sexta-feira, 29 de outubro de 2010

NOVEMBRO LITERÁRIO

Arte de Vicente



30/10 (sábado) – Porto Alegre (RS), 19h
56ª Feira do Livro de Porto Alegre
Bate-papo Estande Caixa Econômica
Local: Praça de Autógrafos - Praça da Alfândega

3/11 (quarta-feira) – Porto Alegre (RS), 17h
56ª Feira do Livro de Porto Alegre
Bate-papo Estande Caixa Econômica
Local: Praça de Autógrafos - Praça da Alfândega

3/11 (quarta-feira) – Porto Alegre (RS), 18h
56ª Feira do Livro de Porto Alegre
Debate: Culpa e responsabilidade são antônimos
Com Cínthya Verri, Cíntia Moscovich e Paulo Sérgio Rosa Guedes (via skype)
Faço a mediação.
Local: Sala dos Jacarandás, Memorial do RS
e-mail: assessoria1@camaradolivro.com.br

5/11 (sexta-feira) – Santa Maria do Herval (RS), 9h
VI Feira do Livro
Local: S.C.B. Herval
e-mail: smec.smh@ibest.com.br

6/11 (sábado) – Porto Alegre (RS) – 10h
Aula ESADE Laureate International Universities
Local: Rua Luiz Afonso, 84, Cidade Baixa

6/11 (sábado) – Porto Alegre (RS), 19h30
56ª Feira do Livro de Porto Alegre
Sessão de autógrafos de Mulher Perdigueira (Bertrand Brasil, 2010)
Local: Praça de Autógrafos - Praça da Alfândega
e-mail: assessoria1@camaradolivro.com.br

7/11 (domingo) – Porto Alegre (RS), 19h
56ª Feira do Livro de Porto Alegre
Bate-papo Estande Caixa Econômica
Local: Praça de Autógrafos - Praça da Alfândega

8/11 (segunda-feira) – Porto Alegre (RS), 19h
56ª Feira do Livro de Porto Alegre
Debate Primos – Histórias da herança árabe e judaica
Com Tatiana Salem Levy, Moacyr Scliar e Cíntia Moscovich
Mediação de Ricardo Azeredo
Local: Auditório Barbosa Lessa - CCCEV - Área Geral
e-mail: assessoria1@camaradolivro.com.br, com Sandra

9/11 (terça-feira) – Porto Alegre (RS), 9h
Fronteiras do Pensamento - Geração Z
Local: Salão de Atos da UFRGS
(Av. Paulo Gama, 110)
e-mail: relacionamento@fronteirasdopensamento.com.br


10/11 (terça-feira) – Brasília (DF), 9h30
II Simpósio de Crítica de Poesia
Local: Universidade de Brasília
(ICC Ala Norte - Campus Universitário)

10/11 (quarta-feira) – Porto Alegre (RS), 19h
56ª Feira do Livro de Porto Alegre
Oficina "Amar é...": cartas de amor
Local: Biblioteca - Centro Cultural CEEE Erico Verissimo
(Rua dos Andradas, 1223)
e-mail: assessoria1@camaradolivro.com.br

11/11 (quinta-feira) – Porto Alegre (RS), 19h
56ª Feira do Livro de Porto Alegre
Oficina "Amar é...": cartas de amor
Local: Biblioteca - Centro Cultural CEEE Erico Verissimo
(Rua dos Andradas, 1223)
e-mail:
assessoria1@camaradolivro.com.br

12/11 (sexta-feira) – Bom Jesus (RS), 10h
Feira do Livro de Bom Jesus
Local: Salão Paroquial de Bom Jesus
e-mail: culturabj@m2net.com.br

12/11 (sexta-feira) – Porto Alegre (RS), 18h30
56ª Feira do Livro de Porto Alegre
Oficina "Amar é...": cartas de amor
Local: Biblioteca - Centro Cultural CEEE Erico Verissimo
(Rua dos Andradas, 1223)
e-mail: assessoria1@camaradolivro.com.br

13/11 (sábado) – Piracicaba (SP), 20h30
11º Prêmio Escriba de Poesia
Local: Biblioteca Pública Municipal
(Rua do Rosário, 833 – Centro)
e-mail: bibliotecadepiracicaba@hotmail.com

14/11 (domingo) – Campos dos Goytacazes (RJ), 18h
6ª Bienal do Livro
Café Literário, com Viviane Mosé
Mediação: Dedé Muylaert
Local: Praça São Salvador

15/11 (segunda-feira) – Porto Alegre (RS), 17h
56ª Feira do Livro de Porto Alegre
Bate-papo Estande Caixa Econômica
Local: Praça de Autógrafos - Praça da Alfândega

16/11 (terça-feira) – Belo Horizonte (MG), 19h
Sempre um Papo
Debate e sessão de autógrafos de Mulher Perdigueira
Local: Sala Juvenal Dias do Palácio das Artes
(Avenida Afonso Pena,1537 – Centro )
Informações:(31) 3216 1501

17/11 (quarta-feira) – São Luís (MA), 21h
4ª Feira do Livro de São Luis
Tema: “Melhor o ciúme que a indiferença: a alegria das relações amorosas”.
Local: Praça Maria Aragão Conceito

21/11 (domingo) – João Pessoa (PB), 17h
Salão do livro da Paraíba
Local: Fundação Espaço Cultural José Lins do Rego

26/11 (sexta-feira) – Recife (PE), 19h
Mostra SESC de Literatura Contemporânea - A Criação Literária

28/11 (domingo) – São Paulo (SP), 16h
Virada Cultural - Sarau
Local: Livraria Cultura
(Av.Paulista, 2073)

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

DESPACHO DA ESQUINA

Arte de Allen Jones

Conservo algumas pistas sobre a acidentada existência masculina. Pistas!, pois não tenho caminho, só o morto tem.

Antecipo uma delas. Na ausência de culpa, o homem reage mansamente quando sua mulher mexe no seu e-mail, no seu celular ou revista sua carteira. Não fará drama, não subirá no palanque para prometer pena de morte. Ficará ofendido, claro, mas não acabará com o relacionamento, muito menos despejará frases cortantes como “não dá mais”. Acompanhará o que ela tem a dizer e tratará de explicar ponto a ponto, redimindo enganos e distorções.

Marido inocente tem paciência. É incrível, sente-se feliz pela rara chance de exibir a ficha limpa e protagonizar merchandising da aliança. Desenvolverá uma generosidade imprevisível, vai dar colo ao choro e pedir que ela esqueça o desentendimento.

Ele é uma fera apenas quando sabe que tem alguma coisa de errado. Ao aprontar e fazer jogo duplo. Ao manter mensagens duvidosas e insinuações comprometedoras das outras. Não está magoado porque ela fuçou seus pertences (já perdoou a mãe por procurar toco de maconha em suas roupas), mas porque é bem provável que ela encontrou uma prova.

O pânico é a manifestação do crime. Tentará reverter sua posição defensiva em alucinado ataque, encenará a sina de vítima, com a ladainha de que viver assim é doentio ou de que amor nada é longe da confiança.

Quem não deve não teme e paga antecipado. Homem culpado é mais afetado do que mulher histérica. Uma ópera de leques e bufos. Negará antes mesmo de ouvir tudo. Ameaçará antes mesmo de sustentar o contraditório.

O infiel também experimenta uma TPM. Já entra em crise perto da data de receber a fatura do cartão de crédito e da conta do celular. Muda a respiração com o barulho do torpedo. Sofre muito antes de tudo eclodir, cheira a comida com medo de se entregar diante de silêncios demorados. Exagera nos modos e nas portas batendo. Não quer conversar, quer sair logo de perto. De tanto adiantar explicações desde que acorda, sofre de um cansaço mental. É a primeira vez que ela toca no assunto, porém é a centésima que ele pensa.

Homem que traiu age como se ele fosse o corno. Troca os papéis. Como está enganando em segredo, intui que será enganado sem perceber. Delira que ela é igualmente dissimulada. Por receio da vingança, toca o terror a cada questionamento. É a criatura mais possessiva que existe, conhece com domínio suas versões falsas e projeta na companhia as escapadas que vive criando.

Sujeito de consciência tranquila não se apavora com a crise, respeita os despachos da esquina. Pega emprestada uma vela para iluminar a próxima briga.





Publicado no jornal Zero Hora
Interino de Luis Fernando Verissimo, p. 2, 28/10/2010
Porto Alegre (RS), Edição N° 16502

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

BORDEL

Arte de Cínthya Verri

Padre mudava o destino de uma cidade. A missa era obrigatória. Não havia domingo sem missa, já dizia Otto Lara Resende. De manhã, Deus; de tarde, futebol.

O sermão influenciava relacionamentos e cargos em comissão. O salão ficava lotado como num comício, mulheres abanavam leques, homens seguravam os chapéus no colo. A leitura do evangelho não acontecia ao acaso, a escolha dos versículos traduzia um recado especial aos pecadores. Padre representava a central de fofocas do município, com insinuações metafóricas e um jogo de adivinhação dos culpados: — De quem ele está falando?

Nos anos 50, padre Corso mandava em Guaporé (RS) tanto quanto o prefeito. Distribuía generosas penitências e fazia indiretas para a população. Construía ou destruía reputações com sua língua presa. No púlpito, tomado de Sodoma e Gomorra, terminava por sugerir informações privilegiadas do confessionário.

A igreja estava separada em duas alas. Na direita, sentavam os partidários do PDS e na esquerda, os correligionários do PTB. Uma disputa de facções para ver quem sofria mais represálias. A mesma divisão se perpetuava no café, no cemitério e no cinema. Direita de um lado, esquerda de outro, neutros não existiam.

Um dos assuntos dominantes veio a ser o sucesso de um cabaré. O cochicho ficou sério quando um frequentador se arrependeu do hábito e procurou lavar sua honra.

— Padre Corso, pequei feio, entrei no bordel.

— Por que, meu filho?

— É que as jovens têm seda, pele macia, perfumada, seus cabelos armados, suspiram quando falam, ronronam como gatas, são pintadas como não se vê por aí, batom, rouge e rímel, tudo importado, padre, de primeira. E cultas, gemem em três dialetos…

Enfurecido, Corso parcelou a dívida espiritual do sujeito em dois anos, por pouco não entregou um carnê de rezas, para que ele não se perdesse na contagem das ave-marias e pais-nossos.

O horror foi o final de semana. Na missa, o sacerdote estava fora da casinha, com cabelos de medusa e olhos de pedra. Num disparate, pediu para que os homens saíssem do recinto, e se reuniu somente com as damas. Discursou durante noventa minutos, sem parar, recorde apenas batido uma década depois por Fidel Castro.

— Esposas, os bons costumes estão ameaçados pela luxúria. Usem todas suas armas. Tratem de se arrumar, comprem seda e perfume, pintem o rosto, cuidem da pele, procurem dançar, não temam esforços… Porque tudo é permitido dentro do casamento!

O bordel fechou logo em seguida para reabrir na cidade vizinha, em Encantado.



Crônica publicada no site Vida Breve

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

OITO ANOS

Arte de Howard Hodgkin

Vivo uma maratona de viagens, descanso numa cidade e acordo noutra. Como durmo pouco, a namorada insistiu para que pelo menos aproveitasse o travesseiro e adquirisse abrigos e camisetas brancas. Dolorido gastar com o sono, sair com uma sacola do shopping para desaparecer, anônimo, entre os lençóis. Eu me via como um idiota, a quantia deveria ter sido direcionada a melhorar o visual no trabalho.

O homem tem pavor do acessório. Não costuma inaugurar roupas na hora de deitar. Usa a que for mais folgada, e não pensa mais nisso. Da mesma forma não se preocupa com cuecas e meias. Nunca repara na cama, nas colchas e edredons, a não ser no início do casamento. Não sei como nossa espécie não foi extinta até hoje. Depois que aceitamos o pijama, também não precisamos mais pagar ônibus – é que ficamos velhos. Aliás, macho não compra pijama, somente recebe de sua mãe ou de sua mulher.

Mas atendi a mudança de costumes e separei as peças para testar no hotel de Torres. Vencido o compromisso, de banho tomado, sossegado no quarto, abri a mala para colocar a calça. Ela murchou, não entrava. Estranhamente encolheu. Parecia grande, mas não o suficiente. Confundi o número na loja? Botei a perna esquerda e trancou mesmo. Observei que não era minha, mas de Vicente.

A possibilidade do engano é que me transtornava. Como meu filho amadureceu tanto a ponto de confundir minha calça com a dele? Cético, pasmo, estendi o abrigo na cama para comprovar sua altura, assim como meu pai conferia meu crescimento com a fita métrica – lembro que ria todo orgulhoso com o veredito. Às vezes, o pai mentia o avanço (não podia crescer três centímetros todo dia), porém acreditava, não desconfiava das boas notícias.

Acariciei cada linha do pano e imaginei o peso, o tamanho, a envergadura atual do meu Vicente. Não é que sou distraído, é que ele me surpreende sempre. Fui tocando em seu tempo, nos fios costurados de seu tempo, revendo suas gargalhadas na banheira azul, o espanto com o vaivém do balanço, as corridas vacilantes de cisne, o andar firme e decidido ao atravessar a rua, a concentração na primeira aula, o temperamento de virar a cabeça quando apanhado no colo, os cabelos compridos de roqueiro. Seus oito anos deslizaram pelos dedos. Transformei as mãos num ferro elétrico, desamassando os vincos, desfazendo as dobras. O rio subia os muros, avançava as marcas. Já havia uma enchente na minha respiração.

Ai,Vicente, você cresceu e nem me avisou.




Publicado no jornal Zero Hora
Interino de Luis Fernando Verissimo, p. 2, 25/10/2010
Porto Alegre (RS), Edição N° 16499

SARAU CARPINEJAR 38

Foto de Edison Vara

Completo 38 anos, volto a ser calibre de arma - isso que já atirava para todos os lados.

Minha festa de aniversário é como gosto: lendo textos no Sarau Elétrico nesta terça (26/10), às 21h, no Ocidente (Rua João Telles esquina Osvaldo Aranha, 51 3312.1347, Ingresso R$ 10) em Porto Alegre (RS). Ajudando a soprar as velas, terei a companhia de Luís Augusto Fischer, Cláudio Moreno, Claudia Tajes e Katia Suman.

Na canja musical da noite, minha namorada Cínthya Verri, acompanhada do violão de Rodrigo Prado.

Te espero.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

VERISSIMO



Qual o maior cronista vivo? Luis Fernando Verissimo. Até no mundo dos mortos, ele se daria bem. Acredito que arrebataria o vice-campeonato, ficando somente atrás de Rubem Braga. A vantagem do capixaba seria simbólica, talvez pelo saldo de gols. Os dois foram fundamentais na definição do gênero no Brasil. O primeiro construiu toda a estrutura da crônica, diferenciando o texto leve e lírico do conto; o segundo confundiu tudo, aproximando a crônica novamente do conto com o uso perfeito dos diálogos.

E de quem sou interino? Luis Fernando Verissimo. Ao receber cumprimentos pela substituição, sempre penso que são pêsames. Minha culpa é explicar:

– Logo Luis Fernando volta, meu trabalho é aumentar a saudade dele.

Vejo que o jornal Zero Hora se dispõe a destruir minha carreira. Não há como sobreviver a sua interinidade. Mesmo que tocasse clarinete nas horas vagas e criasse um Jazz 7.

Ainda por cima, sou uma matraca, correndo graves riscos de dizer bobagem. Verissimo é o contrário: contido. Suas palestras são mímicas, dispensam a tradução para Libras. Os amigos falam por ele e ele retribui escrevendo pelos amigos. Um negócio perfeito.

Emudeci nos momentos em que abracei o autor. Permaneço quieto, e ele, quieto. É possível ouvir nossa respiração soletrada. Um repete o outro. Tudo bem? Tudo bem. Céu azul? Céu azul. Ele não sofre com o desespero. Não é problema de falta de assunto, é temperamento. Encontrar-se com Verissimo é entrar no elevador: ninguém solta um pio. É ter a solidão reembolsada com juros.

Ansioso, faço loucuras para romper o nervosismo, inclusive confessar os pecados. Como ele é célebre pela sua timidez, qualquer timidez em sua frente é uma imitação. Para ele, aquilo é rotina; para mim, é mal-estar. Praticamente impossível ser inteligente ao lado de um homem quieto.

Como não conseguirei vencê-lo na escrita, decidi superá-lo no silêncio. Precisava de muito treino. Experimentei dois dias longe de minha voz. Os filhos não compreendiam, sondavam que virei Hare Krishna. Não atendi telefone, e almocei e jantei calado.

Quando calculei que estava pronto, fui ao combate. Empreguei golpes baixos como piscar e pigarrear. Quase bati palmas perto de seus cílios. Ele se conservava imutável. Não mexia os braços e os lábios.

Uma hora e meia de completa meditação, e desisti, perguntei se tinha um lenço para secar o suor. Ele me alcançou do bolso de trás da calça. E, sem piedade, o cretino não proferiu nenhuma palavra de consolo. Não posso brincar de estátua com quem já é uma.




Publicado no jornal Zero Hora
Interino de Luis Fernando Verissimo, p. 2, 21/10/2010
Porto Alegre (RS), Edição N° 16495

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

MUDANDO DE ARES

Arte de Cínthya Verri


Quando sou levado para palestras, nunca peço para que seja ligado o ar-condicionado. Temo a pergunta e vou abrindo a janela.

Não é o medo de ficar gripado ou estragar a voz. É um receio mais poderoso, intuitivo, é descobrir a personalidade do motorista.

Não partilho da visão de que o cão revela a cara do seu dono e que ambos se parecem com a convivência. Meu tio Paulo era um buldogue e cuidava de um linguicinha.

Acalento a convicção de que o caráter do homem está no ar-condicionado. Na ventilação. Já entrei em carro que o ar tinha bafo de cervejeiro, o hálito de um engradado, denunciava que o proprietário surgiu de uma paixão proibida entre o gambá e a esponja. Para reforçar o tipo, o motorista ainda escutava pagode. Às vezes, não entendia bem o que estava acontecendo, se o cheiro vinha do rádio ou o pagode vinha do ar.

Carro de locadora é também um inferno, impregnado de pinho sol. O desinfetante é absolutamente forte. Os olhos ardem. Impraticável dirigir; é para nadar numa privada. Nem descarto a hipótese de que houve um homicídio no porta-malas e abafam o passado.

Aconselho também a não tomar táxi parado de madrugada. Controlei a ânsia de vômito, o aparelho não refrigerava, emitia gases tóxicos. Sei lá se o condutor estava dormindo e soltou violentos puns. Sem sair do lugar, fui transportado para o banheiro da rodoviária. Na saída, faltou coragem para pagar a corrida com um rolo de papel higiênico.

Carro de cachorreiro é igualmente brabo de engolir: cachorro molhado é um elogio, é cachorro afogado. Os bancos são escorregadios, com pelo e uma umidade invencível de pântano. O cinto de segurança será a menor das coleiras.

Ar de fumante tem atmosfera de presídio, ar de viajante é de tempestade de areia, ar de infiel exala as fragrâncias suspeitas de sachê, ar de místico é de incenso, ar de pintor de paredes é de ferrugem, ar de traído é de pelego, ar de empresário é de lavanderia, ar de velha é de crochê e blush, ar de pedreiro é de desodorante Avanço, ar de terapeuta é de tangerina e banana, ar de médico é de hortelã, ar de mãe recente é de queijo misturado a Shampoo Johnson, ar de advogado é de livraria, ar de suicida é de porão, ar de tarado é de bala de goma.

Como passageiro, não posso trocar os filtros, mas filtrar as caronas.



Crônica publicada no site Vida Breve

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

S_OGRO

Arte de George Grosz


O sogro é um tipo temido, e não tem lógica ser diferente. Seu papel é defender a filha do desamor, e, principalmente, do amor. Quando acolhe muito bem um candidato no primeiro encontro, desconfie do fim próximo da relação. Sugere que sua namorada troca de parceiro toda semana. Deve estar acostumado a receber a sequência de namorados e não perderá tempo comprando briga ou testando personalidades. Afável e carinhoso na aparência porque convicto de que não precisará mais vê-lo. A reação do sogro entrega mais o passado da moça do que hipnose. Expressões simpáticas como “a casa é sua” ou “volte sempre” indicam o contrário. Sogro algum oferece a intimidade de bandeja.

Ele tem mais regras do que CTG. Dissimulado, não expressa diretamente o que sente. Sogro bondoso não existe se a paixão é verdadeira. Somente gostará de você se tem ganas de enforcá-lo. Genro é o filho indesejado, onde não se oculta o desejo de aborto.

Não tive facilidade com a Cínthya. Não sou príncipe, nem o cavalo branco. Doutor Ciro, seu querido pai, foi meu serviço militar, logo eu que não servi.

Ele me tratou tão mal, que suspeitei da chance de casamento. Não era um problema, mas um trauma: homem oito anos mais velho, dois filhos, separado, escritor e de unhas pintadas. O que poderia ser pior para quem alimentava esperança de um partido perfeito? Como explicar que sua Barbie largou o sonho do Ken e se encontrava escondido com Frankenstein?

Ou ele se matava ou me matava. Adotou a segunda opção. Apareci num almoço de sábado e ele me ignorou, sequer pronunciou meu nome. Duas horas de completa invisibilidade. Cínthya se esforçou para me introduzir no seio familiar. Não saiu leite, apenas pedra. Ela arriscava:

– O Fabrício é colorado, tem cadeira no estádio...

E Dr. Ciro pedia para passar a salada, enterrava assuntos com a contundência do garfo.

Depois, em casa, reclamei da humilhação. Generosamente, a namorada reeditou uma revanche. O Natal permitiria a quebra do silêncio. Comprei um uísque 12 anos. Não esperava nenhum pacote, só rezava para não embrulhar novamente o estômago. Mas ele me entregou uma sacolinha. Despejei uma gargalhada infantil, a felicidade existiu até desvendar o conteúdo. Uma camiseta rosa! É evidente que ele insinuava a homoafetividade de meu estilo. Agradeci, e abandonei a fé para curtir o inferno.

Ele não confia em mim apesar dos dois anos de convivência, porém lança sinais de que me suporta. Um dia chegou até a me telefonar, não descarto a hipótese de engano. Outro dia, confessou que pretende ensinar meu filho a assar churrasco – faço de conta que não entendi a provocação.




Publicado no jornal Zero Hora
Interino de Luis Fernando Verissimo, p. 2, 18/10/2010
Porto Alegre (RS), Edição N° 16492

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

NÉCESSAIRE

Arte de Robert Motherwell


Coitada da minha filha. Talvez a mais perigosa manifestação de ciúme seja a do pai diante de sua menina. Porque não é um ciúme óbvio, amoroso, reversível, de casal, que ficamos envergonhados no momento em que sentimos; podemos brigar, quebrar pratos e exorcizar as fraquezas.

É dissimulado, autoritário, inconsciente, orgulhoso e certo de que não é ciúme, mas cuidado. E o outro lado não será a esposa ou a namorada capaz de se defender, e sim uma criança insegura e dependente de suas palavras. Não existirá igualdade no contraponto, honestidade no duelo.

Trata-se de um massacre intelectual com enormes prejuízos para a estima. A criança achará que faz tudo errado, que não tem discernimento, que é prematura e propensa a errar, insuficiente para conduzir a própria vida.

O ciúme paterno é uma violência, feito de chantagens e ordens. Vem disfarçado da imunidade do amor, o que confunde os papéis e piora o entendimento.

Todo agrado de um menino na escola e o pai já vê que a filha será explorada. Toda saída com as amigas e o pai já alucina que será induzida a drogas. E sofrerá com acampamentos, excursões, festas, antevendo tragédias e repassando mandamentos para que ela se proteja.

A dificuldade é que ele não assume sua neurose, transmite a ideia de que a filha não obedece e está facilitando. Põe a culpa nela, por não seguir a loucura das regras. Castiga, tolhe e censura suas atividades e pensamentos. Só permaneceria calmo se ela não saísse do quarto. Ou do ventre da mãe.

Não permite que ela tropece ou se engane, não admite que ela experimente e diga o que gosta. Em vez de orientar, proíbe, com a desculpa de que sabe o que fala e que tem experiência. Ou simplesmente por se considerar acima de suspeita e de que não pode ser questionado.

Isso não é paternidade, é possessividade, doença. É não tolerar que a filha ame o mundo mais do que o sobrenome. Quando pai banca Deus acaba virando o diabo.

Eu percebi o quanto fui sinistro com a Mariana e ainda me envaidecia.

Meu primeiro ataque aconteceu na cozinha, quando Mariana, aos cinco anos, desenhou a família.

Desenhou a mãe, eu, o hamster e... um colega.

- Quem é esse, Mariana?
- É o Pedro...
- Pedro? Da onde?
- Da escola, é lindo, né?
- Ele não é de nossa família!

Ela desabou em choro e soluçava.

- É meu namorado, é meu namorado.

Eu, grosseiramente, peguei a borracha e apaguei a figura. Não falamos mais no assunto até que busquei a filhota na escola e fui limpar sua bolsinha. Estranhei a presença intrusa de uma escova de dente ao lado da escova dela. Havia durex com um nome: Pedro!

Para quê? Briguei com a diretora, gritava avermelhado, enlouquecido, babando. Argumentei de que duas escovas juntos era casamento, de que deveriam fiscalizar melhor os alunos e não misturar os pertences.

Coitado de mim. Minha filha não merecia tanta covardia.



Publicado na minha coluna
"Primeiras Intenções"
Revista Crescer
São Paulo, P. 132, Número 203
Outubro de 2010

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

NOME HERMAFRODITA

Arte de Basquiat


Na escola, odiava quando os guris me chamavam de Fabrícia. Gritava, corria atrás do bando, aquilo me enervava, não tolerava que me colocassem no feminino. Não havia como me controlar. As brincadeiras mais ofensivas são as mais ridículas. Suportava qualquer apelido de filme de terror, como Leatherface, Freddy Krueger ou Jason. Mas Fabrícia me tirava do sério. Vinha o desejo de retirar uma serra elétrica da mochila ou portar um chapéu negro ou uma máscara branca para reaver a fama de horrível. Que fosse um monstro, mas viril. Sem dúvidas de gênero.

Era sortudo, mal sabia. Faço parte de um time definido. Truncada é a vida de quem apresenta nome hermafrodita. Um nome que serve para os dois lados. Não me causam compaixão pessoas como Bucetilde, Etelvina ou Himineu. Trato com o maior respeito. Todo nome que precisa ser soletrado já merecia receber o passaporte com a certidão de nascimento.

A denominação hermafrodita é que me abala. Nada sai conforme esperado, ainda mais longe do contato visual. Estou cantando o sujeito quando busco ser gentil com uma moça, estou ofendendo uma senhora quando procuro ser simples com um homem. É o crime insolúvel da língua portuguesa, enigma que nem o folclorista Câmara Cascudo e o linguista Antonio Houaiss conseguiram resolver juntos. Embarga a convivência, embaralha modos e preposições, destrói amizades na nascente.

O detentor de nome hermafrodita necessitaria ser precedido por Sr., Sra e Srta. Evitaria confusão. Porque os pais não facilitaram o desejo sexual. Numa mensagem eletrônica, me despedi do escritor Alcione com beijos. Pensava na cantora. O missivista rebateu a gracinha com secura: “Obrigado, mas pode se conter um pouco?”.

Atravessei inúmeros vexames ao longo da escrita e da voz. Perguntei a um Odair se ele era o terror das empregadas, levado pela imagem de Odair José, e o timbre afeminado respondeu que não era lésbica.

Troquei mensagens no msn com um Eurípedes. Lembrando o autor grego, brinquei que sua vida com a namorada deveria ser uma tragédia, e a Eurípedes perguntou se sempre era grosso no primeiro contato. Não houve um segundo papo para ser gentil.

Falei para um Merlin, motivado pela lenda do rei Arthur, que considerava seu batismo uma bruxaria, e a Merlin desapareceu como bruma. Assim foi com Alisson, Ariel, Donizete, Rosimar, Zezé...

Não dá para ser engraçadinho ou carinhoso com quem tem nome hermafrodita. Muito menos sério, que a conversa terminará sempre em constrangimento. Só tenho vontade de pedir desculpa.




Publicado no jornal Zero Hora
Interino de Luis Fernando Verissimo, p. 2, 14/10/2010
Porto Alegre (RS), Edição N° 16488

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O COQUE É IRREFUTÁVEL

Arte de Cínthya Verri

A lanchonete é minha caixinha de música. Eu não estava com fome, mas pedi um pastel, uma torrada e uma vitamina. Não estava com fome de verdade, mas seria capaz de morder a boca com duas colherinhas de açúcar. Era cedo da manhã e o dia me engolia em Alegrete (RS).

É que não resistia às garçonetes, ao coque de tricô das garçonetes, ao baile dos ninhos dos cabelos sobrevoando o ambiente como bandejas reluzentes. Quis colocá-las em movimento. Ansiava pelas suas nucas ligeiramente à mostra, que se aproximassem de mim para soprar seus cabelos. Apoiava o rosto entre os cotovelos para admirar a mecha desalinhada na testa; um charme da respiração; os fios desobedientes da touca recaindo sobre as sobrancelhas.

A garçonete é uma bailarina à paisana. O coque igual a uma bailarina em meio à bagunça dos pratos na pia, dos copos enfileirados, da chapa acesa. Ela não absorve o que está fazendo, não dá nome, mesmo sem nome é lindo. Se houvesse um diretor de balé chamaria o vaivém de adágio e derrubaria tudo com nomes franceses como développés, grand fouetté em tournant, grand rond de jambe e rond de jambe en l’air. Para decorar os movimentos, a jovem esqueceria os pedidos, perderia a espontaneidade, não seria ágil e leve justo pela consciência do palco.

Estragamos metade da beleza dizendo o que é e a outra metade dizendo o que não é. Não me resuma. O que é intenso não é prático. Confundo o que vejo com aquilo que desejo. Quem pretende comer numa lanchonete que seja prático, que pague e saia logo. Eu invento a fome para ficar.

Não sou prático, nunca gostei do porquinho Prático, o mais arrogante dos três, que demora a abrir a porta aos irmãos e exige desculpa. Faço a casa provisória de feno e de madeira, assim escuto melhor o vento.

As maiores ofensas são práticas, com o ímpeto de resolver logo e se despedir da conversa. Quando alguém tenta ser prático comigo, vem grosseria, vem falta de tato, vem preguiça impaciente. A praticidade é uma nova forma de ser sincero e falar sem pensar.

As mãos da garçonete se dobram como os pés da bailarina. Não troco minha distração pelo desinteresse. Os dedos esticados com força no balcão anotam meu pedido: um pastel, uma torrada, uma vitamina e o coque. Aplaudo com as pálpebras.





Crônica publicada no site Vida Breve

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

QUANDO NÃO É O DIA DAS CRIANÇAS

Arte de Paul Klee


Os pais raramente acertam os gostos dos filhos. Já recebi aviãozinho que o Rodrigo queria, Rodrigo recebeu carrinho de controle remoto que o Miguel queria, a Carla recebeu patins que todos queriam. Não há justiça na alma, é complicado agradar a uma criança. Minha mãe ansiava para ser trapezista, mas sua mana é que foi levada para assistir ao circo em Guaporé. Meu pai aspirava ser bombeiro, mas seu mano é que colocou o capacete e subiu as escadas do carro vermelho. Minha mulher adorava desfilar, mas seus pais decidiram inscrever somente os guris de casa no curso de modelo em Passo Fundo. Qualquer um guarda uma frustração infantil. Pequena, honesta, simbólica.

Fui um menino sem ambição. Não sonhei com medicina, aviação, engenharia e televisão, não imitava super-heróis, não contava com habilidades para apresentar às visitas como sapatear, cantar, desenhar e escrever. Não alcançava notas altas para me redimir da ausência de dotes. Nem popular, muito menos o CDF da escola; discreto como vira-lata de mercado público. Descobri que era feio no momento em que a mãe avisou que tinha vocação de padre. Descobri que não era inteligente no momento em que o pai me parabenizava pelo esforço.

Tudo aceitava; menos algo. Não abria mão de andar num pônei branco. Pretendia segurar as crinas e desfilar no carrossel vivo ao menos uma vez.

Na praia, aparecia sempre um tio que alugava o cavalinho para passeio. Invejava as crianças que subiam no lombo do animal. Acalentei o segredo nervoso por bandeiras amarelas, vermelhas e pretas. Não entrava no mar para não perder sua chegada. Enquanto meninos e meninas gritavam por picolés e puxa-puxa, eu olhava o horizonte das dunas à sua procura. Não recolhia conchas e mariscos, caçava pegadas de suas patas nas areias.

Cansado de sofrer em silêncio e esperar a adivinhação da família, pedi ao pai para me deixar montar. “Por favor, paga prá mim?”

O problema materno e paterno não é que confundem os nomes dos filhos, e sim que trocam seus desejos. Acho que ele embaralhou os apelos das crias e convidou o Miguel para cavalgar, que não tinha nada a ver com isso. Ainda me orientou a cuidar das coisas.

O caçula vibrava em cima do pônei, o pai puxava as rédeas caminhando na frente e também sorria. Ambos me abanavam, com pose de presidente e vice em carro aberto.

Só perdoei os dois na semana passada, quando meu amigo Mário Corso confessou que foi obrigado a andar numa carroça de cabritos. Não podia consolar sua infância.




Publicado no jornal Zero Hora
Interino de Luis Fernando Verissimo, p. 2, 11/10/2010
Porto Alegre (RS), Edição N° 16485

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

TE ESPERO!

Arte de Jasper Johns


A vizinha de poltrona não cansava de tirar fotografias da janela. Descíamos em Porto Alegre. Nenhuma foto saía, espiava o recado pelo visor: low battery. Mas ela desligava e acendia a máquina, confiando que de repente encontraria energia para uma última imagem. Repetiu a operação dezenas de vezes. Sua persistência incomodava. Queria explicar: Vê essa mensagem? Sossega! A esperança do outro é burrice para a gente.

Admiti, aos poucos, que ela tinha o direito de acreditar, que a esperança não usa bateria, toda esperança é burra. E não renuncio minhas tolices pela inteligência dos céticos. Mantenho as crenças até o fim. Uma delas é ser amado como jamais me amei. Faço de tudo para o relacionamento dar certo, desligo e ligo se preciso.

Sinto-me inteiramente enamorado regressando de viagem. Não resisto aos abraços de aeroporto e rodoviária – são os melhores.

Eu me enxergo importante quando a namorada e os filhos me aguardam no saguão com aquela mirada lânguida, mesclada de sono e carência. Não me dirijo para a porta de saída, logo derrubo as malas para subir nos ombros deles no meio do caminho. Desengonçado de carinho; beijo a nuca dela e levo o brinco junto, cheiro o pescoço das crianças e arranho o rosto. Eles me perdoam porque estou chegando.

Ao retornar de uma viagem, banco o exilado político, parece que são décadas que estou longe de minha terra natal, mesmo que tenha saído ontem.

Viajar somente vale se haverá alguém nos esperando. Quando desembarco, me emociono com o que vejo ao redor, familiares se envolvendo em choros involuntários e risadas estrépitas. É como arquibancada de estádio, vontade de se meter na comemoração dos demais e ajudar a gritar. Quem volta tem uma irmandade selvagem, não será nunca um estranho, torce para um único time: a saudade.

Ainda fico mais tocado se na caminhada ao estacionamento recebo perguntas simples e reconfortantes como “O voo atrasou?”, “Está cansado?”. Seguem também cuidados de acolhimento, que nos acostumam a viver de novo, como “Deixei o carro perto”, “Guardei comida, acho que está com fome”.

Nem sempre foi assim. Na saída da escola, me assustava ao observar a mãe no portão. Não era vergonha, ela vinha em último caso, quando havia notícia ruim. O sangue gelava: ou um parente morreu ou os pais brigaram ou tinha que ir ao médico cumprir um exame. Preferia regressar sozinho, chutando pinhas nas bocas de lobo.

Hoje sei que minha solidão pessimista se transformou em esperança.





Publicado no jornal Zero Hora
Interino de Luis Fernando Verissimo, p. 2, 07/10/2010
Porto Alegre (RS), Edição N° 16481

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O BANDIDO DA CALÇA VERMELHA

Arte de Cínthya Verri


O garçom pode destruir a vida amorosa de um homem. É ignorar nosso dedo que começa o martírio diante da mulher. Na primeira recusa, fazemos uma piadinha sem graça tipo “ele quer que a gente fique mais tempo no restaurante”. Mas a desatenção abala a confiança. Não temos certeza se levantamos a segunda vez, o estoque de piadas é limitado. Alçamos o indicador e ele repete o desdém. Vira para o outro lado no instante exato do gesto. A namorada desliza a uma compaixão perigosa, próxima da decepção. Tento reverter com outro gracejo: “Está vazio mesmo, estamos fazendo número para chamar clientes”. Ela ri somente com as covinhas, enterrando devagar minha reputação. A terceira insistência é a mais complicada. Se errar, não tem volta, é como senha de banco. Daí ergo o punho, grito “ó amigo” e assobio, aperto a cartela de botões do playstation para destruir o inimigo. Ele vem com uma ingenuidade de quem chegou agora no mundo, disfarçando que não me viu antes. Com aqueles olhos pela metade de passarinho nascendo. Meio pálpebra, meio pupila.

Por certo, as professoras me acostumaram mal. O garçom é uma represália adulta ao magistério. Nas aulas, um simples movimento de espreguiçamento ou uma coceira na cabeça e a professora antevia uma pergunta. Fui mimado quando criança.

Talvez a mais sórdida humilhação seja o desprezo de um ônibus. Porque estamos na parada com a convicção de que ele vai parar. Quando passa reto, levamos para o lado pessoal. Há sempre nossa corridinha que aumenta o vexame. Não existe modo de disfarçá-la.

Mas ser desdenhado por um táxi já produz estrago. Não é mais um restaurante, ou uma parada que assiste, é a rua inteira. Deixei a Escola de Design da Unisinos para a Nilo, avenida com maiores possibilidades de embarque. Até que me apareceu um veículo laranja enquanto caminhava. Que sorte. Soltei um berro de boiadeiro. O táxi manteve sua velocidade. Os pedreiros prontificaram a me ajudar e gritaram comigo. Andaimes de vogais: Ei Oi Ei Oi. Um sujeito que mijava numa árvore virou o pescoço em solidariedade. A esperança é que o carro estacionou na esquina — descia uma jovem. Esperneei em sua direção, alterado, balançando a mochila e a bolsa.

Todo magro tem um barítono escondido em si. A antiga passageira avisaria o motorista. Expulsei a ópera:

— Segura para mim! Segura!

A adolescente me observou de relance e tremeu, como se eu fosse um assaltante. Antecipou o perigo da abordagem. Meu desespero não tinha aparência de boa notícia. Poderia ser a minha calça vermelha ou a camiseta com uma puta da Rua Augusta, a questão é que ela tocou no capô com dois toques para que fosse embora, avisando do perigo e atravessou a calçada aos pulos. O segurança do prédio desceu as escadas para me intimidar.

— O que queria com a menina?
— Aquele táxi…

Paguei bandeira dois ao mico.





Crônica publicada no site Vida Breve

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

VOCÊ TEM QUE ME LER

Arte de Monet


É antropológico: mulher odeia ser mandada. São séculos e séculos de opressão. Não dê corda, que já cheira a forca. Vale, inclusive, para a masoquista. Gosta de firmeza, não que alguém diga o que ela deve ou não fazer. Não seja autoritário. O feminismo não é conversa de sapatão.

Que aconselhe, não emplaque uma ordem. Que ofereça um palpite, este é despretensioso como um assobio, é soprar uma melodia e permitir espaço para que ela complete a letra. Finja que está no chuveiro – menor o risco de se afogar. Fale cantado. Quem canta nunca será um ditador.

Posso estar plenamente equivocado, sou tão bonito quanto carro de eletricista, mas mulher aprecia é sentir saudade. Quando o homem desaparece e ela corre para procurá-lo. São coisas do cotidiano. Fui percebendo que a conversa com a minha namorada estragava sempre do mesmo jeito. Havia um método no erro. Uma insistência de minha parte. Uma frase morse que truncava o entendimento. Depois que pronunciava aquilo, nada mais funcionava. Da calmaria, ela migrava para um estado nervoso e impaciente. A transformação de sua atitude me baqueava: O que foi? Será que perdi algo? Retrocedia para caçar uma gafe. Cansei até captar o sinal. O homem ainda tenta melhorar sua imagem com o bombril na antena.

Eu dizia “você tem que” a cada início de diálogo. Impositivo, não agia por mal, era um hábito, buscava convencer com “você tem que”. Parecia que tinha a solução dos problemas do mundo. Persuasão é a sedução para quem não tem paciência. Meu caso; não cuidava da linguagem e depois estranhava o silêncio dela. “Você tem que” é um mandado de segurança. É atestar que ela não desfruta de condições de conduzir a própria vida. Virava um segundo pai, determinando suas atitudes. Fugia da cumplicidade, vinha com os mandamentos e as condicionais de comportamento para que merecesse a mesada.

O homem não botou na cabeça que a fragilidade da mulher não é dependência. Ela não precisa ser protegida, e sim respeitada. Existe uma diferença aguda no tratamento. Depois que ela fica braba não adianta remendar. Emerge um pânico das cavernas, o receio de ser puxada pelos cabelos e pelas palavras. Igual é chamá-la de louca no meio de uma discussão.

Quem não encheu o pulmão para desabafar “você está louca!”, com aquele grito catártico, que serve como elevador para todo o prédio? Eu confesso, mais de uma vez. É novamente afirmar que ela não tem domínio, que nem sabe o que está falando e menosprezar sua opinião. Pode até ser louca, mas não chame de louca, senão ela não vai recuperar o juízo. Na história do pensamento, quantas mulheres foram enviadas para o hospício devido a sua autonomia? Quantas receberam eletrochoque ou sofreram lobotomia em função da independência de estilo? Significa um joanete ancestral, um calo antiguíssimo, não pise.

Joana D’Arc não foi uma bruxa. Assim como vassoura não é para voar, é para varrer qualquer sujeira machista dentro de casa.





Publicado no jornal Zero Hora
Interino de Luis Fernando Verissimo, p. 2, 04/10/2010
Porto Alegre (RS), Edição N° 16478

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

GIRO EM OUTUBRO

Arte de Vicente


3/10 (domingo), Curitiba (PR), 18h30
Bienal do Livro
Encontro Literário
Local: Estação Convention Center
(Av. 7 de Setembro, 2775)

6/10 (quarta), Veranópolis (RS), 10h
18ª Feira do Livro de Veranópolis

Encontro Literário
Praça XV de Novembro

6/10 (quarta), Porto Alegre (RS), 19h
Encontro Literário

Local: Sheraton Hotel
(Rua Olavo Barreto Viana, 18 - Moinhos de Vento)

7/10 (quinta-feira), Santa Vitória do Palmar (RS), 19h
Encontro Literário


8/10 (sexta-feira), Alegrete (RS), 20h
31ª Feira do Livro

Praça Getúlio Vargas

14/10 (quinta-feira), Antônio Prado (RS)
9ª Feira do Livro
Praça Garibaldi

15 e 16/10 (sexta e sábado), Três Cachoeiras (RS), 19h30 e 8h30
Feira do Livro


18/10 (segunda), Porto Alegre (RS), 9h
Semana Acadêmica da Comunicação UFRGS
Palestra sobre o livro www.twitter.com/carpinejar
Local: Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia
(Rua Ramiro Barcelos, 2705 - Campus Saúde - Bairro Santana)

19/10 (terça), Rio de Janeiro (RJ), 16h
Projeto SESC de Escola Residência
Mesa-redonda
Local: Escola SESC de Ensino Médio
(Av. Ayrton Senna, 5677 Jacarepaguá)


21/10 (quinta-feira), Alvorada (RS)
Palestra para alunos

Local: Escola Estadual Senador Salgado Filho
(Rua Alberto Pasqualini, 99)


26/10 (terça), Cachoeirinha (RS), 10h
Projeto Fome de Ler

Local: ULBRA - Unidade São Mateus
(Rua Mário Teixeira de Souza, 511 Bairro Granja Esperança)


26/10 (terça), Osório (RS), 18h
Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Casa Aberta

Local: Auditório da FACOS
(Rua 24 de maio, 141)

27/10 (quarta), Caxias do Sul (RS), 20h
Arte, Cultura e Comunicação

Palestra para alunos e comunidade
Local: UCS Teatro
(Rua Francisco Getúlio Vargas, 1130)