domingo, 22 de julho de 2012

ELE NÃO CONTA AONDE VAI

Arte de Cínthya Verri

"Olá! Tenho 41 anos e sou casada com um homem de 62, há cinco anos. Desde que ele se aposentou, passa o dia fora de casa. Quando volta, e pergunto o que ele fez no Centro o dia todo, responde que não tem que dar satisfação e para me colocar no meu lugar. Pergunto: qual é o meu lugar? O que posso fazer para mudar essa situação que está fazendo com que nosso relacionamento termine? Obrigada. Beijo. Vera”.

Querida Vera,

Ele tem a convicção que não vai terminar o relacionamento – este é o segredo da tirania. Acredita que não tem escolha.

Eu colocaria os naipes na mesa: ou você muda e me descreve sua rotina ou eu vou embora e você tampouco saberá meu caminho. Uma chantagem eventual tem seu charme.

Não é uma enfermeira suportando alguém seriamente doente, ele está ofendendo com saúde, e de graça.

Amor não é assistencialismo, no qual amamos pelos dois. Amar pelos dois é egoísmo. Não pode conceder a ele a doação irrestrita dos seus dias.

Impossível seguir permitindo os desmandos caseiros, onde um fala e o outro cala. Ao casar, assumimos o compromisso da explicação. Danou-se a soberba adolescente. Ninguém mais sai de casa sem avisar. É etiqueta amorosa. Há o compromisso de tranquilizar o par, ainda mais se ele é ansioso ou desconfiado. Todos têm o direito de enlouquecer uma hora, só que a loucura deve ser educada. Pode bater a porta, abandonar a cena urrando, porém nunca omita o seu destino.

Mas vou lhe contar algo surpreendente. Com a fachada de machista e autoritário, ele brinca de ser importante. É pura carência. Quer chamar sua atenção.

Adivinha o que ele faz de tarde? Nada. Só que tem vergonha de dizer e cria mistérios para fingir que não envelheceu.

O sádico é um masoquista recalcado. Ele vem sofrendo com o fim do trabalho e não aprendeu a pedir ajuda. Está mentindo, buscando convencer a si mesmo que tem liberdade.

Seu marido padece de tédio, não liberdade. Liberdade é ter o dia ocupado com aquilo que a gente gosta.

Abraço com toda ternura,
Fabrício Carpinejar

Querida Vera,

Era uma vez uma senhora que perdeu seu marido. Inconsolável, a viúva visitava o túmulo todos os dias. Perdera o companheiro leal de sua vida.

Certo dia encontrou uma outra pessoa chorando sobre a lápide dele. Aproximou-se e verificou: sim, uma mulher estava de luto fechado. A viúva perguntou:

– Desculpe, mas eu não posso imaginar como isso seja possível. Meu marido nunca deixava a casa, apenas para o trabalho. A rotina era total: das oito às seis, sempre, sem faltas. Funcionário exemplar.

Não vejo como ele poderia ter uma amante! Deve haver algum engano.

– Não há, infelizmente, nenhum engano! – respondeu a outra soluçando – Sabe o intervalo do cafezinho?

Nossas vidas são imprevisíveis, variadas, por mais que se pareçam muitas vezes na superfície.

Casados há cinco anos: é uma titulação a ser respeitada. Significa que nos últimos 1,8 mil dias vocês fizeram por merecer, ajeitaram as diferenças. Fica nítida a capacidade que tiveram para construir um cotidiano que funcionava para ambos.

Mas algo mudou: chegou a aposentadoria. As coisas não são mais como antes. Ele passa o dia fora em lugares desconhecidos. E você se sente perdida.

Por quê? Será que tinha planos para a aposentadoria dele? Sonhava que ele teria mais tempo para se dedicar ao casal, uma alegria mansa, um café da manhã sem pressa, a tarde inteira lhe fazendo companhia enquanto corria a máquina de costuras, viagens sem destino, aventuras? Será que almejava um descanso largo para dois?

Não será este o maior choque – entender que nunca soube o paradeiro dele, apenas que imaginava conhecê-lo. Verdade seja dita: ele poderia mentir. Isso a deixaria mais calma?

Beijos meus,
Cínthya Verri

Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 22/07/2012 Edição N° 17138

Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.
Nossos palpites amorosos não substituem consulta, terapia, exorcismo e qualquer tratamento técnico.
ESCREVA PARA colunaquaseperfeito@gmail.com

6 comentários:

Gustavo Bays disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Gustavo Bays disse...

Acho linda a arte, as imagens da Cínthya Verri que têm ilustrado o blog. Com textos e imagens eu admiro os dois.

ana disse...

As pessoas não se preparam para a aposentadoria, não cultivam hobbies ou algo que as interesse além do trabalho. Quando se aposentam perdem tudo e se sentem envergonhadas, pois não têm uma atividade que mantenha a sua autoestima.
Com carinho inaugure uma nova fase na vida de vocês. Por que não um piquenique num parque em plena segunda-feira ? ou um curso de dança nas tardes da terça?
Observe o que ele gosta de fazer e proponha fazer junto com ele.Se ele não gosta de nada, diga que quer fazer algo e precisa da companhia dele, como caminhar todas as manhãs, por exemplo.
Talvez ele não queira conversar agora, por se sentir muito infeliz. Têm pessoas que se fecham
com o sofrimento. Você pode respeitar esse momento de silêncio e tentar uma aproximação mais sutil, mostrando interesse sem fazer muitas perguntas.

Aletheia disse...

Concordo completamente com o Fabrício (e olhe que nem sempre concordo com ele...rsrsrs). Acredito que seu companheiro não faz NADA que valha a pena reportar. Mas, também acho que isso não lhe dá o direito de não contar a você. Isso é relacionamento. Caso contrário, melhor ficar cada qual em seu canto, fazendo (ou não) o que bem lhe aprouver.
Beijo.

frô disse...

Cinthya, tua historinha lembrou a minha.

E eu aprendi que o casamento é como estar grávida. Ou está ou não está.

E que marido é como filho. Vao fazer coisas na escola que nem vc nem a professora nunca vão ficar sabendo. Ou vc confia no seu filho ou não confia. Mas se ess eprojeto de gente vai dar certo ou não, tvz nem Deus saiba...

Unknown disse...

Fabricio, sempre concordo contigo e as vezes me parece que tu entende mais as mulheres, é incrivel. E ao mesmo tempo nos faz entender mais os homens. Parabéns.
Deise