Arte de Van Dongen
Por um golpe do acaso, reencontrei minha agenda de estudante da 8ª série. Estava dentro da caixa dos troféus e medalhas de futebol, na garagem.
Cometi o erro de abri-la. Não se mexe em arquivos impunemente. Não dá para passar os olhos e deixar por isso mesmo. Somos absorvidos, tragados pela curiosidade da comparação. Os cinco minutinhos destinados ao assunto se transformam em dez horas. Nem notamos o dia migrar para a noite. Interrompemos uma encomenda urgente, apagamos reuniões, desaparecemos para a família, seduzidos pela nossa caligrafia desgovernada e antiga.
O que me espantou é que havia uma cartinha presa com clipe nas costas do volume: Cinco coisas que desejo fazer antes dos 40 anos.
(Em tempo, completo 40 anos em outubro. Não duvido que não tenha programado meu corpo a procurar a agenda perto do aniversário. Foi um alarme posto na memória para soar num prazo de vinte e sete anos.)
Mas por que 40, e não 30? Juntei as pontas e identifiquei que era a idade de meus pais na época.
Eu gargalhei quando li o que esperava de mim em 2012:
1) Saltar de paraquedas.
2) Não casar.
3) Conhecer Tóquio.
4) Aprender francês e italiano.
5) Ser milionário com a indústria de cinema.
2) Não casar.
3) Conhecer Tóquio.
4) Aprender francês e italiano.
5) Ser milionário com a indústria de cinema.
Tive 100% de fracasso. Não cumpri nenhuma das alternativas. Assinei o atestado de incompetência perante aquele adolescente disposto a ganhar o mundo.
E me deu orgulho. Fiquei orgulhoso da decepção. Ri emocionado de minha invalidez estratégica, da minha nulidade profética.
Foi um sinal de saúde. Quem cumpre objetivos é neurótico.
É bobagem elaborar metas para atingir em determinada idade. Felicidade não se planeja, felicidade se descobre.
Ingenuidade congelar lista de intenções como se a vida não nos transformasse dia a dia.
O que vale alcançar objetivos como uma maratona turística? Para quê?
Nosso legado é o que falamos aos outros, não o que aparentamos ser. Todos os desejos terminam, no fundo, iguais porque não temos a coragem da simplicidade.
Amigos não admitem morrer sem visitar as pirâmides, por exemplo. Eu não quero morrer sem visitar meu pai ou minha mãe.
Ainda que eu tivesse apenas uma semana de vida não mudaria meu temperamento. Felicidade é improvisar, é estar disposto não sabendo o que vai acontecer.
Não troco em nada o inventário do que realizei nestas quatro décadas.
(X) Dois filhos
(X) Casado
(X) Vinte livros
(X) Lê espanhol e desenha inglês
(X) Apartamento financiado.
(X) Casado
(X) Vinte livros
(X) Lê espanhol e desenha inglês
(X) Apartamento financiado.
Não é mais verdadeiro?
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 24/07/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17140
38 comentários:
Você é SHOW!!!! Sucesso!! Seus livros são ótimos.
Muito bom !!!
Parabéns!
Gênio das Palavras...
Mestre do bem dizer.
Não podemos mesmo profetizar nossas vidas futuras.
Amei, é bem isso mesmo Capinejar! Fã sua!
Fabrício, você é uma pessoa pra lá de especial, seu jeito e textos são muito inspiradores no viver de todos os dias... Beijos e sucesso, sempre... Jandira-SP
Bah que show esse texto! Ellen Espósito
Parabéns. É assim que é!
Adorei! Tudo que estava precisando para deixar a lista das coisas das quais devo fazer só como lembrança, de que na verdade o que não está no papel possa ser mais humano e feliz.
Abraços.
Janaína
Bom, então vou jogar fora a minha lista:
- Casar
- Ter 2 filhos
- Escrever 20 livros
- Aprender outro idioma
- Financiar um apartamento
Quem sabe nada disso de certo e eu de repente salte de paraquedas, ganhe na loteria, viro cineasta e vou morar na França ou Itália...
Maravilhoso!!!
Perfeito!! Fiz o mesmo, mas pensando nos 30 anos! Estou com 32! Fracassei! Graças a Deus!! kkkkk
"Felicidade não se planeja, felicidade se descobre." Muito bom!
É um de seus ótimos fatos.
Ninho Dutra
Nossa, esse texto foi uma porrada na minha cara! Eu vivo fazendo essas coisas, fazendo lista de tarefas para o dia, lista de tarefas para o mês e para o ano... E quase sempre me chateio. Achei muito interessante que esse é um dos posts que mais teve comentário, tem uns que nem tem, o que acredito que acontece porque todo mundo quer ter essa listinha! Aí foi só ver no painel e cabum! ^^
Lar da Escriturária, clique aqui.
Adoraria uma visita sua,Fabrício!
fabrício
achei ótimo o texto, fiquei pensando aqui na minha lista de cinco coisas que preciso fazer antes dos 60 anos(em outubro completo 56)e percebi que não "preciso" fazer mais do que faço."Quero" ter mais tempo livre para continuar fazendo o que eu gosto, por ex. viajar pra bem longe e ficar com saudade de casa, não quero possuir mais nada do que já tenho, somente uma coisa continuar otimista e sensível perante as coisas que realmente interessam na vida. todos nós sabemos bem quais são ,não é mesmo? "Beijos meus".
Margot
Amei!
Também sei desenhar em inglês!
Tão vida real, e por isso tão sensível, tão verdadeiro... A simplicidade caminha por estes escritos e se sente em casa. Abraço e admiração.
"Felicidade não se planeja, felicidade se descobre." Os planos que fiz a longo prazo também não foram todos realizados, mas é muito bom descobrir e redescobrir a felicidade de cada dia e vivê-la intensamente, por mais simples que seja. Sem cronômetro, sem velocímetro... Com espontaneidade, com naturalidade... Ufa! Legal saber que não sou a única. Melhor ainda me identificar com uma figura que admiro tanto. Saudações e parabéns pela sua trajetória!
que texto lindo, acalentou o adolescente que se achava recalcado pois adulto também nao tinha realizado aquilo que sonhara.
eu queria estar casado aos 30 (me descobri gay aos 30)
eu queria ter uma vida estável aos 30 (aos 35 ainda me vejo inseguro com tantas parcelas e financiamentos da vida adulta)
queria, aos 30 ter meus filhos. (tenho 3 afilhados e não me vejo pai)
obrigado!
"Felicidade é improvisar". Gostei do pensamento.
Lindo texto. Que saudade de ti! Adoro essa delicadeza do viver. bjo meu
Um dia também cheguei a fazer as minhas resoluções, mas também concluí que é bobagem. Já temos tantas obrigações e preocupações diárias e ainda estabelecemos metas para a felicidade?
Parabéns...
Segue uma de minhas poesias...
Temor…
O que temo,
É o que não vejo,
Não ensejo,
Desejo obscuro,
Inseguro,
De não se importar,
Ou importar demais,
Ou de até mais ver.
Encurvar,
Adoecer,
Encurtar,
Envelhecer,
Ceder,
Submeter,
Se fuder,
Não fuder,
Corroer.
Fugimos da verdade,
Buscamos imortalidade,
Vaidade assídua,
Moral é imoral então,
Obrigação é ser feliz,
Melancolia não é bem vista,
Angustia fura a vista até da mãe,
E diante de toda essa trança,
O temor da dor,
Nos faz ter esperança.
www.dontsubmit.wordpress.com
Mas saltar de pára quedas vale a pena, hein?
Eu não descreveria melhor esse ímpeto que temos de traçar nossas vidas no limite de uma simples lista! O que será de nós e do futuro não caberia num pedaço previsível de papel...e ainda bem, por que seria muito chato!
Parabéns pelo dia do escritor!!!
Fabro!
Texto digno de ser lido, relido, refletido e seguido.
Ontem, depois de comentar, fui dormir pensando neste texto... E me recordei de que também tinha uma listinha (imaginária) semelhante à sua, quando adolescente e que, na verdade, também não realizei nada (ainda)! Dentre os meus "tópicos" (que não eram apenas cinco!), até desisti do "não casar" (também não idealizava), mas confesso que ainda pretendo saltar de asa-delta, ir ao Hawai, aprender a surfar e tocar um instrumento e viver da arte! Só não estipulei e nem estipulo prazo para as realizações. E não descarto a possibilidade de abrir mão destes desejos em prol de prioridades ou eleger outros, novos ou adiar mais um pouco, ou desistir (por que não?) enfim... O que estiver me fazendo bem e dentro das minhas necessidades (e possibilidades) do momento, tá de bom tamanho. O que importa é a qualidade de vida - FELICIDADE!
Ah! Parabéns pelo Dia do Escritor para vc, um dos meus favoritos! (Voltei aqui, também, para escrever isto - acima - e esqueci! rs) Boa noite!
Concordo com a Rosana. Não ter objetivos, padrões, limites, nem um ideal, por conseguinte, não haverá fracasso e/ou decepção. Inventando e reinventando o dia, esquecendo o passado e não projetando o futuro: Carpem diem!Afinal, melhor não ter caminho, não saber onde está indo, assim chegará a lugar nenhum e esse será seu novo lar, lindo lar, doce lar. Uma forma utópica, meio rasa, mas contextualmente fofinha!
Parabéns! Adorei!
nunca tive listinha oficial,mas alimentava em meu pensamento este adolescente angustiado por conquistas surreais.
E hoje aos 30 anos continuo sem a listinha oficial,estou cada dia sem padrão,deve ser pela herança indígena não defini ainda.
Muito lindo o texto,adoro seu trabalho.De forma simples consegue atingir em cheio nossas almas alarmadas.
Obrigada pelos parabéns "Anônimo"!
Curioso que, tantas pessoas comentaram sobre o texto e, naturalmente, de acordo com o pensamento dou autor (pois seguem e se identificam com ele e não interpretaram ao pé da letra) e você, ao invés disso, comentou o meu comentário... Obrigada mesmo! Me senti até importante de alguma forma... rs
Interessante que, nem o autor e, tampouco eu, dissemos que não tínhamos/temos objetivos, ideais... e dúvido que ele, assim como eu, não tenha tido ou não terá fracasso e/ou decepção. Bom, mas já que vc não entendeu o espírito da coisa, vou tentar te explicar. Adolescentes normais, costumam ter sonhos loucos e almejam coisas com cabeça de adolescente. Isso poderá ser realizado ou não!
Já que diz que esqueci o passado e não projeto o futuro, que não sei para onde estou indo e que chegarei a lugar nenhum... Ah! E que esse será o meu novo lar! Sabidinho voçê, hein?! Bom, já que você diz tudo isso, é pq você realmente me conhece muito bem! Kkkkkk... Em homenagem à sua profecia, vou até citar uma música que me veio à cabeça: "Deixa a vida me levar, vida leva eu..." Kkkkk... Você deve achar que combina comigo, né? Então tá.
Pra concluir, rasa e rasteira é você, fofura! Fique bem.
Obrigada! Estava precisando de um texto assim, grata :)
Mais verdadeiro e honesto consigo mesmo, com suas reais vontades. Aquelas do momento em que realizou tudo isso. Obrigada por ser assim, inspirador.
Li outro dia, numa tirinha muito interessante da Mafalda onde uma amiga dela detalhava tudo que gostaria de fazer até a vida adulta e a Malfadinha retrucou - isso não é vida é um fluxograma. Assim como você, fiz diversos planos que não concluí, mas realizei coisas muito interessantes que nunca havia passado pela minha cabeça. Na linguagem do planejamento no lugar de um fluxograma, desenhei um funcionagrama. Quem cumpre objetivos é neurótico Eu prefiro continuar me movimentando. Parabéns pelo texto.
PA-RA-BENS!
Emocionante seu depoimento! Quando comprei minha casa, dei uma remexida no baú e encontrei minhas antigas agendas...abri e vivi literalmente o seu "momento tragado pela comparação" - rs! Não havia lista alguma mas, a rebuscada em coisas tão intimamente colocadas paraceu dar uma reconectada com eu "ingênuo"- esquecido/substituido pelos anos. Também ri emocionada e reprogramei alguns pontos da minha rota. Somente alguns pontos pois, também sou de 1972 e cheguei bem: casada; 3 filhos; trabalhando; casa própria!
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