Arte de Eduardo Nasi
A residência de meus avós paternos era um castelo usado para crianças.
A família era rica, perdeu o patrimônio, faliu e não desfrutou de condições para manter o alto poder aquisitivo.
Os móveis da realeza dividiam o cenário com cadeiras de praia e ventiladores gagos. Os vitrais recebiam pedaços de celofane colorido tapando os buracos. O sofá verde de veludo, de madeira talhada com anjos, já mostrava a marca de pés, de queimadura de cigarros, de rasgos nas laterais.
Preciosidades a serviço de pequenos mendigos: nós, os endiabrados netos.
Havia, por exemplo, um imponente lustre de cristal no céu da sala — apenas vi igual no Palácio Piratini. Uma lareira de pingentes. Quatro coroas de um tempo que não existia mais para o clã Nejar.
Tanto que, com quatro lâmpadas, tinha somente uma acesa, tal grau de pobreza que veio da decadência.
Mas a gente não se importava: aquele lampadário forneceu matéria-prima romântica para nossa cambada de seis guris.
Toda semana roubávamos um dos pingentes para fazer colar às namoradas.
Um barbante simples, de rolo de mercado, compensado por uma pedra transparente linda, o mais próximo que conhecíamos de um diamante.
Às vezes traficávamos no mercado negro do amor para sustentar as merendas do bar da escola ou adquirir as melhores bolinhas de gude.
Foram anos de saques noturnos. Quando a quietude dos quartos se firmava, os meninos mais pesados seguravam nos ombros os mais leves, e depenávamos o lustre, a galinha dos ovos de ouro que restou do passado.
Minha avó estava doente, e mal olhava para o alto. Não fiscalizava as perdas. O que nos aliava de severos castigos como comer três refeições sem tomar água e ficar trancado no sótão do piano.
O perigo é que ela decidiu vender o lustre, para prorrogar os remédios e a conta do armazém. Telefonou para um famoso antiquário oferecendo o produto de 1890, fabricado em Paris.
Quando o funcionário veio avaliar a rara peça, deu um preço absurdamente abaixo das expectativas da avó.
Ela ofendeu o sujeito com palavrões, avisou que ele estava se aproveitando de sua velhice e jamais descobriu que o avalista colocou uma cotação muito acima do que ela merecia: o lustre magro, com dois solitários pingentes. Como um plátano no outono.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
05/11/2014
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