domingo, 24 de março de 2013

SANTUÁRIO BREGA

Arte de Fatturi
 
Nosso amor tem direito a uma exceção cafona, a preservar um ídolo da infância acima de crítica.

É como um serviço de proteção do passado. Não deve debochar. Não deve rir. Não deve expor no Facebook e cometer bullying familiar.

Toda mulher elegante preserva um altar brega dentro do armário. Conserva uma gaveta onde guarda recortes de jornais e revistas, cifras de músicas, coleciona souvenires.

Se ela não tem um santo bagaceiro, a situação é ainda mais grave: ela é completamente brega. Ter unzinho previne outros.

Custei a aceitar a cota. No meu primeiro casamento, minha esposa era apaixonada por Dalto. Quando perdia a discussão de relacionamento, cantava em tom sarcástico:

Hum! Mas se um dia eu chegar
Muito estranho
Deixa essa água no corpo
Lembrar nosso banho
Hum! Mas se um dia eu chegar
Muito louco
Deixa essa noite saber que um dia
Foi pouco

Ela esbravejava, batia a porta na cara, me insultava, e eu ganhava seu rancor por dois dias.

Já no meu segundo casamento, fui além, atravessei a fronteira do ódio. Não admitia a existência do LP Menina Veneno, do Ritchie, no carro. Ela apresentava para as caronas com inominável orgulho. Sentei por querer no disco, e despedacei também o relacionamento.

Aprendi a respeitar os mitos cults na marra. Porque é engraçado e bonito que a namorada mantenha uma paixão platônica da infância. Sugere cuidado com a memória, e respeito com nossa porção ingênua de criança.

Tudo bem que é um sujeito de reputação duvidosa, mas ela não desaprenderá a rezar. É tempo perdido convencer que é uma decadência, uma vergonha, que ela não tem mais credibilidade para falar dos filmes de Woody Allen. A razão não vai fazer diferença. Os debates não pousarão em lugar algum. O ídolo está guardado em um esconderijo emocional ignorado, num cativeiro amoroso sigiloso, sem acesso pelas estradas da linguagem.

É um nome apenas, um só que precisa aguentar pelo resto da vida. É nada de sua parte, agradeceria a ressalva, você deve ter uns 11 jogadores malas que ela escuta semanalmente de sua boca.

Vale a pena não buzinar barbaridades, não azucrinar no final de semana quando ela deseja reencontrar seu passado. Saia de perto se não aguenta.

É um nome que merece inteira imunidade ideológica. Não precisa ter medo. Ela não vai transar com ele, invadir o camarim, jogar a calcinha no palco.

É uma referência para desafiar o pai; o ídolo, no fim, está do seu lado.

Acho que eu já estou maduro para enfrentar Fábio Júnior. Que venha! Pode trazer o Fiuk.

Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Revista Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 24/03/2013 Edição N° 17381

3 comentários:

Anônimo disse...

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Angela disse...

Que delícia de crônica, Fabio Carpinejar! Estou amando o seu blog.

Anônimo disse...

Perdão,Fabrício Carpinejar,por ter errado o seu primeiro nome. Isso foi brega...hehehe

Angela