quarta-feira, 18 de julho de 2012

AMIZADE É UM TRAVESSEIRO

Arte de Cínthya Verri


Não sou preguiçoso, mas exigente. Os esportes me cansam fácil. Não me prendem a atenção.

Eu me inscrevo na musculação, e desisto no segundo mês. E me inscrevo na plataforma, e já não apareço na quarta semana. E foi igual com tênis, rapel, remo.

Compro as roupas, os acessórios, espalho minha mudança de espírito aos quatros ventos, posto fotos nas redes sociais e abandono o projeto logo que perde a novidade.

Apesar de me entender, não suporto mais a culpa e as excessivas explicações em casa.

A família me critica abertamente, chama atenção da minha flacidez, da atrofia dos braços. Filhos tiram sarro, dizem que a minha barriga é tanque de lavar roupas. Esposa lamenta a fraca insistência. Pais debocham do dinheiro posto fora. Acordo e durmo sob fogo cruzado de acusações da minha má vontade.

Tomei uma atitude definitiva, superior à cirurgia de estômago e visita a candomblé.

Convenci Mário Corso a me acompanhar nas atividades esportivas. Com uma amizade, é mais fácil acordar cedo. Um telefona para o outro, revezamos caronas, relatamos as melhorias da aparência.

Ele seria meu nobreak. Quando minha energia caísse, seu incentivo me ajudaria a ficar de pé. Seguraria a barra nos frequentes apagões de personalidade. Permitiria o tempo necessário para meu cérebro permanecer estimulado até reaver a eletricidade.

Nos matriculamos na academia da Praça Tamandaré.

Era outra história. Como não tinha pensado nisso antes, um amigo termina com a solidão dos aparelhos, espanta a tristeza dos halteres descascando nos cantos (como são melancólicos os halteres perdendo a pintura!).

O amigo é o nosso mais leal espelho. Teria alguém para trocar impressões sobre os colegas e professores, faríamos piadas sobre nossas obsessões, seguiríamos a vida com a disposição de velhos cúmplices.

A imaginação já me esculpia num novo Anderson Silva, eu fecharia meu umbigo com o inchaço dos músculos. Adeus, pneus que serviam de balanço ao meu amor.

Nos primeiros dias, foram de arrepiar. Reavi a adolescência. Acordava furando as nuvens como uma britadeira. Tomava suplemento de vitaminas, queria correr nos finais de semana e jogar futebol noite sim noite não. Um Sansão careca, como nunca se viu no cinema e no bairro Petrópolis.

No início, acertamos o encontro direto na academia. Sem erro. Transcorreu um mês e inventamos de confirmar por telefone. Qualquer abandono de causa surge quando um dos dois pede confirmação por telefone. É criar uma condicional para a inércia acabar com a reabilitação.

Corso me ligava de manhãzinha, pelas 6h.

– Acho que não vou hoje, está frio.

– Então, tá, eu também não vou, para não deixá-lo atrasado nos treinamentos –  respondia.

– Combinado.

Toda manhã, Corso me telefona avisando que não irá por algum motivo: dormiu tarde, sobrecarga de trabalho, visita da sogra.

Nem mais estamos inscritos. Mas ele é leal, continua ligando. Atendo como um despertador, concordamos em dormir mais, abraço minha mulher de conchinha por mais uma hora.

Nada como um amigo para me ajudar a não fazer nada e não arder de remorso junto aos familiares.

Hoje ponho a culpa nele.






Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

11 comentários:

Paulo Duque disse...

Muuuito bom mesmo a crônica, Carpinejar. Adoro bastante seus textos. (:

Nina disse...

hehehe muito bom! Falando em bairro Petrópolis, passei por ti, próximo a Panvel. hehehe
Abraços!

O Rei do Drama disse...

a ultima vez que combinei de caminhar com um amigo a gente no terceiro diz foi pro bar.

solfirmino disse...

Sansão careca foi ótimo!

Fanzine Episódio Cultural disse...

MORTE

Senti o putrefato aroma do Adeus.
Meu relógio parou,
Era chegada a minha hora.
O medo e o pânico
Tomaram de assalto minha alma;
A qualquer momento ela chegaria,
Sem ser convidada.

Quero viver o que restou dos meus momentos,
Nem que seja nos meus últimos instantes.

Ouço-a subir as escadas
Com passos firmes e determinantes.
Seu hálito fétido toma-me o quarto
Até que não a ouço mais,
Fico emudecido.

De repente ouço-a de novo,
Agora batendo à porta.
Fecho os olhos e reflito:
Como um longa-metragem
Minha vida se passa.

Sem ter para onde fugir,
Aproximo-me da porta,
Hesitante a abro, lentamente.
Sua mão toca-me os lábios
E sela-os para sempre...

*(Agamenon Troyan)

Unknown disse...

Nem me sinto mais culpada depois desse texto!Parabéns por conseguir ser sempre tão real!

Mayarinha Campos disse...

Adorei "conhecê-los" vc e sua esposa no programa do Jô. Parabéns pra os dois...
Adoro tuas crônicas! :)

Cecília Sousa disse...

Muito bom! Eu tentei essa técnica com várias amigas, mas elas, uma a uma, foram se machucando. Realmente um álibi irrevogável. Por que eu não escrevi esse texto antes de você? =P

Eliane Ratier disse...

Boa!!!

Camila Baracho disse...

Crônica muito boa! Arrasou =)

Bela Ju disse...

eu te entendo, ahhh eu te entendo, como entendo!