Arte de Alexandre Cabanel
A mulher sempre é culpada pela idealização. Por esperar demais de um amor.
Porque o amor que ganha não se equipara ao amor que deseja.
Porque há um completo desencontro entre o que ela sonha e o que ela suporta ao acordar, entre o anseio pela cumplicidade e a avareza que aguenta num relacionamento.
E ela se torna culpada: é ela que não valoriza o que tem, não se reduz ao que vê, não agradece o que recebe.
E ela se torna uma esnobe ao abandonar relações justamente por defender sua felicidade. E parece que esta felicidade não existe e está sendo burra em persegui-la.
Será que deveria se conformar com o pior e desperdiçar sua existência com o pior? Não se pode mais idealizar? É um crime conservar o apelo romântico de achar um príncipe, sua cara-metade, seu complemento da alma? Será que ela necessita fingir que a bijuteria brilha como uma joia? Fingir que o coaxo é um canto de cisne? O pessimismo é a expressão da saúde emocional hoje em dia?
A idealizadora sofre, apanha, é xingada, apedrejada, excluída socialmente, é a Geni da canção de Chico Buarque, é a nova Madalena da Bíblia.
Não é ela que está certa, ela que é excessivamente exigente.
Não é ela que sabe o que quer, ela que é perfeccionista.
Não é ela que tem razão, ela que vive cobrando, arrumando briga e procurando defeito.
Não é ela que procura a qualidade, ela despreza as opções.
Seu sofrimento é visto como um despropósito. Acaba ganhando o descrédito dos amigos e da família, o estigma de que é fora da realidade, de que não valoriza o pouco.
Já ninguém acredita quando ela diz que vai casar.
- De novo?
Já todos reclamam quando ela anuncia que cansou de casar.
- Não pode desistir.
Se ela insiste, é louca. Se ela desiste, é louca.
Nunca agrada e corresponde às expectativas dos seus próximos. Mas não pode ter suas frustrações, é proibida de ter suas decepções, é vetada de ter suas desilusões.
Precisa suportar as lamúrias dos outros, mas não pode expressar sua insatisfação.
A idealização é vista como uma alucinação, um distúrbio psicológico: você está querendo alguém que não existe, forçando a projeção, não enxergando o que sua companhia guarda de bom e verdadeiro.
Não pode reclamar de barriga vazia pois está consolidada a ideia de que reclama de barriga cheia. Como se namorar ou casar fosse uma benção, quando é apenas mais uma formalidade do machismo.
Sem idealização, não existe ambição no amor, esperança no amor, fé no amor.
Nivelar por baixo é desastre.
Quem se contenta com o banhado jamais cultivará um jardim.
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 9/11/2014 Edição N°17978
Um comentário:
Nossa, me vi!Muito bom.
Postar um comentário