quarta-feira, 28 de julho de 2010

A CLARIDADE É UM CAIXÃO

Arte de Cínthya Verri

A festa está acabando quando o pessoal não dança mais, somente pula. Não há mais como sincronizar o ritmo, habilitar coreografias, os braços dão socos imprecisos no ar. A cama elástica é a primeira fase do raiar do dia.

Após o pulo, bate a culpa pelos passos desengonçados, a vergonha diante do clarão das nuvens. Vem a segunda fase: o abraço coletivo, a formação de bolhas humanas.

Para disfarçar o desequilíbrio, os amigos passam a saltar enlaçados em rodinhas como nas formaturas. Inicia com um trenzinho, logo descarrila, transforma-se em autochoque, parte do grupo despenca e não volta.

Não é mais tempo de exibições, mas de sobrevivência. O desfecho surge com vogais gritadas. Na madrugada, a house music termina em Ilarilarilariê ó, ó, ó — é o que parece. Não sei se é um problema de geração, talvez hipnose coletiva, talvez neurônios queimados.

O que me desagrada numa rave é que ela põe fim à ilusão. Não poderia ser permitido ver de manhã com quem você ficou de noite. Provoca embaraços. A mulher pensa ter seduzido São Jorge e quem resta ao seu lado é o dragão. Como se manter abraçadinho? Como preservar as palavras de amor e devassidão? A jura apenas funciona no escuro quando a pálpebra é a boca.

De repente, a luz descortina os traços e desvendamos a companhia. Não se terá advogado perto, muito menos preparação psicológica. Alguns não disfarçam o espanto e soltam um “oh” de pântano.

Invadir a hora do café cria o impasse, além de expor o tamanho do estrago no corpo, simbolizado pela montanha de latinhas de energéticos, garrafas de vodka vazias e guimbas de cigarro pelo chão. Não veio o sono para se perdoar — a civilização começa com a reposição das oito horas de descanso.

Deveria ser proibido ultrapassar as seis horas da matina. No sexto badalo, é o momento de cortar o som, antes que a claridade revele a identidade secreta.

O sol não cega, tira a cegueira. Toda festa é um baile de fantasia porque você está bêbado e a sombra melhora o rosto. É necessário respeitar o transe. As filas no banheiro de manhã são metade de gente tentando fugir dos constrangimentos com seus parceiros.

Um turno ininterrupto de farra aniquila o mistério do dia seguinte. O suspense afetivo. Aquela sensação boa de desconhecido, de descobrir com quem se envolveu, armar a investigação no Google e no Orkut, definir se telefonará ou não.

As raves eliminam a chance de se despedir romanticamente, ou de se arrepender devagar e manter a educação.

Não vejo tristeza em acordar indeciso com os acontecimentos. Trauma é não dormir e enxergar o que ocorreu no ato, sem nenhum tempo para formar as lembranças.



Crônica publicada no site Vida Breve

24 comentários:

Ana SSK disse...

Algumas coisas acabam com a magia. Devíamos descobrir essas coisas apenas após alguns anos de relacionamento. Meses, no mínimo.
Talvez por causa dessa claridade os relacionamentos estejam tornando-se tão efêmeros.

P.S... disse...

'dorei.

Vida no Varal - por Lis Weingärtner disse...

Fabrício,

Concordamos! Graças a Deus.

"Sentar num bar com amigos é permitir que nossos mais profundos sentimentos sejam confortados. Ninguém solta uma gargalhada sonora numa festa rave. O riso pertence aos ouvidos azulejados"
Leia mais: http://vidanovaral.wordpress.com/2010/07/26/azulejada/

Unknown disse...

Por isso que nunca fui e nem pretendo ir a uma rave!

Ramiro Conceição disse...

“Na madrugada, a house music termina em Ilarilarilariê ó, ó, ó — é o que parece. Não sei se é um problema de geração, talvez hipnose coletiva, talvez neurônios queimados.”

Lido, principalmente, com a juventude: sou professor do Ifes (Instituto Federal do Espírito Santo). Na educação, a minha atuação se dá de maneira vertical, isto é, desde o curso técnico até a pós-graduação stricto sensu em metalurgia; portanto, meus alunos possuem entre 18 a 40 anos, aproximadamente. Pois bem, no final de cada período letivo (4 meses, aproximadamente) retorna aquela sensação do “Ilarilarilariê ó, ó, “ó”. Há uma falta de iniciativa patológica: parecem bebês à espera de alimentação. Há uma incapacidade assustadora em responder questões nas quais é fundamental a discussão de conceitos, e não a famigerada decoreba alienante.

Outro fato, que causa espanto, é o moralismo dos homens relativamente às mulheres, neste tempo de aparente liberação sexual; às vezes tenho a impressão de ter como interlocutores meus bisavós!

Algumas vezes durante uma aula “capetuda” de termodinâmica, de repente, paro tudo!... E declamo um poema. Tenho a sensação de ser olhado como um ser de outro planeta. Tento explicar que existe a mesma beleza numa equação científica tal qual aquela contida num verso inspirado. Então entra sempre um atrasado aluno desconhecido na turma: o silêncio!...

É, meu caro Fabro, talvez seja um tempo de uma degenerativa hipnose coletiva, daí a sua sensação dos “neurônios queimados”.

Cáh disse...

Nossa....

caramba como gosto de ler seus textos..

Este, é exatamente o retrato de uma festa, que na verdade celebra a falta de amor próprio, de auto-estima e necessidade de se encontrar.



Um Beijo

Ana Matias disse...

Sempre fui para Raves pra ficar sozinha, é o tipo de festa pra curtir a si mesmo através da música, curtir o trabalho do DJ, não faz sentido ir para outra coisa, e o ser humano insiste em fazer bobagens nestas festas...

O psicolouco disse...

Parabéns!
Como sempre escrevendo de forma excelente!

Flor de Lótus disse...

Por essas e por outras que eu nunca fui a uma rave é melhor manter o encantamento e achar que fiquei com um principe ao inves de descobrir ao clarear do dia que era apenas um sapo,rsrsrs.

Anônimo disse...

Gostei! Muito bom o texto.
É muito estranha a forma como as coisas acontecem nos dias de hoje.
Uma perda de valores.
É triste!

Parabens!
Hugs ^^

Eva disse...

Oi Fabrício querido, Parabéns! Sucesso e amor, sucesso com teu amor e beijos da tua fã, Eva

Ramiro Conceição disse...

Aproveitando a “deixa”, não deixada,
pelo comentário da “Flor de Lótus”,
deixo uma fábula diante dos rostos…


O SAPO E O POETA
by Ramiro Conceição

Na madrugada,
um poeta e um sapo se encontraram…

- Boa noite,
senhor sapo.

- Boa noite,
senhor poeta.

- Como vai a reflexão
sobre a escuridão, caro sapo?

- Vai bem.
E a poesia, como anda a luz?

- Vai muito bem, também…
Bom, amigo sapo, até breve.

- Felicidades, poeta,
que a vida nos leve.

Parado, o sapo ficou a pensar
enquanto dizia o poeta pulando…

“Coisas GRANDES
são dos grandes.
Coisas raras,
dos RAROS.
Por isso que a goiabeira
dá goiabas ao bem-te-vi
que não é dono do jardim
porém, somente, de si.”

Anônimo disse...

Senhor Ramiro chato para caralho Conceição. Se eu não te conhecesse, até ouviria você falar por 1 minuto, caso lhe encontrasse verborragiando como um profeta, com apenas quem não sabe do que você está falando ouvindo, ou seja, as pessoas em coma muuuuito profundo. Porém, lhe conhecendo, eu mando te prender por antentado à imaginação. Porra, todos os seus poemas são spam de auto-ajuda??? Volta a falar de metalurgia, ou então, por si, seja criativo.

Abraços

Anônimo disse...

Seus alunos te olham como um et porque suas poesias chocam pelo horror da obviedade idiota. Já, alguma vez, perguntou qual era a opiniao deles sobre o que você escreve? Porque tenta crescer em cima dos seus alunos e em cima do fabro? Porque pede a ele para deixar de procurar as grandes sacadas? Se ele fizer isso, o almoço com o filho não dá crônica, e ele fica pobre, ENTENDEU???? E, você só pode comparar a beleza de uma equação com a beleza de um BOM poema. O problema não é interdiciplinar. Seu poema NÂO é bom, por isso a comparação fica estranha, por isso seus alunos ficam chocados. O Fabro pode te ajudar, mas você tem que parar de achar que sabe fazer poema, e deixar horripilância dessa ilusão pra trás.

Ramiro Conceição disse...

Bem, caro anônimo - que me conhece e que só entende meus poemas como sendo de auto-ajuda - que língua é essa “…com apenas quem não sabe do que você está falando ouvindo, ou seja, as pessoas em coma muuuuito profundo.” ?

Ramiro conceição disse...

Outra coisa, caro anônimo,

“Coisas GRANDES
são dos grandes.
Coisas raras,
dos RAROS.”

é a versão em ritmo poético de um longo parágrafo de Nietzsche em “ A Gaia Ciência”.
Aliás, em sua opinião, Nietzsche é um filósofo de auto-ajuda?
Por favor, gostaria de saber a sua opinião sobre Paulo Coelho e Raul Seixas?

Ramiro Conceição disse...

Nossa!...
Novamente aquele silêncio... da sala de aula!

Ramiro Conceição disse...

cqd!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Anônimo disse...

Seu fanfarrão. Não me deu tempo pra responder e fala em silêncio de sala de aula???

"Com apenas quem não sabe do que você está falando ( - ouvindo) , ou seja, as pessoas em coma muuuuito profundo". Pronto, concertei.

Nietzsche, citado - FORA - de A Gaia Ciência, pode virar qualquer coisa, até mesmo um Deus ressuscisado, o que para o Nietzsche escritor, seria o inferno. Mas, não li a Gaia ciência, vou procurar.

Com relação à Paulo coelho, bem, entendo que alguém que alcançou o nível da ressonância, tem valor. E o que não alcançou nenhuma, também, porque é o contraste.

A ciência da simplicidade não é simplória. Mesmo uma coisa complexa pode ser simplória, sem querer, quando gera redundância.

A canção não depende só da letra - a melodia, o ritmo, a harmonia ,a interpretação e a vida do artista trazem o restante do significado para a letra. Para mim é uma questão de impacto, e artistas como Raul Seixas podem ser significativos.

Não só isso, o ritmo puro, a melodia em si, claro. Dançar sem música pode ser profundo se você estiver ressoando fundo.

A sua resposta, por exemplo, de tão delicada, foi poética e significativa - para mim. Você deu uma risada que não machuca, usou uma ironia que empurra de leve, como um amigo que te chuta na bunda pra cumprimentar.

Ramiro Conceição disse...

Meu querido anônimo, somos amigos!!!
Os verdadeiros inimigos, são outros!!!!

Ramiro Conceição disse...

Querido anônimo,
fiz um poema pensando em você...


O PLANTADOR DE BATATAS
by Ramiro Conceição

O ato de criação é plantar batatas,
porém ensinando aos pequeninos
a alegria da “batatinha quando nasce”
e a dor - d’Os Comedores de Batatas.
Por isso o poeta deve cavar e colher o óbvio
que plantou e, qual Dante com o seu Mentor,
deve ir até o inferno em busca de luz, porque
é do interior da terra que rebenta o esplendor.

Anônimo disse...

*Obs: não sou nenhum dos anônimos anteriores.

Ramiro, gostaria de saber se conhece pessoalmente o Carpinejar e se é amigo de longa data dele.
Se a resposta for negativa (principalmente à segunda questão, sobre a longa amizade), puxa, é de mau gosto o que você faz: encher os comentários deste blog com seus textos.
Uma indelicadeza com o Carpinejar, ainda que alguns de seus escritos tenham a ver com a postagem dele. Indelicadeza ainda maior, caso você seja um grande amigo dele.
É chato para as outras pessoas que também comentam.
Se você fosse o Carpinejar e ele fosse você, será que gostaria de tanta autopromoção do Ramiro em seu blog?
Se a resposta for "não",pare com isto, por favor.
Não apenas o Fabrício agradecerá, mas todos aqueles que querem comentar sem ler seus textos nos comentários.
Se você tem um blog, limite-se a postar suas criações lá, que é mais digno para todos.
Quando quiser comentar por aqui, comente - caso alguns gostem de seu comentário, fique certo de que buscarão saber se tem blog e, em caso positivo, acompanhá-lo-ão.
Não criticarei seus textos, porque isto é o mesmo que os comentar e aqui os comentários são para as postagens do Fabrício.
Não entrarei novamente aqui para responder a você, se reagir a este comentário.
Ao Fabrício Carpinejar peço desculpas por não comentar a postagem, mas é que me cansei das coisas sobre as quais escrevi aí atrás.
Abraços ao Carpinejar e também a você, Ramiro

Débora disse...

Limito-me a comentar o post, e não os comentários. Até porque hoje é sexta-feira e, em dias como este, um pensamento por vez basta.

A ansiedade dos tempos modernos está acabando com a magia da espera. Um dia ri de alguém que disse ser necessário respeitar algumas etapas na vida. Hoje a visão levemente mais ampla me faz voltar no tempo e refazer a opinião. Precisamos de mais calma, de mais espaço para deixar a imaginação trabalhar e os sentimentos tomarem forma - bons ou ruins.

ana disse...

Essa turma briguenta está precisando de lição de casa. Fabricio porque você não lança um concurso de poemas para ver quem é bom mesmo de papo ? Assim esses seus seguidores indisciplinados canalizariam a energia para uma causa mais nobre : a poesia.