sexta-feira, 30 de novembro de 2012

SADISMO MEMORÁVEL

Arte de Boticelli

Não há maior sadismo do que alguém se aproximar de você e perguntar:
 
— Lembra de mim?
 
Se você era capaz de recordar, com a abordagem tratou de esquecer definitivamente. Todo susto, todo assalto, toda pergunta à queima-roupa nos leva ao esquecimento.
 
É o temido branco. A pessoa que faz isso é muito chata. Muito irritante. Não merece mesmo ser lembrada.
 
Porque ela percebe que você não lembrou e não ajuda.  E espera vê-lo mentir:
 
— Claro que me lembro!
 
Para desferir o golpe de misericórdia:
 
— Então, quem sou eu? Qual meu nome?
 
Não compreendo o que faz um conhecido praticar essa maldade.
 
Além de identificar nosso constrangimento, pretende nos desmascarar. Cria uma Comissão Parlamentar Você Não Lembra de Mim.
 
É natural esquecer com a mudança do contexto. De repente, conhece uma mulher em Curitiba e reencontra em Porto Alegre. A troca de cenários prejudica a fixação dos
dados.
 
Guardar o nome e o rosto exige tempo, dedicação, reincidência.
 
A memória verbal não é privilégio da maioria. Cada um tem seu dom. Há gente com memória fotográfica ou pictórica ou cinematográfica ou cênica. 
 
Esquecer não é falta de intimidade. Falta de intimidade é coagir, envergonhar, embaraçar.
 
Deveríamos sempre nos apresentar toda vez. Seria bonito. Seria educado. Seria galanteador. 
 
Toda conversa seria inédita. Todo encontro teria o deslumbramento e o interesse do primeiro encontro. 

Ouça meu comentário na manhã de terça-feira (30/11) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:
 

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

CASUALIDADES FELIZES

Arte de Eduardo Nasi

Os apaixonados são os únicos que enxergam as casualidades.

Elas não deixam de existir, sempre estão flutuando, voando, pairando entre as aparências, avisando o que temos que fazer e o que podemos fazer.

É como uma rodovia do invisível oferecendo carona. Ou uma frequência de rádio nos informando dos milagres mais próximos. Ou um caixa automático 24h para saques do inconsciente.

Por receio do julgamento, ficamos alheios, indiferentes, céticos.

Mas os acasos não somem, fingimos que somem por conveniência, para dominar nossa vida e transmitir aos outros uma imagem confiável de adulto e responsável.

Só os apaixonados não temem os ruídos e o entremundos. Não desperdiçam as pichações, não procuram estudar exclusivamente o que é encadernado.

Só os apaixonados — estes últimos alunos das coincidências — acreditam em metáforas. Como não sabem o que vai acontecer, esperam tudo. Esperar tudo é o acaso.

Com Alessandra, vivo diariamente a humildade dos sinais.

Estamos tão ligados que não entendo por que nos separaram em dois corpos.

Nossa intuição é conversa. O que ela raciocina, completo. O que desejo, ela completa. O pedido de desculpa vem antes da agressão. A explicação surge antes da pergunta.

É meio maluco conviver nesta hipersensibilidade, mas é muito mais verdadeiro.

Na hora em que Alessandra me entregou uma pedra branca que colheu na ponte Santa Maria Maddalena, na Itália, eu disse um poema de Pascoli: “A água passa, a sombra fica”.

Fui descobrir depois que o verso foi escrito naquela ponte. Eu sequer desfrutava desse dado.

Guardo livros e objetos pessoais numa gaiola, ela incrivelmente repete a excentricidade amorosa e conserva pertences do seu pai também em gaiola vazia.

Quando ela precisa falar comigo, é certo que tocará Tiziano Ferro em minha vizinhança. Funciona melhor do que o SMS. É um ringtone do vento. E, convenhamos, não é comum FM tocar Tiziano.

Somos capazes de, simultaneamente, ler o mesmo texto, comer a mesma comida, escolher o mesmo filme, ainda que distantes, ainda que eu em Porto Alegre e ela em São Paulo.

O apaixonado não tem medo do medo. Para ele, o medo é surpresa.


 




Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

terça-feira, 27 de novembro de 2012

MINHA INFÂNCIA SOLITÁRIA

Arte de Philip Guston

Eu era tão sozinho na infância que se aparecesse um fantasma pra falar comigo não ficaria com medo, mas conversaria com ele. Pediria para que a assombração não se assustasse, que saísse debaixo da cama, que viesse descrever os aborrecimentos e desabafar as circunstâncias da morte.

Puxaria uma cadeira para aliviar seu cansaço de atravessar paredes.

Se viesse arrastando correntes, abriria o cadeado com a chave pequeninha do porão, que funcionava maravilhosamente bem com fechaduras desconhecidas.

Olharíamos as ilustrações de Alice no País das Maravilhas e nadaríamos no lago de lágrimas da personagem.

Emprestaria um dos meus três abrigos escolares, afinal, os mortos costumam se vestir mal.

Iríamos juntos, de mãos dadas, para o colégio.

Dividiria minha Pastelina e meu Nescau.

Mostraria qual o banco de pedra predileto do recreio, com vista privilegiada das rodinhas das meninas bonitas.

Poderia chutar pinha no meio da rua: o bueiro seria o nosso gol.

Assistiríamos ao trânsito do banco de trás do Opala amarelo do pai.

Insistiria para a mãe preparar bolinho de arroz.

Ele me ajudaria a escalar árvores e muros.

Perguntaria se ele gostaria de brincar de gladiador com as tampas do lixo.

Teria alguém para andar de gangorra e fazer peso ao meu corpo.

Teria alguém para evitar o fim de pedra dos passarinhos.

Teria alguém para chorar a separação dos pais.

Teria alguém para me confortar nos exercícios de matemática.

Teria alguém que não me acharia estranho, esquisito, monstro.

Teria já alguém confirmado para minha festa de aniversário.

Eu seguraria o botão do bebedor enquanto ele se curvaria ao esguicho.

Ele me avisaria das pedras irregulares da praça.

Jogaríamos miolo de pão para as pombas.

O fantasma seria meu amigo predileto, meu confidente, meu guia de estimação. Muito melhor do que amigo imaginário – ostenta mais experiência.

Jamais recusaria sua visita.

Só esnoba o invisível quem não é carente. Sempre fui faminto de acontecimentos. Sempre fui ouvinte porque não tinha com quem trocar confidências até os oito anos.

Escutava vento, escutava chuva, escutava até o sol.

Vivi um claustro involuntário. Fui um monge mirim. Meus olhos cresceram pelo excesso de palavras por dizer.

Nunca desperdiçaria a chegada de um fantasma. Salvaria a minha solidão.




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 27/11/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17266

14 LIVROS


Fiquei arrepiado ao ver a lista de itens pessoais do deputado federal paulista Rubens Paiva, preso pelo regime militar em 20 de janeiro de 1971.
 
Quando ele entrou nos porões da ditadura para ser interrogado, entre seus itens pessoais, além de relógio, lenço e cartão de banco, havia 14 livros de diversos autores.
 
Ele tinha a consciência de que iria morrer, mas levou 14 livros para ler.
 
Ele tinha a consciência de que nunca mais poderia olhar a luz do sol, mas levou 14 livros para ler.
 
Ele tinha a consciência de que seria torturado pelos agentes da repressão, mas levou 14 livros para ler.
 
Ele tinha a esperança de ainda ler 14 livros, apesar da sua morte iminente pelo DOI_CODI, apesar do seu desaparecimento certo dali para diante.
 
A esperança nada tem a ver com as circunstâncias. A esperança desafia as circunstâncias. A esperança é o nosso caráter.
 
Ele queria continuar aprendendo. E levou seus livros. Foi simples, foi verdadeiro. Com tempo ou sem tempo. Ele queria ler até o último de seus suspiros. 
 
 
O que Rubens Paiva nos ensina?
 
Mesmo que tenhamos um só dia de vida, podemos amadurecer. Podemos melhorar. Podemos ampliar nosso conhecimento. Podemos nos superar.
 
Mesmo que tenhamos um só dia de existência, podemos plantar uma macieira, podemos amar melhor nossa mulher, podemos cuidar com capricho dos nossos filhos, podemos nos reconciliar com os pais.
 
Um dia é muito.
 
Um dia é nossa vontade de entender o mundo.
 
Um dia é nossa vontade de ser feliz.
 
Um dia são 14 livros.

Ouça meu comentário na manhã de terça-feira (27/11) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:
 

domingo, 25 de novembro de 2012

QUASE PERFEITO — Consultório sentimental de Carpinejar

AMOR DE PESSOA
Arte de Tony Cragg
“Carpinejar, socorro! Conheci uma mulher pela internet, houve muitas conversas, ela estava extremamente empolgada sempre com a situação, assuntos diversos, inclusive intimidades. Finalmente fui conhecê-la pessoalmente, porém a empolgação dela parece que desapareceu, rolaram uns beijos e carinhos de ‘adolescente’, fiquei na casa dela, conheci a família. Em público, nada além de segurar as mãos discretamente. Segundo ela: ‘Sou um amor de pessoa’. Mas ela se afastou e não sabe explicar. Como devo reagir sem ser um chato? Como manter a história sem perder para seus medos? Abraço Xico”

Querido Xico,
 
Quando uma mulher nos chama de amor de pessoa, ela já não tem nenhum interesse.
 
Amor de pessoa é o mesmo que chamá-lo de simpático, é um esforço educado. Não traduz encantamento, atração, enamoramento.
 
Amor de pessoa é criação de tia, tem uma carga assexuada.
 
Amor de pessoa é uma declaração de amizade.
 
Amor de pessoa é dizer que a família lhe adorou, só que não houve química.
 
Amor de pessoa é a afirmação de que não ficarão juntos, apesar dela gostar de sua companhia.
 
Não existe como namorar por antecipação, por dote na linguagem. Impossível acertar um relacionamento antes de se conhecerem.
 
Sei que vocês tiveram uma longa troca de mensagens e de conversas virtuais. Sei que confessaram suas vidas como se fossem feitos um para o outro.
 
Mas escrever é amizade, só se encontrar pode ser amor. Escrever é vontade de ser feliz, não significa felicidade.
 
A palavra não é fiadora da eternidade.
 
Ela criou uma expectativa contigo que não se confirmou. Ficou desapontada com a própria idealização. Ainda tentou experimentar a possibilidade com beijos e carinhos.
 
É muito natural a frustração após demorado e sonhado envolvimento. Não é problema seu, não é fácil mesmo criar uma ligação apaixonada de pele, de rosto, de beijo.
 
As coisas são simples: quem ama não se explica e permanece ao lado, quem não ama também não se explica porém se afasta.
 
A falta de explicação no caso é que ela desejava evitar a grosseria do fim abrupto. Está constrangida das promessas românticas que escreveu e não levou a cabo. Prometeu namoro e não contou com resposta do corpo.
 
Todos afirmam que a aparência não faz diferença, faz sim, escolhemos nosso par por aquilo que ele representa.
 
Ela tem o direito de se desagradar. De voltar atrás. De recuar. De mudar de opinião. Não tem como convencer alguém a gostar da gente.
 
O melhor para nós talvez não seja de nosso agrado.
 
 
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 26
Porto Alegre (RS), 25/11/2012 Edição N° 17264
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

COISAS QUE UMA MULHER JAMAIS FARÁ

Arte de Alphonse Mucha

Jamais uma mulher subirá na balança para conferir o peso com você olhando.
 
Jamais uma mulher dirá que gastou muito no shopping.
 
Jamais uma mulher mostrará a fatura do cartão de crédito.
 
Jamais uma mulher levantará o astral da sogra com elogios.
 
Jamais uma mulher comentará que tem sapatos suficientes.
 
Jamais uma mulher aceitará um elogio sem maquiagem.
 
Jamais uma mulher colocará biquíni sem ter a certeza que emagreceu.
 
Jamais uma mulher vai depilar a virilha com a porta aberta do banheiro.
 
Jamais uma mulher vai comparecer a um compromisso importante sem tomar banho.
 
Jamais uma mulher comprará uma roupa sem provar.
 
Jamais uma mulher trocará o absorvente em sua frente.
 
Jamais uma mulher pedirá para você espremer uma espinha do rosto dela.
 
Jamais uma mulher fará amizade com sua ex imediata.
 
Jamais uma mulher encherá o prato nos primeiros encontros.
 
Jamais uma mulher sairá de uma discussão por baixo.  Ou chora ou bate a porta.
 
Ouça meu comentário na manhã de sexta-feira (23/11) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:
 


quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A MÁQUINA RECEBE JUM NAKAO

O estilista Jum Nakao é puro mangá.
 
O polêmico designer paulista, que já sacudiu a São Paulo Fashion Week com roupas de papel, explica seu sonho de unir artes plásticas e moda.
 
A entrevista recapitula seus vinte e cinco anos de experimentos.
 
A exibição do programa da TV Gazeta aconteceu na noite de terça-feira (20/11).
 

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

HOMEM-FRUTA, HOMEM-LEGUME

Frequentar feirinha de bairro é uma escola de sedução: as mulheres acariciam as frutas de modo libidinoso e preparam as cenas noturnas.

Acompanhe o divertido quadro DRnaTV, exibido na noite de terça-feira (20/11), na TVCOM.
  

SAINDO DO ARMÁRIO

Arte de Eduardo Nasi


— Mãe, tenho que conversar sério.

— O quê?

— Não aguento mais viver assim, meu coração está apertado, cansei de mentir.

— Desembucha, meu filho, estou preocupada.

— A senhora já deve ter me visto com a Raíssa estudando no quarto.

— Sim, o que aconteceu?

— A gente estava revisando Matemática, preparando cálculos da prova e a gente beijou na boca.

— Ai Ai Meu Santo Pintor Caravaggio…

— Mãe, eu não consegui me controlar, sei que é errado, mas ela cheirou meu rosto e eu…

— Chega, por favor, não faço questão de saber. Não mereço tamanha humilhação.

— Mas mãe…

— É errado, é contra a natureza, contra as regras de Deus.

— Mãe, por favor…

— Vou pegar meu remedinho.

— Mãe, não vem pôr remedinho na língua, impossível conversar desse jeito.

— Coitada da menina, você se aproveitou dela?

— Não, não foi, é amor.

— O que você quer dizer com amor?

— Estou tentando dizer que sou heterossexual.

— Um filho heterossexual? Não, você não foi educado em escola de padre para sair heterossexual.

— Mas eu gosto de mulher.

— O que seu pai dirá disso, Aurélio? Tem ideia do que está propondo? É uma crise passageira, coisa de adolescente.

— Eu não fico interessado por meninos na escola, não posso ir contra meu desejo.

— É fase, querido. É só cortar os cabelos, fazer chapinha, que passa.

— Mãeee!

— É vontade de ser especial, logo some. Que tal comprar maquiagem no shopping hoje? Há todo um estojo de esmalte, sombras e delineador da Marilyn Monroe, novidade da Mac, acredita?

— Não está me ouvindo, ajuda!

— Eu compro um armário novo para você se esconder, mais espaçoso, com luzes embutidas e espelho, será seu camarim, que tal?

— Vou enlouquecer.

— Isso também aconteceu com o filho da Bete, durou três meses e ele já se veste de Lady Gaga de novo.

— Me ouve. Preciso de seu apoio, não dá para me entender? Não complica.

— Para de falar bobagem.

— Não é um momento, mãe, é uma decisão antiga. Colocava as cuecas do pai em segredo.

— Roubava as cuecas de seu pai?

— Sim, e a bombacha, e os moletons rasgados, e as alpargatas.

 — Alpargatas? Eu eduquei você para salto 12. Por que nunca me contou?

— Nunca prestava atenção em mim, apenas se preocupava em comprar sapatos e bolsas.

— Filho, você somente tem 16 anos, é jovem para decidir que é heterossexual. Calma, espera um pouco, muita água vai rolar por debaixo da ponte.
 

 




Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

terça-feira, 20 de novembro de 2012

SEGUNDAS INTENÇÕES DA MULHER

Arte de Gerhard Richter

Mulher sempre tem uma segunda intenção ao escolher um presente para o homem. O laço é uma algema secreta. Ela não compra por comprar, é uma consumidora experiente, conhece o shopping como ninguém, escolada no provador de roupa. Não iria oferecer um presente à toa. Não dá ponto sem nó. Todo mimo carrega um significado simbólico, especial, definitivo.
 
Pode reparar: homem é capaz de dispensar a embalagem, a mulher jamais. O embrulho indica o envolvimento emocional, assim como o cartão autentica as flores.
 
Seu consumismo não é fútil, mas espirituoso. Gasta a favor de uma mensagem oculta, de um sentido para a relação a dois.
 
Disposto a ampliar os serviços do Procon, criei o Código Masculino de Defesa do Consumidor:
 
1 ) Quando a mulher compra CD ou livro para você, ela tem vontade de ser sua amiga. Ainda não traduz nenhum movimento de posse.
 
2) Quando a mulher compra um perfume para você, o negócio é sério, mostra que está amando. Pretende aniquilar lembranças da ex e acabar com qualquer cheiro do passado.
 
3) Quando a mulher compra cueca para você, denuncia uma louca ansiedade pelo casamento. Procura superar sua mãe e trocar a dependência materna pela sexual.
 
4) Quando a mulher compra caneca ou uniforme esportivo para você, já o enxerga como pai dos seus filhos, indício forte de que deseja engravidar.
 
5) Quando a mulher compra um porta-retrato para você, é um jeito de avisá-lo de que não vem colocando as fotos dela em seu Facebook.
 
6) Quando a mulher compra uma poltrona para você, é uma dominação psicológica, busca substituir o divã de seu terapeuta (é algo como “pare de falar mal de mim para ele”).
 
7) Quando a mulher compra uma almofada para você, tenta frear sua obesidade mórbida. Hora de abandonar os rodízios de churrasco, galeto e pizza e emagrecer um pouquinho só para não morrer.
 
8) Quando a mulher compra um relógio para você, insinua que necessita de mais tempo ao seu lado. Portanto, largue o futebol com amigos e deixe de voltar tarde.
 
9) Quando a mulher compra joias para você, não é uma mulher, garanto, trata-se de um travesti.
 
10) Quando a mulher compra pijama de bolso para você, tem interesse de amansá-lo, castrá-lo, anular futuras amantes.
 
11) Quando a mulher compra uma toalha para você, chegou ao fim da história. Mulher apenas é direta na separação. Não tem nenhuma ambiguidade, ela jogou a toalha mesmo.
 



Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 20/11/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17259

OBJETO-FANTASMA

 
Arte de Kenneth Noland

Não acredito em gnomos e duendes.
 
Mas tenho certeza que existe um elo perdido, uma terceira dimensão para onde vão alguns objetos.
 
Não existe nenhuma explicação razoável para certo sumiço dentro de casa.
 
Antes pensava que as coisas sumiam para minha mãe me ensinar a rezar a Salve-Rainha, mas já tinha decorado e elas continuavam evaporando.
 
Faço a lista dos utensílios-fantasmas de nossa vida.
 
Meias: as meias jamais voltam da máquina de lavar. A máquina de lavar é uma indústria do divórcio. Os pares entram casados e brigam lá dentro. Perdem-se na espuma, ficam tontos, exageram no OMO, no amaciante, sei lá o que acontece. No fim, nunca teremos as meias iguais. Nunca é o casal original de meias. Chega um ponto em que existem vinte meias viúvas na gaveta. Como? Será que existe um alçapão na máquina? O Triângulo de Bermudas deveria se chamar Triângulo das Meias.
 
Tampas de panelas: como algo de metal e de aço pode não ser encontrado? As panelas sempre estão com uma tampa emprestada de outra panela. A pressa de fazer comida aumenta o pânico. Mexemos debaixo da pia e nem sinal dos conjuntos originais. É um swing muito irritante.
 
Canetas bic: Um mistério. É colocar o nome na caneta ou uma corrente que ela foge. Odeia donos possessivos.
 
Isqueiros: e pior que são caros. Eles servem apenas para uma carteira. Deveria ser vendido dentro do próprio cigarro. Não duram em nossas mãos. São como borboletas, vivem somente 24h.
 
Palhetas: todo músico sabe que uma palheta sozinha não segura nenhum show. Palheta avulsa é ignorada, desprezada como palito de picolé. Ela some, escapa no forro do estojo, da calça, da carteira. Mais fácil adquirir outra do que procurá-la.
 
Tarraxas: elas nem produzem barulho, não são educadas. Caem sem avisar. São de valor ridículo, mas provocam um baita estrago com a fuga dos brincos.
 
Guarda-chuva: cada pessoa no mundo terá uma média de 30 guarda-chuvas até sua morte, dados da Organização das Nações Unidas.

Ouça meu comentário na manhã de terça-feira (20/11) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:
 

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A MÁQUINA ENTREVISTA FELIPE HIRSCH

Ele somente usa preto em homenagem ao seu passado de banda punk. Mas hoje ele dirige óperas.
 
A Máquina entrevista o diretor de teatro e cinema Felipe Hirsch, fundador da Sutil Companhia.
 
Meu programa na TV Gazeta foi exibido na noite de terça-feira (13/11).


domingo, 18 de novembro de 2012

QUASE PERFEITO — Consultório sentimental de Carpinejar

FELICIDADE DO NAMORO É PURA APREENSÃO
Arte de Mark Rotho

“Tenho 26 anos, comecei a namorar recentemente, tudo está acontecendo rápido. Não me sentia insegura no início, pois não admitia nem a mim o que sentia. Mas a partir do momento que eu assumi, que a “sociedade” ficou sabendo do relacionamento, bateu aquele medo de abandono. Acredito que isso é coisa da minha cabeça. Ele é súper atencioso em todos os momentos, mesmo quando não estamos juntos. Mas não compreendo essa insegurança. Um aperto no peito e minhocas na cabeça. Abraços Julieta”

Querida Julieta,

Apaixonar-se é isso: planejar o dia inteiro o que dizer e não falar nenhuma palavra ensaiada durante o encontro; é decorar uma vida sozinha para no fim improvisar a dois.

Previsível o que está passando. Procura investigar se seu par pensa exatamente igual, se sente exatamente igual, se deseja exatamente igual para não parecer tola. Confessa o passado por dias sucessivos (mais do que ofereceu a qualquer pessoa antes), e nunca a conversa é suficiente para se acalmar. Desliga o telefone e já bate a vontade de ligar de novo. Trata-se de um desespero prazeroso, pois tem como partilhar os sintomas com ele.

E acontece tão rápido que não dá para preparar resumo. A felicidade é pura apreensão. Mergulha o corpo em completo desequilíbrio, como se estivesse andando num colchão. Predomina a suspeita de que ele deixará de gostar a qualquer instante, ou que descobrirá quem você realmente é e perderá o encantamento.

O torpedo demora, os reencontros demoram: cada ato insignificante do cotidiano ganha o suspense de uma tragédia.

Quando você assumiu o relacionamento é que se conscientizou dessa fragilidade. Entendeu que ele pode machucá-la e desapontá-la. Antes restava a chance de desaparecer e não dar satisfação. Hoje todo mundo foi informado do envolvimento.

Formalizar o namoro é trocar um medo pelo outro. Antes tinha o medo de que ele não estivesse apaixonado, agora tem o medo de ser abandonada.

Não existe remédio. A insegurança é eterna. Quem tem certeza não ama mais.

Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 21
Porto Alegre (RS), 18/11/2012 Edição N° 17257
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.

sábado, 17 de novembro de 2012

PIORES TATUAGENS


O símbolo do infinito é um beco sem saida.

Golfinho nas costas é mergulhar na lama.

Carpe Diem é câncer de pele.

Meditação sobre tatuagens cafonas em meu comentário na Rádio Gaúcha na manhã de sábado (17/11), no programa Gaúcha Hoje, apresentado por Daniel Scola e Georgia Santos:



sexta-feira, 16 de novembro de 2012

SENHORA MINHA MÃE


Foto de Leonardo Brasiliense

Ouvi meu amigo Manoel Soares conversando com sua mãe.

— Sim, Senhora
— Não, Senhora

Aquilo me arrepiou. Não me emociono quando um filho chama sua mãe de mãezinha, mainha, mamãe.

Eu me comovo quando um filho chama sua mãe de Senhora.

Não importa que ele esteja apressado, paciente, psicótico, nervoso, aflito, carente: chamará de Senhora em qualquer hora.

Dirigir a palavra para mãe como Senhora pode sugerir distanciamento, formalidade, solenidade. Pode indicar uma relação de frieza e ausência de diálogo.  Por que não o nome? Um apelido? Ou simplesmente mãe?

Não vejo assim. É mais do que respeito: é reverência. É mais do que intimidade: é cuidado.

Senhora é um “com licença” e “eu te amo” misturados. É segurar o braço para atravessar a rua e as palavras.

Senhora é uma demonstração de afeto, uma homenagem às lições do passado, prova que fomos bem educados.

Quem usa nunca levantará a voz para a mãe. Nunca vai desrespeitar os mais velhos.

Só filhos muito chegados e próximos chamam a mãe de Senhora.

Preservam a influência maternal dentro de casa. Obedecem à sua opinião. Confiam nos seus conselhos.

Mãe que é senhora nunca termina abandonada num asilo. 

Mãe que é senhora pede para falar e a família escuta com silêncio.

Senhora é dizer para a mãe que ela é muito importante. Que ela é insubstituível. Que ela nunca será dispensada.

Obrigado, senhora minha mãe.

Ouça meu comentário na manhã de sexta-feira (16/11) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:
 

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

NIRVANA

Qual é o caminho para atingir o Nirvana?

O que fazer para acelerar o amor?

Percorri a Rua da Praia em Porto Alegre (RS) explorando novas receitas. Veja o resultado em meu programa DRnaTV, exibido na noite de terça-feira (13/11) na TVCOM.

A mediação é de Sara Bodowsky e a produção de Fernando Muniz.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

SUMITA E APARECIDA

Arte de Eduardo Nasi

Há duas cidades em que não me sinto estranho: Londres e Tóquio.
 
São os únicos lugares onde minhas roupas não chamam atenção, não despertam curiosidade. Passo incólume pela multidão, sou até recalcado.
 
Desapareço no anonimato das aves migratórias e não fujo de olhar quem me olha. Minhas calças brilhantes não diferem do sol na grama. Minhas botas de cano alto são gatos dormindo. Meus óculos mosca acompanham os semáforos. Não causo a mínima comoção. Faço parte da natureza urbana.  Existem tipos bem mais extravagantes que me normalizam. Gente com chapéu de mágico às duas da tarde; gente com terno e coldre de faroeste; gente que é quiosque de chaveiro tamanha a coleção de piercings na testa.
 
Se sou perdoado pela aparência nestas capitais do mundo, já meu temperamento é condenado ao vexame. Por dentro, continuo um alienígena.
 
Fui homenageado pela embaixada de Tóquio. Protagonizei três recitais e um debate sobre a poesia gauchesca e o orientalismo das bravatas de Jayme Caetano Braun.
 
Nos encontros silenciosos, o público usava os ombros e o peito para cumprimentar. Eu, pelo contrário, acenava, batia nas costas, apertava os dedos com ênfase, gritava, rugia.
 
Minha educação de gringo soava como assédio.
 
Quem sofreu com a minha companhia foi o adido Sumita, que não conseguia criar uma rotina para meu comportamento imprevisível. Ele testava reações e fracassava no controle delas. Ele me ensinava hábitos e eu repetia esquecimentos.
 
Terminei ligado à sua personalidade paciente, que não se intimidava com o desafio. Aguentou as perigosas viagens ao karaokê ou os pedidos para procurar perucas.
 
No último dia, pretendi retribuir sua escolta religiosa com uma brincadeira.
 
Toquei o cálice com a colher entre dezenas de convidados do meio intelectual.
 
— Quero fazer um brinde.
 
Sumita temeu.
 
— Gostaria de apresentar a Sumita uma amiga minha do Brasil, Aparecida, acho que deveriam se casar.
 
E ri muito.
 
Ninguém entendeu a piada. Mas há piadas que só servem mesmo para gente. Nem precisamos de audiência.
 
 


 




Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

terça-feira, 13 de novembro de 2012

FAZIA TEMPO

Arte de Giotto

Fazia tempo que não deixava a comida esfriar no prato pelo interesse na conversa.

Fazia tempo que não abria o zíper de um vestido com todo o cuidado para não machucar a pele.

Fazia tempo que não tinha tanta ansiedade de meu passado.

Fazia tempo que não via alguém amarrar meu cadarço.

Fazia tempo que não andava de ônibus dividindo o headphone.

Fazia tempo que não esperava passar a chuva.

Fazia tempo que não procurava fotografias de minha infância.

Fazia tempo que não reparava em casais mais velhos comendo em silêncio.

Fazia tempo que não sofria de compaixão dos bancos de praça.

Fazia tempo que não observava o musgo nos fios telefônicos, ouvia o barulho de lâmpadas falhando das cigarras.

Fazia tempo que não agradecia com desculpa e me desculpava com obrigado.

Fazia tempo que não me acordava louco para dormir um pouco mais.

Fazia tempo que o cheiro da pele não se parecia tanto com o cheiro dos travesseiros.

Fazia tempo que não me exibia aos meus amigos.

Fazia tempo que não me curvava aos cachorros de minha rua.

Fazia tempo que o cansaço não me atrapalhava.

Fazia tempo que não decorava os hábitos de outra pessoa a ponto de antecipá-la em pensamento.

Fazia tempo que não me importava em conferir a previsão do tempo e o horóscopo.

Fazia tempo que não me preocupava com o que havia na geladeira.

Fazia tempo que não ria sozinho, sem controlar a altura da voz.

Fazia tempo que não enganchava minhas roupas num brinco.

Fazia tempo que não tinha saudade do que nem iria acontecer.

Fazia tempo que não respondia com perguntas, como se estivesse estudando para o vestibular.

Fazia tempo que não temia o intervalo dos telefonemas.

Fazia tempo que não massageava os pés no colo – os pés femininos são mãos distraídas.

Fazia tempo que não escrevia bilhetes para despertar surpresas pela casa.

Fazia tempo que não curava a ressaca com sexo.

Fazia tempo que não estendia no varal a calcinha molhada no box do banheiro.

Fazia tempo que não dobrava a camiseta com suspiro, ou dobrava o suspiro com a camiseta.

Fazia tempo que não me demorava no espelho, encolhendo a barriga, ensaiando cumprimentos.

Fazia tempo que não mergulhava em silêncio para não desperdiçar nenhuma frase dita.

Fazia tempo que não beijava esquecendo aonde ia e quem poderia estar olhando.

Fazia tempo que não me apaixonava assim.
  



Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 13/11/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17252

O CHATO É UM DEBATE ELEITORAL (DEPOIS DA ELEIÇÃO)

Arte de Giulio Romano

Não tem como se livrar do chato. O chato não pede nossa opinião, mas impõe a sua.
 
O chato realiza a pergunta, a réplica e a tréplica tudo sozinho. 
 
O chato é um carrapato. Um spam. Se demora a retornar ao chato, você está esnobando. Se retorna, não é suficiente.
 
Não adianta dizer `não` que ele entende como `talvez`. Não adianta dizer `nunca` que ele entende como `por enquanto`.
 
Ele acha que nos vai salvar, nos converter, que não sabemos o que estamos perdendo.
 
Ouça meu comentário na manhã de terça-feira (13/11) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:
 

domingo, 11 de novembro de 2012

SIEDSCHLAG


Você ouve com as pálpebras.
As pálpebras são as unhas dos seus olhos,
pintadas de azul, laranja, preto.

Marcamos de nos ver no alto
do Teatro Municipal,
a meio caminho
entre a comédia
e a ópera.

Seu rosto tremia suavemente
com o ritmo do Viaduto do Chá.
A pressão sanguínea dos passos
na pele, a vibração envenenando.

Os passantes reverberavam
em seu corpo sestroso,
em seus seios fartos,
em suas ancas deliciosas.

A cidade ondulava no vestido.
Você segurava na barra da grade
e oferecia o pescoço
à mordida do vento.

Belvedere:
como se houvesse um mar,
como se houvesse uma serra.

Escorada no parapeito,
seus olhos fecharam
como um longo beijo
na boca do precipício

de São Paulo.

Assim que eu lhe vi
pela primeira vez,
fez cena de ciúme
com as pedras.

Todo viaduto é um amante
apressando o abraço.

Poema publicado no caderno Metrópole
Contracapa, C8, homenagem aos 120 anos do Viaduto do Chá

O Estado de São Paulo
São Paulo (SP), 11/11/12

QUASE PERFEITO — Consultório sentimental de Carpinejar

MALABARISTA DE MOTÉIS
 
Arte de Picasso

“Tenho 30 anos, sou casado há seis com a mãe de dois garotinhos; namoro há três com uma mulher linda e, no momento, estou altamente balançado por uma advogada grávida de gêmeos. Estou sem saber o que faço. Meu casamento, meu namoro e o novo lance. Às vezes penso em internação. Algo do tipo: viciado em mulher para tratamento por 90 dias. Também penso que este sou eu e ponto final. Abraço forte! Roberto”

Querido Roberto,
 
Não se interessa em se aprofundar num relacionamento, mas conciliar vidas diferentes e mostrar que é capaz de cuidar de um harém como ninguém. Quanto maior a dificuldade e desencontro de horários, mais poderoso e viril você se sente. Um malabarista de motéis. Um executivo da intimidade.
 
O jeito que conta sua história não é triste, como se fosse um problema ou uma tragédia a resolver. Por baixo dos panos, elogia a própria versatilidade, o método de organização, a disciplina dos segredos, o aproveitamento do tempo.
 
Descreve sua rotina de três mulheres com descarado orgulho, com a naturalidade de um sultão. Não está pedindo um conselho, mas se vangloriando do excesso de opções, notou?
 
É óbvio que está completamente equivocado, e nem um pouco ressentido e disposto a alterar sua natureza compulsiva.
 
Recomenda sua internação de brincadeira, adotando o status de viciado em sexo. Algo como “me interna, não tenho conserto, sou mulherengo”. Está desligado do que as namoradas vêm pensando ou sofrendo. Não tem empatia com o dilema, crise de consciência, censura moral.
 
Vive na superfície, absolutamente desinteressado das notícias do fundo e de suas reais intenções. É uma superioridade que esconde fraquezas e medos.
 
A onipotência é um traveco. Você apresenta um lado feminino excessivamente acentuado que tenta abafar com um excesso de macheza. A caricatura disfarça a delicadeza dos traços.
 
Eu queria ver se fosse contigo. Se fosse traído pela sua esposa e cuidasse dos dois filhos enquanto ela se divertia com o outro, ou se fosse o pai dos gêmeos da amante que procura diversão com um terceiro.
 
Este é você, vírgula.
 
 
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 11/11/2012 Edição N° 17250
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

ATÉ ONDE VAI ESSE GURI?

JAIME VAZ BRASIL
Escritor e psiquiatra

Carpinejar vem colecionando prêmios: Jabuti (Câmara Brasileira do Livro), APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte), Erico Verissimo (Câmara Municipal de Vereadores de Porto Alegre), Olavo Bilac (Academia Brasileira de Letras), Cecília Meireles (União Brasileira de Escritores) e o Açorianos de Literatura em três edições (Secretaria de Cultura de Porto Alegre). Isso falando só nos mais importantes. São 20 livros editados: oito de poesia, cinco de crônicas e sete infantojuvenis.

Além de poeta e cronista, é jornalista e professor. E apresentador da TV Gazeta. E comentarista da Rádio Gaúcha. Colunista da Zero Hora. E blogueiro. E twitteiro. E saltimbanco, acrobata, demiurgo, hermeneuta, aforista, menestrel, performático, estiloso e outros desaforos mais. Não bastasse isso tudo, é uma das 27 personalidades mais influentes na internet, escolhido pela revista Época: são mais de 2 milhões de visitas ao blog e mais de 150 mil seguidores no Twitter. São índices que raramente a literatura produz. E vale a lembrança que suas aparições na mídia são posteriores ao sucesso literário. Ou seja, a obra escrita o precedeu como figura pública.

Sucesso entre leitores e crítica (feliz conjunção), o autor está publicando Ai Meu Deus, Ai Meu Jesus. Segundo o próprio livro, são crônicas de amor e sexo. Mas isso diz muito pouco da obra, porque não é possível caracterizá-la apenas assim: o livro é quase um manual de instruções para a vida a dois. Se viesse com roupagem de autoajuda (no melhor sentido), igualmente funcionaria muito bem. Escrito de cabo a rabo com humor e contundência, pertence à aquela espécie de livro que, depois de pegá-lo, fica imantado nas mãos. É impressionante a capacidade que o autor demonstra ao fotografar cenas comuns e cotidianas da vida amorosa. Ao escrevê-las, faz com aquela aguda leveza que provoca um riso lá pelos dentros do leitor, que se reconhece no efeito de “É isso! É isso mesmo!”. O cronista deve ao poeta esse talento de plantar espantos. E é essa facilidade em transitar nos dois gêneros com o mesmo talento que faz dele um mestre no comportamento humano, um hábil tradutor do mundo psíquico. Tudo indica que ele seria um ótimo terapeuta de casal, como os leitores irão perceber.

Não foi por acaso que o nosso Carpinejar conquistou o Brasil. Ai meu Deus: até onde vai esse guri?

SESSÃO DE AUTÓGRAFOS NA SEXTA (9/11)
AI MEU DEUS, AI MEU JESUS
(Bertrand Brasil, 256 páginas)
Pavilhão Central, 19h
Feira do Livro de Porto Alegre
Praça da


Publicado no jornal Zero Hora
Caderno da Feira, P. 3
Porto Alegre (RS), 9/11/2012
Edição N° 17248

HIDROMASSAGEM VAZIA

 
Arte de Leonardo da Vinci
 
Não gosto de mulheres magras demais.
 
Mulheres esqueléticas. Mulheres excessivamente pontudas. Mulheres que transformaram a delicada saboneteira em banheira de hidromassagem.
 
Mulheres-osso, obcecadas no controle das calorias. Mulheres que não podem fazer nada, que esqueceram o que é espontaneidade ou vexame.
 
Mulheres que só desejam aparecer bem na foto, que fogem de relacionamentos para não se explicar.
 
Mulheres magras demais não são felizes. Não sabem rir de si.
 
Estarão com fome. Estarão com mau hálito. Estarão irritadas porque não podem descontar a raiva no chocolate.
 
Mulheres magras demais pensam naquilo que não estão comendo. 
 
Elas não sentem prazer em almoçar ou jantar. Nem em tomar café da manhã. O que é viver sem essas três refeições?
 
Mulheres magras demais deixam de conviver para não chamar atenção ao prato vazio.
 
Mulheres magras demais não sentem tesão, o sexo deixou de ter importância.
 
É preciso gostar de lasanha para gostar de sexo, gostar de pizza para gostar de sexo.
 
Sexo começa na mesa.
 
Não gosto de mulheres magras demais.
 
Mulheres magras demais têm complexo de cinderela. Não querem crescer. Não querem abandonar o corpo de menina.
 
Não gosto de mulheres magras demais. Que não tenham uma gordurinha para queimar. Não tenham uma celulite para reclamar. Uma estria para lhe garantir humildade.
 
Não gosto de mulheres que não quebram a dieta para comemorar o regime.

Ouça meu comentário na manhã de sexta-feira (9/11) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:
 


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

RELINCHOS E LATIDOS

Qual a atitude que torna o homem fresco? Qual é a fronteira entre o metrossexual e o afeminado?

Respostas em meu quadro DRnaTV, no programa Tudo+, da TVCOM.

Arrepiamos os pelos do Guaíba.

A reportagem foi exibida na noite de terça-feira (6/11), com mediação de Sara Bodowsky.

A PRIMEIRA NOITE DE QUEM AMA

Arte de Eduardo Nasi

Na primeira noite, o casal que se vê amando não dormirá de conchinha. A nudez não entregará o sono. Os pés não se cumprimentarão ao final.  As janelas não avisarão das horas. Os cabelos não irão boiar nos travesseiros até o amanhecer.

A primeira noite de amor, quando os dois percebem que podem realmente se querer, termina de repente.

Alguém terá que ir embora. Terá que cortar as frases inteiriças. Terá que oferecer uma desculpa furada. Terá que alegar que é tarde e que precisa trabalhar cedo. Terá que chamar o táxi de pé com uma objetividade perturbadora.

Quem se despede será grosseiro. Não esconderá o desconforto. A resposta física é que tudo deu errado, que o prazer não vingou na pele.

O que ficará sozinho na cama acreditará que o outro que se prontificou a se despedir no meio da madrugada se arrependeu do enlace e jamais manterá contato.

Mas o apaixonado e o indiferente são parecidos na primeira noite. O apaixonado se manda porque não suportou tanta beleza, encontrou-se atordoado, dependente, comovido, incerto, vacilante, receoso do seu futuro.

Não se preparou para viajar tão longe em seu desejo, estava vestido para atravessar apenas o tempo de uma noite. Não arrumou as malas de sua memória, partiu desprotegido com a roupa do trabalho.

Quando nos descobrimos amando, a primeira noite é terrível. Se você estava bêbado, logo recupera a lucidez — o amor é a mais cruel sobriedade.

Há uma instabilidade de escuta, uma confusão de conversa, um caos sinfônico. É como recuar um passo após um salto. Perde-se por completo o domínio do próprio gosto, vem a culpa de necessitar ainda mais do desconhecido e a curiosidade de adivinhar o que o sexo esconde em sua violência.

O homem de sua vida ou a mulher de sua vida não vai se apaziguar ao seu corpo e acordar junto na primeira noite. Isso é para os seguros de si, os confortáveis em seus sentimentos, os canalhas, os cafajestes, os sedutores.

Já aquele que pressente um amor de verdade, uma fé de verdade dentro do amor de verdade, abusará das mentiras para escapar do destino. Fugirá derrubando os olhos pelo corredor. Formará um amontoado de frases sem sentido, criará um depoimento qualquer para não alimentar esperanças, jurará com a mão errada sobre a Bíblia.

A primeira noite é própria da transformação covarde, é lua cheia ao lobisomem, é manhã radiosa ao vampiro.

O ímpeto é sair do quarto rapidamente, largar a cena prontamente, abandonar o casaco, a carteira, o que for, mas correr desse inferno que é se apaixonar e esperar uma notícia a cada meia hora. Afastar-se loucamente do cheiro poderoso do pescoço e da boca, da química prodigiosa que nos excita e nos corrompe de delicadeza.

Quem ama não ama na primeira noite. Assusta-se de amor.
 






Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

terça-feira, 6 de novembro de 2012

O QUE SEPAROU A FAMÍLIA BRASILEIRA

Arte de Tom Wesselmann

Eu sei o que desuniu a família brasileira.
 
O momento em que ela abandonou o tradicional almoço em casa e procurou a rapidez do restaurante a quilo.
 
Quando ela se desinteressou por completo da residência. Quando trocou a diarista pela faxineira duas vezes por semana.
 
Quando começou a comprar comida congelada e economizar com os talheres. Quando abdicou do pãozinho da padaria do final da tarde.
 
Quando as saídas ao supermercado tornaram-se frequentes. Quando o intervalo do trabalho diminuiu consideravelmente.
 
Quando a vassoura sumiu de trás da porta. Quando o avental desapareceu do seu gancho.
 
Quando ter uma horta passou a ser irrelevante. Quando o pai não mais visitou sua oficina de marcenaria na garagem.
 
Quando a tabuleta de bem-vindo acabou dispensada. Quando o capacho se divorciou da porta.
 
Quando a mãe adiou o jardim. Quando a vista de fora superou o carinho da decoração.
 
Eu sei eu sei eu sei o instante exato da transformação. Foi na hora em que a gente parou de vestir o botijão de gás.
 
Aquele ato mudou a mentalidade da classe média.
 
Cuidar do botijão significava zelar pelos detalhes, pela aparência e ordem doméstica. Mostrava uma preocupação com o olhar das visitas. Um carinho com os coadjuvantes da rotina. Um capricho com as gavetas e despensas e forros e fundos e cantos e quinas.
 
Não se podia deixar o gás daquele jeito sujo e engraxado no coração de azulejos da cozinha.  Correspondia a um ultraje, a falta de educação, a ausência de asseio.
 
Ele precisava estar agasalhado. Todos os objetos do mundo mereciam uma capa: os cadernos de aula, o filtro de barro, o liquidificador, os ternos no armário, os carros na garagem.
 
Os objetos tinham que durar: geladeira era para a vida inteira, o fogão era para a vida inteira, máquina de lavar era para a vida inteira. Não se pensava em trocar, não se guardava o certificado de garantia, absolutamente dispensável.
 
Minha mãe não largava os pedais da Singer nos finais da tarde, elaborava tampas coloridas para as compotas de doces ou revestimentos para penduricalhos.
 
É óbvio que costurava, mensalmente, uma saia de renda para o gás, aproveitando sobras dos tecidos da cortina.
 
Eu achava que o botijão fosse uma irmã.
 
Meu irmão caçula já considerava um menino e chamava sua roupa de poncho.
 
– Mas é floreado! – eu dizia. – Não existe poncho floreado.
 
Vestir o botijão revelava o quanto nos importávamos com o desnecessário.
 
O quanto tínhamos tempo livre para amar.
 
Tempo livre para amar a família.
 
Tempo livre.
 



Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 06/11/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17245