Arte de Eduardo Nasi
A mãe me telefona avisando que está leve e feliz, foi na missa confessar.
Lasquei, de bobo:
— E aí, qual a sentença?
— Três ave-marias — ela respondeu
— Tá brincando, mãe? Que penitência ridícula. Agora entendo a decadência da igreja: não consegue nem mais condenar.
— Para, não faço nada de errado.
— Mas você contou que era minha mãe ou se omitiu?
Ela desligou na minha fuça.
Completei a primeira comunhão e a crisma, e jamais compreendi como os padres calculavam nossos pecados.
Na hora de confessar, confiava que o padre consultava uma tabelinha de delitos. Um taxímetro da transgressão.
Na minha visão de menino, haveria uma rigorosa avaliação de erros e seus respectivos números e pesos. O Vaticano preparava uma escala oficial de dívidas morais e despachava para todas as sedes, com um carimbo da Santa Sé.
Consistiria em longa lista, de crime e castigo.
Masturbação: 10 ave-marias e dois pai-nossos.
Cusparada: 20 ave-marias e dois pai-nossos.
Tapa: 30 ave-marias e quatro pai-nossos.
Puxar cabelo de irmã: 35 ave-marias e quatro pai-nossos.
Soco: 40 ave-marias e quatro pai-nossos.
…
O padre teria uma calculadora e faria a soma das confissões. O julgamento seria objetivo como a tabuada.
Mas não era o que acontecia, e não é o que acontece.
É um dos grandes males da Igreja Católica.
A subjetividade do julgamento sempre gerou inveja e concorrência nos pecadores.
Ficava com ciúme de Anamara que contava os mesmos pecados do que eu e recebia penas brandas. Por quê?
Levantava algumas hipóteses. Primeiro, que não importava o que dissesse, o padre falava com a minha mãe antes e já incluía as molecagens secretas e silenciosas.
Ou que meu anjo-da-guarda denunciava minhas baixarias por debaixo de suas asas.
Devido à injustiça divina, Anamara se ajoelhava alguns minutos para cumprir seu ato de contrição e logo brincava com nossos amigos e eu permanecia por noventa minutos no banco de madeira narrando um clássico entre São Judas Tadeu e São João Batista.
Só podia ter a influência de um delator! Como explicar que meu pecado basicamente consistia em brigar com o irmão e ganhava a sentença de 120 ave-marias e 20 vinte pai-nossos?
Não roubava, não colava nas provas. Deus costumava exagerar comigo.
No mundo doido dos adultos, o problema não se mostrava diferente.
Pais iam de paróquia a paróquia caçar padres compreensivos. Lembro de ouvir conversa de minha tia com a manicure em salão de beleza, enquanto esperava a irmã:
— Vai lá na paróquia do São Geraldo, eu traí meu marido e tive que rezar somente vinte ave-marias…
— Não pode ser? De verdade? Vinte?
— Sim! Ele é muito mais moderno. É um jovem de cinquenta anos. Dá gosto de pecar!
Nos anos 70 e 80, enxergava uma migração de fiéis, que procuravam um porta-voz complacente e simpático em outro bairro.
Ninguém desejava diminuir seus pecados, apenas encontrar um ouvido mais generoso.
O que não é ilegal. A fé não tem regras claras.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
9 comentários:
Ai meu Deus, perai que vou ali rezar 20 avemarias e ja volto.
Chris
Ai ai
Com essas penitencias ninguem se emenda...rss
Pecado por pecado. Melhor cometê-los...do que se arrepender do que não se fez.
Santo Deus! Que ridículo essas penitências. Só me confessei umas 8 vezes na vida depois da primeira comunhão. Depois comecei a achar ridículo essa coisa de zerar os pecados a partir da confissão e depois poder cometê-los novamente. Nenhuma palavra de como eu deveria agir, nenhum conselho pra vida. Eu era uma garota tímida e comportada que nem brigar com os irmãos, brigava. Meus pecados se resumiam a ficar chateada, a ter preguiça de fazer algo e só... rsrsrs Nunca mais me confessei e até brinco comalguns padres meus amigos, que nada fará com que eu conte minhas mancadas a eles. rsrs
Concorrências por pecados, a melhor maneira de atrair dinheiro. Quanto mais fieis mais dinheiro. E viva todos os os pecadores.
vi num filme que não lembro o nome agora uma frase que um padre disse.
"- Meu filho, você não quer perdão, você quer consentimento, e isso eu não posso dar"
As pessoas que vão ao confessionário na intenção de ouvidos mais brandos deveria procurar um amigo, o fato de ir a Igreja se confessar já deveria ser um ato de arrependimento!
Mas a crônica é verdadeiramente um tapa na cara de muitos que se dizem "católicos" rs; PARABÉNS Carpinejar!
Só para esclarecimento dos comentários acima, a confissão é para quem se arrepende e com esse ato procura não mais cometer os mesmos pecados! Como um amigo que trai a sua confiança, te pede perdão e volta a trair a sua confiança, logo se sabe que não foi um arrependimento verdadeiro, mas isso é um Sacramento da Igreja Católica, alguns vivem e outros não, se vocês conhecem alguém que é católico e confessa, depois comete os mesmos pecados e não busca se reter, fugir de cometer tais pecados, está apenas brincando com um sacramento muito importante da Igreja.
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