"Convidei os melhores do ofício para viajar nos mistérios de municípios, aproximado o real do imaginado", diz Carpinejar
Por Cadão Volpato Para o Valor, de São Paulo
Ele é um tanto amalucado, usa óculos de inseto e roupas gritantes e atende pelo nome de Carpinejar, uma junção dos sobrenomes de dois poetas, Carlos Nejar e Maria Carpi, seus pais.
Ou, como ele mesmo se define: "Tenho a risada do Raul Seixas e a tristeza de Álvares de Azevedo. Sou muito contraditório para ser definido. Meu pensamento é feito de verso mesmo. É mais rápido pensar em um poema do que numa frase direta. Sofro muito para me traduzir. Não me restou opção. Nasci numa casa de dois poetas. O almoço era uma aula de história da arte e não sabia. O jantar era um curso de escrita criativa e não tinha noção. Ninguém me avisou que nascer era se matricular no abismo". "Já sobre o surgimento do pseudônimo, prefiro o apelido. O apelido é um pseudônimo mais barato. Recebi vários durante a escola e economizei meu nome", diz o escritor, que participou de uma das mesas da última Flip.
Visto assim, Fabricio Carpinejar, de 39 anos, poderia atender perfeitamente ao clichê do poeta imerso no mundo da lua, pendurado nas próprias esquisitices. Mas ele paira acima dessas coisas todas, mostrando uma língua afiada e um poder de comunicação que deixa rastros por onde quer que passe. No meio literário, ele é um acontecimento. Mas é entre os leitores de seus 19 livros que ele faz o maior sucesso, impulsionado também por um blog, programa de televisão, versos e sabedoria de "alta ajuda" no Twitter e fôlego de peregrino.
"Tenho milhagens de senador. Viajo três vezes por semana. Tanto que poderia trabalhar para o 'Guia Quatro Rodas'. Sei avaliar um hotel pelo cheiro", ele diz. Quem não o conhece acha que o poeta está em diversos lugares ao mesmo tempo.
Aproveitando o ensejo, Carpinejar partiu dessa loucura geográfica pessoal para imaginar uma antologia de contos chamada "Bem-Vindo: Histórias com as Cidades de Nomes Mais Bonitos e Misteriosos do Brasil". Nela, reuniu nomes dispersos de autores brasileiros de boas safras para escrever sobre cidades cujos nomes evocam certa poesia e algum estranhamento. Para ser mais exato, a ideia nasceu numa leitura de uma coluna polêmica de Roberto Pompeu de Toledo na revista "Veja".
"Pompeu analisou cidades pelos nomes, chamando atenção daquelas com batismo belíssimo e sugestivo e outras com designações feias e cacofônicas", diz Carpinejar. Pompeu comprou diversas brigas com prefeitos e cidadãos que não ficaram bem na fita, como Sinop, no Mato Grosso, de onde o jornalista recebeu uma carta de repúdio. "Aquilo me intrigou", diz Carpinejar. "Por que não explorar lugares pela sua graça? Convidei os melhores do ofício para viajar nos mistérios de municípios, aproximado o real do imaginado, atiçando a alma aventureira do leitor."
O que saiu daí é uma coleção de histórias escritas à moda antiga, sem nenhum vanguardismo ou digressão pós-moderna. Não há em "Bem-Vindo" nenhum conto capaz de fazer girar ao contrário a roda do mundo literário, nem mesmo atormentar alguma das cidades escolhidas como musas. Ao contrário, as histórias inéditas escritas por Luiz Vilela, Marçal Aquino, Lygia Fagundes Telles, Luiz Ruffato e outros têm um toque de anos 1970, o período em que o conto vigorou no Brasil como ponta de lança na literatura. Isso dará um grande alívio ao leitor desnorteado que vive pulando de romance em romance sem terminar nenhum, na esperança de encontrar uma boa história, nada mais do que isso.
Descalvado, Amparo, Milagres, São José dos Ausentes e até Brasília são algumas das localidades escolhidas. Luiz Vilela escolheu Brasília para ser quase literal, narrando a passagem do protagonista por uma cidade às vésperas do golpe militar. Lygia abraça Descalvado com a poesia meio torta que domina como ninguém. Aquino examina a própria Amparo de nascimento com um olhar quase felliniano. O mineiro Sergio Faraco fala de Inconfidência Mineira numa Ouro Preto que já foi Vila Rica.
Tudo isso caberia numa edição escolar dos anos 1970, e a leitura continuaria sendo boa, simples, confortável. Nada que se pareça muito com a figura pública de Carpinejar. Mas é só prestar atenção numa coisa: ele é um poeta, e fez escolhas de poeta para montar a sua antologia de cidades.
"Há cidades com nomes sugestivos e maravilhosos, que poderei abordar em outro volume, como Rio do Fogo (RN), Morro Cabeça no Tempo (PI), Turvo (SC), Solidão (PE) e Bom Repouso (MG). Não são incríveis? Parecem cidades invisíveis de Italo Calvino. Cidades inventadas por Shakespeare".
Bem-Vindo: Histórias com as Cidades de Nomes Mais Bonitos e Misteriosos do Brasil
Organizador: Fabrício Carpinejar. Editora: Bertrand Brasil (126 págs., R$ 25)
Publicado no jornal Valor Econômico
Cultura e Estilo
Quarta, 12 de julho de 2012
3 comentários:
Fiquei com vontade de ler este livro :
E amei sua definição de si mesmo, Carpinejar: não se definir foi a melhor definição que eu já li!
tem uns nomes de cidades que da vontade de arrumar a mala e se mudar. Quem não queria morar no sossego ou felicidade?
Há nomes mais interessantes no RN que nos lembram Calvino: Pendências, Pilões, Poço Branco, São Miguel do Gostoso, Venha-ver (sempre me pergunto o que tem lá para se ver, Vila Flor e Formosa...
Não dá mesmo vontade de criar nossas cidades invisíveis?!
Abraço
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