a acácia e o eucalipto, estão destruindo o solo característico da nossa região e isso está trazendo impactos negativos ao bioma Pampa. Leia minha matéria sobre isso: http://tinyurl.com/yjmqjtv . Mas a tua leitura poética sobre as árvores foi sensacional!! Admiro teu trabalho e obrigado por ter participado do nosso programa de rádio O Drible da Vaca! Eu sou um dos apresentadores. Abraço!
Gabriel Marquez Gonçalves
@gabrielmarquezz

Andréa disse...

Maravilhoso! Seguindo no twt, tenho admirado seu trabalho. Hoje esse texto tá na medida...

Nadja disse...

Tenho pena de muitos eucaliptos, que não tiveram sequer exemplos de acácias.
O problema é quando a acácia quer ser eucalipto e expõem patéticas crises de identidade.

janaog disse...

que maravilha de texto.
cada vez mais penso que a internet pode, sim, revelar ótimas surpresas.
um abraço.

Lilian disse...

Adoro seus textos, vc escreve muito bem, me identifiquei com a acácia.

Pri S. disse...

Muitas reflexões perfeitas! Necessárias, eu diria. Um dos seus textos com os quais mais me identifiquei. Talvez porque aborde questões que fazem parte do meu momento. Parabéns! Bjos!

\/ndre\/ disse...

Queria ser eucalipto.

Adélia Nenevê disse...

De eucalipto estou passando a acácia... e sempre me julguei eucalipto !
ótimas reflexões !

Parabéns pelo que és !
Beijo grande !

Sole disse...

"O eucalipto é um artista do vento", já fui muito acolhedora feito a acácia, acho que ando mais proprícia a ser eucalipto, com "p" mudo, com o pé mais enfiado na terra, e com a cabeça mais abertas as nuvens... talvez!

beijos Fabro!

Anônimo disse...

É a primeira vez que leio um texto seu. Gostei bastante deste, principalmente do começo. A professora da 4ª série tb a tive.

Mulher de Fases disse...

simplesmente sem fôlego...
Maravilhada!

SuélenCristina* disse...

Carpinejar!
Adorei a comparação.
E eu acredito que ser acácia ou eucalipto não é escolha, mas fase. Eu sou eucalipto, pois já fui acácia. Nos transformamos, morremos e renascemos a cada dor. Eu morri acácia e nasci eucalipto!
Bjos!

Regina Alonso disse...

Acho, afirmo, acho. Acho que todos deveríamos ser híbridos. Enxertos de individulismos com "outremismos".

Não vejo mal em querer alcançar o céu e o mar. Crescer alto e grande. Frutificar e aromatizar.

Um abraço e a certeza de que continuarei carpinejando

egosatira disse...

sou eucalipto da estrada do interior de MG.

Anônimo disse...

A Clarice escreveu que "ser fiel é ser desleal com todo o resto"...

Beijo.

HUGOSALUM disse...

Acácia ou Eucalipto? será que sou algum? um só ou os dois? Mas concordo que muito se julgam acácia, mas ai ao chegar ao fim creio que sou mesmo é o Eucalipto, porto-me como a Acácia (me traindo), mas fazer o que se ainda persisto em estar querendo agradar, uma merda isso, mas tbém já cheguei a conclusão que com grande maioria das pessoas e grande parte do mundo temos que ser hipócritas,as pessoas querem verdades mas quando ouvem não aceitam, sejamos então acácia, loucos para ser eucalipto.

Mas aqui entre nós.SOU EUCALIPTO MESMO, e foda-se

Salum H.

Augusto Amato Neto disse...

Estou um Eucalipto em busca de um animalzinho que me faça a aprender ser uma acácia. Será que eu acho? rs

Giuliana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Giuliana disse...

Sou os dois, pelo menos por enquanto. Quiça um dia eu possa ser um dos dois somente, e que aquele que "venSER", que seja verdadeiro enquanto dure. Parafraseando Vinícius: ACÁCIA ou EUCALIPTO, QUE Ñ SEJA ETERNO POSTO QUE É DÚBIO, MAS QUE SEJA INFINITO (ou ñ) O LADO VENCEDOR...

Rosane Uchikawa disse...

Benditaaaaaaaaaa a sua professora da 4 serie !!!!!!! Despertou em vc um dom DIVINO...que hoje nos agracia...Adooorei seu texto ! Bjs

Lívia disse...

Concordo que podemos ser um ou outro na intenção, dependendo do momento de vida. Mas seu texto me lembrou de um outro de Rubem Alves e pensei, pensei... Às vezes alma de acácia... outras sonho de pinheiro... mas pra mim, sempre, PINHO DE RIGA! bjs e lindo texto...

Nádia Lopes disse...

porque não tive tempo
de aprender que é vento
nem caí do vôo
como passarinho
nem fui árvore e seiva
crescendo devagar
fiz de mim
urgência - sobressalto - susto
fiz de mim arbusto
com ânsia de coqueiro
grama que não sabe
ser só verde e rala
lua que não quer
minguar para crescer
me forcei atalhos
desfiz natureza
assim voando presa
ao tronco que criei...

nem acácia, nem eucalipto...desfiz minha natureza!
beijo grande- saudade de ti!

Cida disse...

No meio desse caos
Eu me confundo
E já nem luto mais...
Me moldo e me conformo.

Sou mulher lua.

Sou exigida
Daqui, dali e de acolá
Quantas eus são necessárias
Para me suprir?

Só sendo lua!...

(Depois de tentar me explicar através do meu poema, acho, sinceramente, que a gente nunca é uma coisa só. Passamos por fases - assim como a lua: Em uns dias, estamos mais prá Acácias, e em outros já acordamos Eucaliptos)

Parabéns Fabrício!
A viagem que faço até aqui, realmente nunca é perdida.
Abraços

Cid@

Ramiro Conceição disse...

SOLEIRA DAS TATURANAS
by Ramiro Conceição


Caro Fabro, para responder a sua questão, convoco Nietzsche do “Humano Demasiado Humano, Um Livro para Espíritos Livres”, parágrafo 436:

“ Ceterum censeo (Além disso, sou de opinião) – É ridículo que uma sociedade de homens sem vintém decrete a abolição do direito de herança, e não menos ridículo que aqueles sem filhos elaborem a legislação prática de um país: - eles não possuem lastro bastante em seu barco, para poder navegar seguramente no oceano do futuro. Mas parece igualmente descabido que um homem que escolheu como missão o conhecimento mais universal e a avaliação da existência como um todo assuma o fardo de preocupações pessoais com a família, segurança, alimentação, amparo de mulher e filhos , e estenda ante o seu telescópio um véu opaco, que alguns raios do firmamento distante mal conseguem atravessar. De modo que também eu chego à afirmação de que, em questões filosóficas mais elevadas, todos os homens casados são suspeitos.”

Parece-me que o parágrafo acima se enquadra dentro da questão proposta em seu post, caríssimo Poeta. Pois que: “... um homem que escolheu como missão o conhecimento mais universal e a avaliação da existência...” seria um ser humano com caráter eucalíptico; por outro lado, um ser humano que “assuma o fardo de preocupações pessoais com a família, segurança, alimentação, amparo de mulher e filhos...” possuiria um caráter acaciano. Ainda mais: o grande Filósofo afirma que “em questões filosóficas mais elevadas, todos os homens casados são suspeitos.”; ou seja, se fosse possível, Nietzsche recomendaria que, dentro do possível e levando-se em consideração a questão do post, se deveria ser sempre -

Felizmente, tudo é mais complexo do que a superfície aparente das coisas. No fundo, no fundo, Nietzsche, apesar de ser profundamente anticristão, crê no livre arbítrio - de maneira inconsciente; ou seja, as questões filosóficas mais elevadas só poderiam ser atingidas por um ser humano sábio que optasse - por sua livre vontade!!! - pelo árduo caminho da solidão (o caráter eucalíptico!). Contudo - desde o tempo de seres bípedes que deixaram de ser nômades para se tornarem seres, ditos, humanos, construtores de culturas e, portanto, de civilizações - nunca existiu o livre arbítrio!

Poetas, artistas e criadores são, essencialmente, acácias e eucaliptos. O destino de eucalipto de todo grande artista se dá por questões meramente sociais. É a sociedade que isola seres brilhantes que trazem em si a inocência do Sol.

É insuportável, para uma sociedade de satélites escuros e infelizes, a presença do nascer-de-sol duma verdade, por exemplo, do tamanho dum Pessoa – embriagado até a morte na baixa Lisboa; ou dos Quintanas que viveram, vivem e viverão o encanto, mas que se negaram, negam e negarão a si - a medíocre soleira suja das taturanas.

Portanto, caro Fabro: sou acácia e eucalipto. Eis a minha casa...



A CASA DO POETA
by Ramiro Conceição


Na casa do poeta
o comprimento é o tempo;
a largura, a escritura;
e a altura é o pensamento
onde o firmamento mora.

Anônimo disse...

errata:
se deveria ser sempre - "eucalipto"


Ramiro Conceição
(agora tal qual anônimo)

Adélia Carvalho disse...

Tenho medo de ser infiel comigo ao afirmar que sou Acácia ou Eucalípto e tenho mais medo ainda de descobrir o que realmente sou e decepcionar a mim mesma!
Adorei a reflexão!
Abraços

Wallacy disse...

Eu estou acácia. É complicado alçar o vôo sabendo que você terá que abandonar muitos que estão contigo...

Giancarlo disse...

Cara, tri. Assisti "Nine" esses dias, musical com a Penelope Cruz (deliciosa no filme), fala muito sobre nossa síndrome de eucalipto. é foda, o pior q a gente tenta mudar e quando vê tá sentindo falta do cheiro de eucalipto. hehe

abraço

Gisele ઇ‍ઉ●•٠·˙˙˙ disse...

Dias de ácacia... e quando vem a frustração, nos tornamos eucaliptos.

Marcelo Ulguim disse...

Parabéns mais uma vez Carpinejar! Sempre surpreendo-me com tuas reflexões.

Vou te dizer uma coisa... Em um dos comentários que li acima, alguém disse que ora podemos ser acácia, ora eucalipito, ou seja, é uma questão de momento. Concordo com essa idéia! O meu problema (ou não) é que desde que me reconheço como pessoa (humana) me identifico como eucalipito, e às vezes até memartirizo por isso. É complicado se assumir como tal, pois entre os prós e contras os contras se evidenciam por denotarem certa crueldade. Entretanto, não creio que as acácias estejam com seu lugarzinho no céu (ou na consciência) garantidos, afinal, acabam vivendo menos pela renúncia de sua própria satisfação, crescimento... Serão mais felizes as acácias ou os eucalipitos? Espero que um dia eu possa viver a experiência de ser acácia
para fazer o comparativo.

Abraço Carpinejar!

Anônimo disse...

Eu gostaria muito de ser acácia, mas acho que não sou nenhum dos dois ou talvez uma mistura, mas somente com um pouquinho de cada um.

Abraço Carpinejar
Seu trabalho é maravilhoso e inspirador.

Alaide disse...

Olá Fabrício! Texto maravilhoso. E que momento pra eu ler esse texto. Daí pensando, acho que sou uma eucalípto disfarçada de acácia. O que é horrível, não?

Beijos!

popfabi disse...

falo disso sempre com uma amiga: a necessidade visceral de se ser fiel a si mesmo. e ah, como seria perfeito um mundo onde acácias encontrasse eucaliptos e nas suas diferenças, fossem felizes para sempre! ;)

JPM disse...

Se o mundo fosse movido pelo ideal dos poetas não creio que houvesse monocultura de vegetal algum...
Nem de acácia, que providencialmente fixa o nitrogênio no solo, nem de eucalipto que nos dá os postes para que tenhamos luz.
Acácias e eucaliptos juntamente com outros vegetais formariam um Brasil miscigenado, assim não haveria degradação do solo, Gabriel, e todos poderíamos aproveitar o aroma das flores da acácia e a madeira do eucalipto.
Eu se tivesse que escolher entre ser acácia ou eucalipto, preferiria este, pois se matém melhor em pé que aquela. Coitadinha da acácia...tão ruim de raiz que qualquer ventinho a faz cair.

Mayara Roldo disse...

Incrível este texto, adorei. Eu sempre venho aqui, sempre leio, sempre gosto, mas este texto é o que eu mais gostei, de verdade. Parabéns, te admiro muito, beijos.

Ariadne Lima disse...

Sou acácia, com traços de eucalipto. Simplesmente maravilhoso seu texto! Abs!

Anônimo disse...

Fabrício, você é erva daninha, cresce rápido, se multiplica e pode ser pisoteado que resiste!
Nietzsche...
Ele se apaixonou, mas não foi recíproco, não teve COMO tornar-se acácia. Suas reflexões nasceram também da rejeição, não só do gênio... Além disso era MUITO doente, revirava países tentando encontrar um clima em que pudesse restaurar a saúde.
Eucaliptos também são acácias, é só olhar com carinho.(-:

\/ndre\/ disse...

Eucaliptos cheiram bem.

ce disse...

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O Celular Espião é um telefone celular comum, especialmente modificado para poder ser monitorado à distância, permitindo assim escutar as conversas telefônicas e ambientais de quem o utiliza.
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