Arte de Eugenio Granell
Na vida existem cafonices necessárias. Coisas que precisam da breguice para manter seu charme.
É o cafona imprescindível – quando arrumadas, não têm graça nenhuma. É o cafona fundador de nossas experiências. O cafona fundamental, conhecemos de um modo e não há como enxergar diferente. Perdura uma ligação insubstituível com o nosso olhar da infância.
Penso de imediato em pano de prato e churrascaria.
O pano de prato sempre traz aquelas flores e frutas pintadas, toscas, primárias, mal acabadas. Um cacho de uvas ou o botão de uma rosa. E só é bonito pela sua ingenuidade. Se fosse uma obra de arte, seria uma echarpe. Se fosse de um tecido bom, seria um lenço. Ele é feito para a discrição, para ser uma toalha de mesa do fogão, um sudário dos pratos e copos. Ninguém lembra onde comprou e como surgiu em nossa casa: simplesmente aparece nas gavetas. Não tem valor algum, mas não vivemos sem ele. Entra na categoria do inútil necessário. Não é levado à tábua de passar, não recebe o vapor do ferro, é tratado sem pompa e circunstância, dobrado direto ao ser pego do varal. Tanto que recebe a borda colorida da costura para se diferenciar do pano de chão. A moldura de tricô corresponde a um aviso para não ser jogado fora.
O mesmo aspecto amavelmente grosseiro deve emanar de uma churrascaria. Não confio em churrascaria chique, com mesas limpas, protetor nas cadeiras e guardanapos de pano. Rodízio de carne não pode sofrer síndrome de restaurante japonês. É gerar um mal entendido, igual a transar com um travesti jurando que é mulher.
Churrascaria depende de uma vulgaridade mínima: palito de dente e caixinha de farofa à disposição, e a toalha de papel vegetal, reposta a cada nova turma de famintos.
Não é um lugar para afetação. Churrascaria que se preza tem jeitão de cozinha. O espaço inteiro é uma imensa cozinha, da porta de entrada até os fundos da residência. O salão não guarda diferença alguma com o clima de bagunça das panelas. Haverá gordura no chão, farelos, rastros da pressa dos espetos. O sapato cola ao caminhar pelos corredores. O ideal seria permitir cuscos junto das pernas para pescar as sobras – mas seria muita evolução do cafona.
Todo rodízio gaudério apresenta um mural em sua parede com cascata e cavalos empinados, feito por algum parente do dono. A arte rústica e amadora indica que encontrará qualidade e fartura no lugar. Péssimas pinturas equivalem, no jargão popular, a ótima comida. São estrelas informais do Guia Quatro Rodas. É um selo popular de autenticidade da picanha.
A cafonice produz uma tranquilidade de vida eterna: preserva situações e objetos que nos acompanham desde o nosso nascimento e que não se modificaram com a modernidade.
Reforça nossa crença na informalidade do simples, em que não dependemos de efeitos especiais para encontrar a felicidade.
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 2/11/2014 Edição N°17971
2 comentários:
Puxa, nada a ver mesmo..... vim aqui ler teu texto depois do furdunço todo que estas causando nas redes sociais por desprezar a arte dos panos de prato. bah, pensa um pouco antes de postar. Aqui em casa a gente passa pano de prato. A gente escolhe o pano de prato a dedo.... creio que é so na tua casa, ou de mais alguns, que não se da valor para o pano de prato, então não generaliza. Não deves ter tido uma família maneira que desse valor a pequenas coisas do dia a dia... uma família recheada de gente que borda, pinta, faz crochê, costura.... ai, quer saber.... nem estou mais a fim de falar sobre isso contigo... tchau...
Acima temos um defensor dos panos de pratos... Mas nao conheço ngm que passe o pano de prato! É um verdadeiro pano inutil necessario. Como sempre meu escritor favorito arrasou!
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