sábado, 30 de junho de 2012

DEIXE EM BRANCO O LIVRO DO BEBÊ


Não posso mandar na memória dos filhos, por mais que deseje induzi-los a adotar minhas lembranças inesquecíveis.

As crianças devem escolher suas datas importantes e costumam ser bem diferentes daquilo que os pais imaginavam.

Ouça meu comentário na manhã de sábado (30/6) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Fernando Zanuzo e Georgia Santos:


sexta-feira, 29 de junho de 2012

MÁQUINA RECEBE FERNANDA TAKAI

Meu filho só prestou atenção na canção de Roberto Carlos, "Debaixo dos caracóis dos seus cabelos", depois de ouvir a interpretação de Fernanda Takai. A vocalista do Pato Fu tem o carisma da simplicidade.

De personalidade límpida e meiga, ocupou a temida cadeira vermelha do meu programa A Máquina, da TV Gazeta.

Defendeu a tristeza como uma forma de renovar a audição. Pois escutamos melhor depois de sofrer.

Veja como foi sua participação exibida na terça (26/6).

 

CANTEIRO FLORIDO DE OBRAS

Arte de Escher

Para evitar a separação, arrume uma reforma em sua casa. Um puxadinho. Uma ampliação. Transforme o quartinho em escritório. Derrube uma parede. Faça uma cozinha americana, suíça, holandesa.

Não é brincadeira, a reforma é uma segunda lua-de-mel. Só que agora a viagem é pela própria residência.

Todo casal prestes a pedir divórcio deveria inventar uma reforma. Abandonaria a raiva. Passaria a transferir o ódio para outro lugar.

Teria um inimigo em comum: os pedreiros, os prazos, o preço do cimento.

Começaria a se unir novamente, a se amar, a se proteger.

"Você é meu amorzinho, você é meu amorzão, você é o tijolinho que faltava na minha construção..."

Cante comigo em meu comentário na manhã de sexta (29/6) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, com Antonio Carlos Macedo e Fernando Zanuzo:

quinta-feira, 28 de junho de 2012

ESQUEÇO PARA REPETIR

DRnaTV é um quadro semanal, meu e de Cínthya Verri, que atende incertezas sentimentais dos telespectadores.

O consultório amoroso é uma realização do programa Tudo+, da TVCOM, toda terça-feira, 21h. De modo excepcional, o encontro ocorreu na quarta (27/6).

"O ciúme é uma agência de notícias: sempre traz uma suspeita nova".

terça-feira, 26 de junho de 2012

ISSO NUNCA ACONTECEU ANTES

Arte de Andy Warhol

Nunca convide seu chefe para jantar em sua casa.

Não precisa ser amigo dele. Continuará recebendo ordens. Ser amigo do chefe não ajuda promoção, somente atrapalha.

Nunca convide seu chefe para jantar em sua casa.

É mais do que um conselho, é uma advertência.  Não há como ser espontâneo buscando agradar.

O elogio desanda em bajulação. O risinho amarelo acaba em gargalhada histérica.

Não funciona. Está escrito na Bíblia:

- Nunca convide seu chefe para jantar em sua casa.

Entenda os motivos em meu comentário da manhã de terça (26/6) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Fernando Zanuzo:

COMO CHAMAR ATENÇÃO DAS MULHERES

Arte de Manet

Homem gosta de se apresentar, mulher gosta de ser definida.

E não precisa acertar a resposta, ela ama a coragem do palpite. A ousadia da múltipla escolha. A firmeza investigativa.

Não é complicado descobrir quando ela fisgou o anzol da gravata.

Mulher quando está interessada em você diz:

– Mesmo?
(Uma resposta interrogativa, que pretende estender o diálogo.)

Mulher quando não está interessada em você diz:

– É...
(Uma resposta reticente, tediosa, de quem virou o rosto.)

Diferenças sutis, mas determinantes.

Um modo de provocar a atenção feminina é bancar o terapeuta. Como ela não pode ter envolvimento com o próprio psicanalista, devido à quebra de sigilo profissional, já aproveita para se encaixar numa fantasia preexistente.

Mulher adora ser definida. De verdade. É uma arapuca a que a maioria sucumbe.

Chegue perto e diga:

– Eu acho que você é...

Conceitue com vontade, como se fosse um dicionário do comportamento moderno, uma enciclopédia farroupilha, um Larousse chimango.

Crie um verbete para a ocasião:

– Você é ansiosa
– Você é romântica.
– Você é nostálgica.
– Você é delicada.

Qualquer coisa. Ela vai mudar o olhar, acordar os cílios e dedicar-lhe concentração somente reservada ao damasco e ao morango.

Mulher é alucinada por macho que chuta a resposta, que tem observações confiantes, que não é neutro e imparcial.

Mulher odeia os mornos, os frouxos, os requentados, o chato que diz “não posso generalizar”.

Tanto pode como deve generalizar. É assumir a responsabilidade pelas palavras, pelo destino, pelo abraço, pelo beijo, pelo filho, por tudo o que virá depois do contato inicial.

Mulher se derrete quando é o centro da atenção, do papo, do mundo. Quer que falem dela, por bem ou por mal.

Quando o macho se lança a explicá-la, ela replica com malicioso suspense.

– Por quê?

Daí terá a primeira conversa reservada, tête-à-tête, olho no olho.

Porém, se deseja assumir um papel inesquecível, sublime, eterno, realize pressentimentos.

A profecia é ainda superior ao ato de definir. É uma cantada arrebatadora, sem defesa.

Chegue perto e diga:

– Eu acho que você será...

Abrir o futuro para a mulher é um ato heroico, um feito romântico. Não é à toa que ela procura permanentemente dicas de horóscopo, previsão de tempo, tarô, búzios.

Homem gosta de se mostrar, mulher gosta de ser adivinhada.




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 26/06/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17112

domingo, 24 de junho de 2012

QUANDO A FAMÍLIA NÃO GOSTA DO SEU NAMORADO

Arte de Cínthya Verri

"Tenho 27 anos, o Ivan, 30. Temos pontos de vista divergentes sobre a vida. Sou racional, ele espiritualizado. Minha mãe não aprova o namoro. Vocês acham que um relacionamento com problemas familiares pode dar certo? Obrigada.
Um abraço, Luciana”

Querida Luciana!

Oposição de pais fortalece o namoro (já de filhos de outros casamentos enfraquece). Esta é a lei.

Deve aproveitar a vantagem. Se sua mãe o admirasse, teria a sensação de não ser sua escolha. Agora tem certeza: não foi influenciada, pressionada, chantageada a se envolver. Ivan é resultado unicamente de seu gosto, por mais que seja diferente.

A adoração do genro apenas atrapalha os casais, cria dependência, embaralha papeis de namorado e de irmão, não faz bem à fantasia. Quando a mãe e o pai conversam com seu namorado com a naturalidade de um filho, o romance naufraga – transmite sensação de incesto. Só falta ele receber mesada.

A resistência maternal ajuda o amor. Quando ela reclama, é obrigada a defendê-lo e assim encontrar pontos positivos. A mãe estimula sua memória amorosa, incita a reavivar cenas prediletas e legendar momentos especiais.

Imagina se ela elogiasse o rapaz: você não suportaria o ciúme e falaria mal dele. Nem mais estariam juntos.

Divergências, são sadias. Tenho receio de quem vive concordando, prova de que não escuta até o fim.

Não confie nas aparências. Paz pode ser ausência de vontade, harmonia pode ser surdez. Quem discute confia que o par merece conhecer suas ideias, partilha do desejo de se apresentar e ser compreendido.

Você e Ivan não têm preguiça de se expressar, entrar em detalhes e varar a madrugada em tribunas acaloradas. É uma virtude, não um defeito. Contrariar gera trabalho, suscita paciência e delicadeza. É magoar e logo fazer as pazes, é combater e logo pedir desculpa. Considero o debate a maior prova de admiração.

Ser apaixonado por si é a receita para amar o outro. É constrangedor não dizer o que se acredita por preguiça ou cansaço. Omissão nunca será silêncio.

Abraço com toda ternura,
Fabrício Carpinejar

Querida Luciana,

Posso responder sua pergunta com um argumento direto no queixo: é insuportável sermos tão diferentes uns dos outros. É o verso de um poema de meu amigo Paulo Sérgio Rosa Guedes. Seria óbvio caso pudéssemos enxergar a multiplicidade tanto quanto ela acontece – ou seja, o tempo todo.

O mais bonito é a diferenciação, a capacidade de nos personalizarmos. Como é atraente quem sabe desenvolver a própria personalidade! Ao mesmo tempo, é o mais difícil na hora de viver junto. Pouco sabemos conviver sem comparar. Queremos medir, decidir quem é melhor, superior.

Sábio Shakespeare quando escreveu seu Romeu e Julieta. Todo relacionamento amoroso acontece, no fundo, entre um Capuleto e um Montequio. Nossa família com certeza é melhor que a do outro. Você diz que as diferenças estão na criação dos dois, que sua mãe não concorda com o modo como ele se expressa e você... Bem, você faz de conta que não discorda, mas insinua que ele poderia falar seus pontos de vista de um jeito assim, mais delicado, mais sutil, mais parecido com o que pensa ser adequado.

O amor acontece só depois que o sobrenome deixa de ter importância. Ademais, ninguém está aqui para atender às suas expectativas.

Agora, a boa notícia: você não está aqui para atender às expectativas de ninguém. Veja que troca justa. Cada um faz aquilo de que necessita e se responsabiliza por isso.

Viver a dois pode ser maravilhoso, mas a condição central é a de aceitar o outro como ele é. Parece clichê. Mas é tarefa árdua que merece toda nossa atenção. É não exigir nenhum milímetro mais para cá ou mais para lá. O respeito não aceita meio-termo.

Beijos meus,
Cinthya Verri


Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 24/06/2012 Edição N° 17110

Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.
ESCREVA PARA colunaquaseperfeito@gmail.com

sábado, 23 de junho de 2012

DEPOIS DO ANTES

Arte de Man Ray

Seduzir é improvisar. Não adianta treinar respostas no espelho se não sabe qual será a pergunta.

Ouça meu comentário da manhã de sábado (23/6) na Rádio Gaúcha, no programa Gaúcha Hoje, apresentado por Daniel Scola e Georgia Santos:

sexta-feira, 22 de junho de 2012

APELIDO ENGRAÇADINHO

Arte de George Grosz

Papagaio, Sabonete, Sapo, Nenê Gordo e Geleia podem ter sido seus colegas de escola. Famosos no recreio ou no jogo de futebol. Mas são os principais inimigos da Justiça Gaúcha. Os principais criminosos.

Em comum, o apelido debochado, perverso, destacando um defeito. Um apelido para a turma rir. Um apelido para chacotar.

Há a tendência de acreditar que o apelido surgiu depois da fama criminosa, mas quem diz que não surgiu antes? Na infância? Enquanto os bandidos ainda nem sonhavam o que seriam.

O apelido é a arma carregada do bullying. Letal. Perigosa. Capaz de condicionar destinos e matar vocações.

Parece loucura, mas o apelido ruim ajuda o crime. Transforma crianças em atrações de circo. Ajuda a pessoa a se sentir ninguém, nada, desprezada. Se sou Geleia, se sou Nenê Gordo, tanto faz me esforçar, não terei futuro mesmo.

O apelido consagra a rejeição.

O apelido é a faixa de miss do monstro.

O apelido é o fim do caminho. A boca do lixo.

E não estou mencionando o apelido carinhoso, que qualquer um deseja, mas o apelido que se pretende engraçadinho. Que chama atenção de uma vergonha, de uma dificuldade na aparência.

O apelido mata a felicidade do feio. É a humilhação escolar; qualquer um já se vê derrotado antes de abrir a boca.

O apelido machuca, é como ser espancado verbalmente todo dia, toda hora.

Pense antes de dar um apelido. Mais do que um simples gesto de respeito, já é caso de segurança pública.

E quem diz isso é o Panqueca. Não terminei preso porque fui recheado de amor de pai e de mãe – foi o que me salvou.

Ouça meu comentário na manhã de sexta (22/6) na Rádio Gaúcha, no programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:

quinta-feira, 21 de junho de 2012

MÁQUINA RECEBE MAURÍCIO DE SOUSA

O escritor Maurício de Sousa confessa que não poderia ter nascido em outro país. Seus personagens primam pela espontaneidade da amizade e improviso das brincadeiras.

Veja minha entrevista com o criador da Turma da Mônica no meu programa A Máquina, TV Gazeta.

O bate-papo foi exibido na noite de terça (19/6).

 

quarta-feira, 20 de junho de 2012

HARMONIAS INVISÍVEIS

O amor ensina o óbvio.

Veja o divertido quadro DRnaTV comigo e com Cínthya Verri. Solucionamos dúvidas amorosas dos telespectadores ao vivo.

O bate-papo ocorreu na terça (19/6), no programa Tudo+, da TVCOM.

terça-feira, 19 de junho de 2012

AMIZADE PLATÔNICA

Arte de Giberto e George

Pior do que amor platônico é a amizade platônica. Muito mais grave.

Quando seu melhor amigo diz que você não é o melhor amigo dele, que ele tem um outro melhor amigo.

Você se acha traído, desapontado, desprezado.

Oferece o máximo de sua conversa e lealdade a alguém que escolheu um terceiro como confidente.

Tudo o que você já fez e falou não teve brilho suficiente para conquistar o reinado da confiança. Lembra que os jogos, os socorros e a cumplicidade não convenceram o parceiro a partilhar de idêntico arrebatamento. Ele ainda acredita que tem um sujeito mais capacitado a entendê-lo do que você. Se ele pudesse optar, não estaria ao seu lado.

Isso desequilibra sua fé. Nasce uma covinha no riso, as sobrancelhas tropeçam nos olhos.

Está ilhado na admiração. É coadjuvante quando pensava atuar no papel principal.

Na hora em que descobre a verdade, não há inveja, e sim decepção. Parece que foi usado, parece que foi um sparring, parece que o passado foi nada.

Nem pode reclamar como acontece no amor platônico. Não pode pedir estorno dos dias vividos, ou gritar que é injusto ou tomar um porre.

Dores de amizade são discretas e silenciosas. Não ser correspondido na amizade cria um vazio sem precedentes.

Na escola, meu melhor amigo era o Cristiano, o único colega a quem emprestei meu time de botão, o único a quem contei que amava a Gisele. Atravessava as tardes em sua companhia: jogando videogame, disputando corridas de bicicleta nas ladeiras da Mostardeiro, solucionando infindáveis cálculos de matemática.

E não é que numa redação da 5ª série, na qual revelávamos nossas grandes parcerias, Cristiano lê alto para toda turma, diante do quadro-negro, que seu amigo do peito era o Gustavo?

Fui pego desprevenido, não tive tempo de esconder a tristeza, que ficou visível no rosto, escandalosa como perfume de goiaba.

Naquele instante, conheci a força secreta da rejeição. Gostava dele e ele preferia o Gustavo. Eu me percebi corneado na amizade. Um corno manso das confissões.

Risquei o Cristiano rapidamente do meu texto. Mas não veio nenhum nome para substituí-lo. Não tinha segundo melhor amigo.

Menti para a professora que não terminei o texto. Ela entendeu minha solidão, e não me repreendeu.

Passei a voltar sozinho para casa.






Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 19/06/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17105

PORTO ALEGRE SENTIMENTAL


Quando alguém me pergunta onde fica a rua Azenha, indico para dobrar na Casa Tigre.

Logo percebo o erro: Casa Tigre? Ai ai, não tem mais.

No meu bairro, insisto em entrar na rua Santos Neto, pela Protásio Alves, onde na esquina tem a Farmácia Petrópolis.

Não, a farmácia desapareceu há dez anos: o lugar já foi uma ferragem, já foi uma floricultura, já foi um ponto de decoração.

Procuro corrigir o arquivo, porém ele está corrompido. O GPS da infância não será atualizado. Sou dominado pela localização emocional, pelo hábito da recomendação, pelas referências históricas.

Debaixo da capital atual, há uma Porto Alegre sentimental com Ribs, JH Santos, Hermes Macedo, Arapuã...

Não são residências habitadas por mortos, barulhos esquisitos e correntes arrastadas. E sim residências que não superaram a fama de um comércio.

Ouça meu comentário na manhã de terça (19/6) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:


MÁ EDUCAÇÃO


Rolo Compressor analisa sina colorada de levar gols de seus ex-jogadores. Andrezinho, do Botafogo, foi o mais recente algoz.

Maldição ou vingança? Coincidência ou complexo?

Confira o nosso ensaio aqui.

domingo, 17 de junho de 2012

CORAÇÃO DA BOCA PARA FORA

Arte de Cínthya Verri

"Casal Quase Perfeito! Eu bati nele. Sem culpa e com vontade. Há um mês ele me traiu. Após uma briga, ele teve a coragem de dormir com a ex. Tivemos todos os tipos de conversas (da ira, das lágrimas, dos por quê?, dos perdões) e tantas outras para não cairmos no abismo que se abriu entre nós. Perdoei, hoje vejo que de boca e não de coração. Na primeira briga, não pensei duas vezes e lhe dei dois belos tapas, na verdade três, poderiam ser quatro. Ele deixou, como se merecesse tudo aquilo. Os dois ainda dizem que se amam, agora cada um com a sua mágoa. E ai vem a pergunta: tem conserto? Um abraço, Jaqueline"

Querida Jaqueline!

Quando a mulher bate no homem é um estado extremo, o derradeiro estágio da violência emocional.  Vem depois de esgotar as mediações da discussão, o choro e o entendimento.

Uma mulher unicamente bate no homem para avisar que nunca vai perdoá-lo.

Você não deseja desculpá-lo, não admite desculpá-lo. Já deixou de ser uma desavença amorosa, é um trauma: uma lembrança repetida à exaustão e da qual não cansará de buscar detalhes e minúcias.

É uma recordação que será sempre nova por mais antiga que seja, que voltará a aparecer em qualquer dúvida, medo e impasse amoroso.

Não vai se enjoar da infidelidade que ele cometeu ainda que saiba o que aconteceu ou como aconteceu ou porque ele se permitiu levar pelo impulso. É uma ferida sem corpo. Um sangramento sem começo.

Havia uma rixa terrível entre vocês duas. Recaída com a ex é mais violenta agressão à estima feminina. É uma punhalada na vaidade do relacionamento. Um soco no porta-retrato.

Se fosse qualquer outra, uma garota desconhecida, um caso involuntário, acho que faria as pazes, admitiria o tropeço, lavaria os pratos e seguiria em frente. Mas ex é intragável, sobrevoa a residência com astúcia de corvo: disponível, falsamente compreensiva e pronta a reconciliações súbitas.

Nem é raiva que abateu sobre você, é tristeza. Ele converteu sua cama numa fria e rancorosa catacumba. É como se ele traficasse a intimidade de vocês com o mundo dos mortos.

O dolorido do processo é se enxergar menor do que o passado, pior do que aquilo que já houve. Além da sensação incômoda de não dispor de tranquilidade para brigar e ficar separada. É se distanciar 24 horas que ele já procurou o consolo no colo da rival.

Não tem conserto. Formou-se uma total desconfiança, um forte preconceito.

O homem também só aceita apanhar de uma mulher quando ele não merece perdão.

Abraço com todo o carinho,
Fabrício Carpinejar

Querida Jaqueline!

Afirma que deu tapas sem culpa. Mas bateu nele porque acredita na culpa. Não só acredita que ela existe como afirma que é dele: o causador de todo o sofrimento. Mas culpa é coisa que não existe: todos erramos.

Na relação, não importa quem põe a bola em jogo, é responsabilidade dos dois sempre.

Está sempre aberto o convite para abandonar o ganha-perde e para assumir que tudo o que se faz é também para si mesmo. Esse é o segredo central para viver bem.

Machucá-lo não conserta as coisas. Humilhar não fecha o parêntese. Surrar não dignifica a mulher. O fato dele haver aceitado o baque indica apenas a falta de melhor ideia. Não confunda choque com inferioridade.

Já que decidiu tentar, abandone o drama. Esqueça o moralismo da traição. Oficialmente, ele dormiu com a ex outras vezes, não foi mesmo? Muito antes de sua existência. Se esse pensamento não servir, ora, invente a lógica que for necessária e agarre-se a ela. Faça uma equação conveniente e pague tudo com a moeda do desejo de estar junto.

Eu digo isso porque já estão próximos outra vez. Sendo assim, teu pedido me indica que precisa de ajuda para engolir a mágoa. Essa ajuda quem dá é o tempo, se você permitir.

Esquecer é muito de nossa autoria, tanto quanto lembrar. É preciso assumir essa força para dentro.

Querida Jaqueline, eu vejo que você não tem um problema com isso que aconteceu: já escolheu ficar com ele. Sua dificuldade é moral, uma ferida na sua opinião. Está surpresa por descobrir que continua amando mesmo diante do impensado.

Há mais coragem para desbravar do que supunha. Se restava dúvidas sobre o sentimento que tinham, agora não precisa mais delas. Tudo saiu fora do plano. Há espaço afinal para criar uma vida a dois mais verdadeira.

Amar é dançar conforme a surpresa e desistir da hipocrisia. Não é como a gente esperava. Ainda bem.

Beijos meus,
Cínthya Verri


Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 17/06/2012 Edição N° 17103

ESCREVA PARA colunaquaseperfeito@gmail.com

sexta-feira, 15 de junho de 2012

CONTRADIÇÕES AMOROSAS


Arte de David Hockney

Quando levo minha mãe para almoçar, ela me xinga que pedi muita comida.

- Fabrício, para que exagerar? É olho gordo! Não parece filho de sua mãe...

Durante todo o almoço, ela reclama que é um desperdício, que não é certo, que não é justo.

Mas sabe o que ela faz ao final da refeição? Chama o garçom e manda embrulhar o que sobrou.

O que ela mais adora é carregar vianda do restaurante para casa porque ela não precisa se preocupar com o jantar.

Ela odeia que eu peça uma porção a mais, mas ama quando sobra.

Mãe não é para entender, é para amar.

Ouça meu comentário na manhã de sexta (15/6) na Rádio Gaúcha, no programa Gaúcha Hoje, com Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:


quinta-feira, 14 de junho de 2012

MÁQUINA RECEBE FALCÃO

Serenata na telinha. A Máquina, da TV Gazeta, capturou o brechó em pessoa, Falcão, cantor e compositor cearense de fina irreverência.

Ele estava a caráter: de crocs com meia, relógio somente pulseira e com um anel em cada dedo.

Nostálgico,  recordou de seus primeiros amores no Ceará e confessou que existe – além da dor-de-corno – uma inacreditável alegria-de-corno. Chegou a lembrar de seu pior fora: teve namoro rompido pela sogra.

Em meia hora de conversa leve e divertida, Falcão se define como um “Guimarães Rosa do brega”.

O programa foi exibido na noite de terça (12/6).

quarta-feira, 13 de junho de 2012

RESPOSTAS DAQUELAS

- Por que só existe homem casado no mundo?
- Talvez você se interesse apenas por homens casados, só veja homens casados, só queira homens casados.

Diálogos verdadeiros, ferinos, reais comigo e com Cínthya Verri no quadro DRnaTV, do programa Tudo+, da TVCOM, exibido na noite de terça-feira (12/6)

terça-feira, 12 de junho de 2012

TESOURO

Bitolas e Cintolas são nossas moedas em casa.

Eu e Cínthya Verri temos uma forma divertida e criativa de demonstrar amor.

Quando estou satisfeito com tudo, o cofre está lotado de Cintolas (de Cin).

Quando ela está feliz comigo, seu colchão está forrado de Bitolas (de Bitols, meu apelido).

Falamos da arte da convivência no Jornal do Almoço, programa da RBSTV. A exibição aconteceu nesta terça (12/6), ao meio-dia. Veja nossa conversa:

CARTA PARA MINHA NAMORADA

Arte de Marc Chagall

Eu decorei suas fraquezas, acalmei seus pesadelos.

Conheço histórias de sua infância, dores e repulsas.

Sou sua caixa-preta, sua cópia de segurança, seu diário, seu esconderijo na parede.

Poderia imitar sua caligrafia, poderia escrever sua biografia, listar o material escolar da 5ª série, recordá-la da capa de bichinhos coloridos da cartilha Alegria de Saber.

Você não escondeu nenhuma resposta de minhas perguntas. Nenhuma gaveta para a minha curiosidade.

Nunca se revelou tanto para outra pessoa. Expôs quem odiava no Ensino Médio, quem amava, quais as gafes e as covardias que experimentou na escola.

Confidenciou aquilo que seu pai gritou e que magoou fundo, aquilo que sua mãe omitiu e feriu fundo.

Não tem anticorpos contra mim. Baixou as armas, depôs a mínima resistência.

Se você me escolheu para confiar, devo ter o dobro de tato para falar contigo, o triplo de responsabilidade. Qualquer um conta com o direito de falhar, qualquer um desfruta da possibilidade de errar, menos eu. Sou o que realmente estudou seus pontos fracos e o lugar de suas veias.

Perdi a desculpa do acidente, a vantagem do lapso.

Sou o mais perigoso, portanto tenho a obrigação de defendê-la de mim. Tudo o que ouvi a seu respeito não posso empregar para agredi-la. Cada desabafo que me confiou não serve para nada, a não ser para amá-la.

Não tem finalidade doméstica, nem serventia para fofoca, é uma amnésia alegre: escuto, sorrio e consolo.

Não ouso soprar verdades sem sua permissão. São arquivos protegidos.

Quem ama mergulha em hipnose regressiva, firmamos um código de quietude e cumplicidade, de zelo e compromisso.

Intimidade é um conteúdo perigoso, tóxico, explosivo. Há os casais que esquecem que estão levando a valiosa carga e transformam a catarse em tortura psicológica, em chantagem emocional, em sequestro moral.

Suas confidências morrem comigo ou eu vou morrer nelas. Não podem retornar numa briga. Que eu morda a língua, queime a boca, mas não use jamais seus segredos. Aquilo que você me disse não é para ser devolvido. Todo segredo é um sino sem pêndulo.

Não importa o que faça ou as razões da raiva, é covardia distorcer suas lembranças.

Não posso rifar seus problemas, nem propor leilão dos seus medos.

Minha namorada, minha noiva, minha mulher, meu amor.

Eu prometo cercar seu silêncio com meu silêncio.

Não nasci para julgá-la, mas para me julgar e, assim, merecê-la.




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 12/06/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 1798

CALMARIA

Arte de Marc Chagall

Dia dos Namorados está todo errado. O pessoal entendeu errado a data.

Não é para provar amor. Não é show para demonstrações de quanto se ama e se quer a namorada.  Não é uma competição de quem dá mais, de quem pode mais, de quem arma o maior escândalo.

Não é concurso de sósias de Amado Batista. Não é Festival de Cannes de publicitários para eleger a melhor propaganda. Não é disputa de serenatas na janela.

Amor não se prova, amor se é. É um dia para oferecer mais atenção do que os demais, como um feriado religioso.

Ouça meu comentário na manhã de terça (12/6) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:

segunda-feira, 11 de junho de 2012

SARAU ELÉTRICO COM CARPINEJAR E CÍNTHYA VERRI


À luz de velas, o tradicional Sarau Elétrico, formado por Cláudia Tajes, Kátia Suman, Luís Augusto Fischer e Cláudio Moreno, recebe o casal de escritores Fabrício Carpinejar e Cínthya Verri, para embriagar os cupidos nesta terça enamorada (12/6). Com tema "Apaixonados", o divertido recital acontece a partir das 21h30, no Bar Ocidente (Av. Osvaldo Aranha, 960, Bom Fim), em Porto Alegre (RS). Corações ocupados, partidos e avulsos ganham uma taça de espumante para dar início aos trabalhos.

A dupla de convidados assina a coluna Quase Perfeito, do jornal Zero Hora, onde responde dúvidas amorosas dos leitores, e também conduz programas no mesmo molde na Rádio Gaúcha e TVCOM. Médica, psicoterapeuta, artista plástica e cantora, Cínthya acaba de lançar Constantina (Edith), seu primeiro livro de poesia. Carpinejar tem 19 obras publicadas entre crônicas, poesia e infanto-juvenil e é reconhecido como uma das mais importantes e irreverentes vozes da literatura brasileira.

Ingresso custa R$ 10. Canja musical de Pedro Gonzaga e Rodrigo Reinheimer.

domingo, 10 de junho de 2012

O MEDO É SEMPRE SELVAGEM

Arte de Cínthya Verri

"Sou brasileiro, moro na Europa e estou namorando uma dinamarquesa. Nos damos bem, mas tem algo que me incomoda: ela é amiga do ex. Eles se encontram semanalmente, ela tem foto dele no celular, cuida do cachorro dele quando ele sai de férias e já cogitou visitar a família dele na África. Eu disse a ela que isso me incomoda. Estou exagerando no ciúme?
Obrigado,
Paulo Henrique"

Querido Paulo Henrique,

Eu já estava escrevendo que você tinha razão: seu ciúme não era à toa, que os fatos beiravam o deboche. Estava pronto a argumentar que ex é fantasma e não é recomendável conversar com morto.

Estava disposto a dizer para virar a mesa e não aceitar essa safadeza toda. Que isso lembrava filme esquisito de Ingmar Bergman, com traumas, complexos irresolutos e taras clandestinas.

Estava pronto a assinar o óbito da sua relação, mas logo me contive: a convivência entre eles é tão escancarada que não pode ter coisa alguma. Caso alimentassem ainda uma história, esconderiam o jogo, fariam questão de exibir distância e mentir formalidades. Não seriam ostensivos a ponto de apresentar foto no celular, partilhar convites familiares.

Acredito que sua namorada vem sendo sincera. Não existe conspiração, segredos, picuinhas

É natural a atração se esgotar. Já vi inúmeros romances decrescerem em amizade.

Ela e o ex agem como irmãos. O contato é respeitoso e não sugere incesto. Não há nada a despertar inveja. Ambos perceberam o fim da química e decidiram preservar os laços. Sabe aquela separação consensual, em que os dois aceitam, aliviados, que não se amam?

São confidentes, mas com o desejo castrado, de quem tentou e fracassou. É um amor assexuado.  Diria mais: ela e o ex agem como irmãs. Pode ficar tranquilo. Devem fofocar de você, de sua desconfiança latina e achar graça.

Eu somente tomaria cuidado para não virar uma boneca. O ex representa o perigoso destino eunuco de outros relacionamentos. Sua namorada tem temperamento forte e uma predisposição a transformar namorado em companheiro de quarto.

Mantenha seu sangue quente, por favor. Seu sangue dramático. É o antídoto contra o tédio.

Abraço com toda ternura,
Fabrício Carpinejar

Querido Paulo Henrique,

Minha mãe profetizava: jamais pergunte ao namorado sobre aquela amiga por quem se morde de ciúme; nunca toque no nome dela que é para não dar a ideia.

Sempre encontrava graça no enigma. Depois, vi sentido. Eu lhe pergunto: quem fala mais no ex-namorado: você ou ela?

Talvez o moço nem seja tão presente, mas toda vez que aparece qualquer situação onde o fantasma é mencionado, o alarme soa fundo. Você é um campo de lasers no chão: impossível pisar sem disparar o terror.

Para amar em paz, a habilidade mais importante não é lembrar, mas esquecer. Quem não digere os fatos, morre de excesso.

Ganhou um rival, oras. Que experiência interessante! Assustadora, claro, porque ele é o pioneiro – já experimentou as coisas antes. É a fantasia de ser o segundo, de ter chegado tarde. É escalar o Kilimanjaro, chegar lá e encontrar uma bandeira puída.

A verdade dói, mas salva: nenhuma mulher será só sua.

Engula o suor e sorria. Sua insegurança está virando o mundo do avesso. Nem a namorada sabia que o ex tinha sido tão importante. Seis anos passados e ela não pensava mais nele desse jeito. Mas, aí, você chega e fica apontando as afinidades, as cumplicidades.

Eis o que faremos: uma equação de Pascal. Se a questão é acreditar ou não se há algo não resolvido entre os dois, aceitaremos o duelo. Não fale mais em seu inimigo de modo ameaçador (que o temido seja você!), fique próximo dele como um irmão.

Mais: quem está no mandato conta com grandes chances de reeleição, tem o governo a seu favor.

Garanta sua namorada de novo todos os dias. Vocês dois só tem a ganhar.

Beijos meus,
Cinthya Verri


Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 10/06/2012 Edição N° 17096

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sexta-feira, 8 de junho de 2012

NA PONTA DA LÍNGUA

Arte de Edgar Degas

Verdade não é para agredir. Não é para ferir. Não é para machucar.

Confunde-se verdade com grosseria, com preguiça, com indisposição.

Ser honesto é cuidar do que se diz e como se diz.

Se sua mulher faz um jantar e está horrível, elogie a atitude:

- Fico tão feliz que você fez o jantar para mim.

Se ela insistir com detalhes tipo “O que achou da galinha?”, pode responder:

- Nunca comi uma galinha como esta.

O importante é não mentir.

No sexo, se não goza, não diga isso para seu marido. Fale para ele algo assim:

- Só você entende meu corpo e eu não preciso explicar nada.

Feito! Ele se sentirá o máximo e não perguntará mais nada. O homem nunca pergunta mesmo com medo da resposta.

Em encontro com o sogro e a sogra, tipo Natal, Páscoa, Ano Novo, não banque o juiz. Não estrague a festa, não queira definir o que é certo o que é errado. Se a esposa perguntar:

- Gosta de minha família?

Comente:

- Adoro como você conversa com os pais e o carinho do ambiente.

Deu!

Custa muito ser gentil? Custa sim! Custa pensar duas vezes, desejar duas vezes, amar duas vezes.

A grosseria que é de graça.

Verdade é feita para ajudar. Não há maior verdade do que a delicadeza.

Ouça meu comentário na manhã de sexta (8/6) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel scola:


quinta-feira, 7 de junho de 2012

MÁQUINA RECEBE JUCA KFOURI

O comentarista da ESPN e colunista da Folha de SPaulo, Juca Kfouri, o homem que enfrentou Ricardo Teixeira, que não mistura propaganda com esporte, apresenta seu lado leve, engraçado e lírico para A Máquina, da TV Gazeta.  O programa foi exibido na terça (5/6).

É conversa para dormir de alma leve.

 

quarta-feira, 6 de junho de 2012

SALVA-VIDAS

Há diferença entre a solidão do homem e da mulher? O que fazer com quem bebe e começa a brigar? Quando o namorado desaparece, aconteceu alguma coisa ou ele planejou a fuga?

 Primeiros socorros de amor comigo e Cínthya Verri.

 Veja nosso quadro DRnaTV, exibido no programa Tudo +, na TVCOM, terça (5/6), 21h.

terça-feira, 5 de junho de 2012

COMA!

Arte de Wayne Thiebaud

Adoro ficar bêbado em festa de criança.

Calma, não é arruaça, desvio de personalidade, fantasia sádica. Não tomo nenhuma gota de álcool. Nem precisa.

O doce embriaga. Não há maior porre do que comer açúcar.

Brigadeiros e branquinhos são um coquetel imbatível, provocam tonturas de carrossel.

Realmente perco o equilíbrio e os dentes amolecem.

Os amigos desconfiam, acham que não contei a verdade e que estou grogue ao bebericar escondido. Como explicar que foi o papo de anjo?

A glicose tira o chão dos pensamentos. Superior ao teor alcoólico do uísque, acima das doses caubói de Jack Daniel’s.

Não atino os pensamentos, o raciocínio desemboca impreciso.

Aniversário de criança é uma farra. Não existe engradado de cerveja que provoque um estrago igual. Diante do bolo temático, absinto é refrigerante.

Com 10 forminhas azuis amassadas no bolso, destilo sinceridades, compro briga com os pais, questiono o método Piaget da escola.

Doces mudam a correnteza do DNA. Entregarei hábitos secretos de parentes, esnobarei primas, afundarei em bobagens.

Doces retiram a serenidade. Respiraremos somente com a boca. Todos que saboreiam guloseimas apresentam desvio de septo imaginário: prendem o ar, mascam o suspiro.

Duvida de mim? Repare nos meninos e meninas correndo de um lado para outro.

Os pequenos também terminam embriagados dos confeitos. De onde extraem aquela energia ruidosa, aquela gritaria de reformatório, se não das camadas em espiral do leite condensado? Transformam o pátio em guerra de vogais. Pulam corda, jogam futebol, não cansam nunca, não desistem de suar.

Minha barba é feita de fios de ovos, os olhos são camafeus, e confundirei quindins com vitórias-régias. Posso nadar no vento, posso atropelar garçons.

O doce traz o mesmo efeito de uma bebedeira.

Destrato convidados, passo a rir por qualquer frase para disfarçar o interesse pelo próximo doce, e pelo próximo, e pelo próximo.

As pernas cambaleiam depois de enfileirar bandejinhas sortidas. Os lábios enegrecem com o batom negro do granulado, assim como o limão e o sal formam a maquiagem da tequila.

Na primeira mordida (quase escrevo “no primeiro gole”), pressinto que irei longe, que não terei controle sobre o apetite, que apagarei no sofá com o cofrinho aparecendo.

Como sei que entrarei em coma açucarado? Vou gemer. Ao pecar, o alcoólatra geme, o chocólatra geme.

Não me convide para festa de seu filho. Sou o típico sujeito que rouba doce de criança e não se arrepende.






Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 05/06/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 1791

ANSIEDADE

Arte de Paul Klee

Se é homem, você puxa a descarga antes de mijar?

Se é mulher, você pega o papel antes de fazer xixi?

Você vai ao trabalho com pasta de dente na camisa?

Você fica controlando e-mail a cada cinco minutos? A tecla F5 já está apagada no teclado do seu computador?

Ouça meu comentário na manhã de terça (5/6) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:


domingo, 3 de junho de 2012

PATINS NUNCA SERÃO BOTAS

Arte de Cínthya Verri

“Olá, tudo bem?
Tenho 18 anos, estou morando sozinha em outra cidade. Gosto do meu namorado, mas sou a fim de sair, ficar com outros caras. Comecei a namorar cedo, e não aproveitei a vida de solteira. Ultimamente, ele não está dando motivos para brigas, mas quero terminar, conhecer novas pessoas. Só que tenho medo de me arrepender e acabar voltando.
Muito obrigada. Beijos, Camila”

Querida Camila,

Não ama mais seu namorado. É como transformar o par de patins em botas. O que deslizou um dia não serve para andar. Quem tenta caminhar com patins tropeça. O amor não caminha, corre. O amor pede mais do que amizade.

Já começou a arrumar atenuantes, a levantar prós e contras se vale ou não a pena continuar. O segredo dos dois virou plebiscito entre os amigos, novela com torcida organizada. É triste, o envolvido é sempre o último a saber.

Quem faz balanço abandonou a relação. Para amar, não precisamos de motivos. Só dependemos de justificativas para nos separar, reparou? Quando amamos, o mundo pode estar contra nós, que inventamos um jeito de ficar juntos.

Está decidida a romper e não sofre nenhum arrependimento. Projeta uma vida diferente e mais excitante. Seu medo é conversa da boca para fora. Deseja apenas sair com a imagem de boazinha, busca um modo de confessar o fim e não parecer injusta. Não tem como agradar dizendo adeus. Não há como ser educada na despedida. O rompimento é brusco e gera mal-entendido. Assuma a responsabilidade de terminar a história. É uma morte afetiva, um luto – é previsível o desencantamento de seu parceiro com você.

Seu namoro entrou naquela fase da mendicância: demonstra uma preocupação falsa que lembra generosidade. Cada dia com ele é uma esmola, mais preocupada em manter a aparência do que recuperar o arrebatamento. Até a separação perdeu a graça. Até brigar.

Hora de conversa séria, e não mais se aproveitar da carência dele.

Abraços com ternuras,
Fabrício Carpinejar

Querida Camila,

Não é um impasse, mas teimosia. Dúvida não há: ficamos evitando aquilo que já se decidiu. Escolher não é questão de força, mas de rendição, de humildade. Escolher é ganhar a paz de tentar, é aceitar que não pode mandar nos acontecimentos. Ninguém tem espiões do futuro. Ao contrário, o futuro determina o valor do que nos aconteceu. Sua demora é a vontade de ser perfeita; ânsia de empreender a própria vontade, mas ainda assim agradar aos outros.

É a primeira vez que chega ao fim de uma história, natural se sentir assustada. O que talvez não adivinhe é que isso não muda com o tempo – sempre difícil alterar um destino. Vai ser triste para você, para ele e para os outros. Verdade que ninguém quer ver a separação: nem parentes, nem amigos. A gente tem alergia a transformações – as conversões nos arrepiam, afinal, elas são o atestado de que o tempo passa para todos.

Atingimos o centro nervoso desse falatório: não há como terminar sem doer. Não há como seguir sem desgastes. Ele não será mais seu namorado nem a família dele será mais sua. Alguns amigos não vão permanecer. São custos a arcar: é o que não está pretendendo admitir.

Ao insistir para não perder nada, coloca tudo a perder. Torna-se insuportável até mesmo a amizade: é uma esperança amarga. Transferir a responsabilidade para o cansaço é uma derrota perigosa. Este seria o desfecho mais temível depois de um romance como o de vocês. Não arraste o fim. Tenha coragem e interrompa o perfeccionismo de seguir com quem não deseja. Preserve o passado dos dois.

Muito mais digno do amor que já tiveram.

Beijos, torcendo por sua bravura,

Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 03/06/2012 Edição N° 17089

ESCREVA PARA colunaquaseperfeito@gmail.com

sábado, 2 de junho de 2012

RECEITA DE BORRALHEIRO

Arte de Guignard

O casamento não pode ser disfarce de trabalho-escravo.

A receita para gostar das tarefas domésticas é fazer junto.

Na hora de arrumar a cama, cada um puxa de um lado e ninguém vê o tempo passar.

Na hora de arrumar a louça, você lava e o outro seca e não sobra angústia.

A leveza é dividir o compromisso.

A rejeição vem da ideia de trabalhar sozinho enquanto o marido ou a esposa está descansando ou se divertindo em nosso lugar.

Ouça meu comentário na manhã de sábado (2/6) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Daniel Scola e Georgia Santos:

PRÓXIMAS PARADAS


6/6  (quarta-feira) – Nova Petrópolis (RS), 10h e 13h30
Projeto Autor nas Escolas
Local:  Escolas Frederico Michaelsen e Bom Pastor
Contato: smecd@novapetropolis.rs.gov.br

13/6  (quarta-feira) – Canoas (RS), 18h
28ª Feira do Livro de Canoas
Autor Homenageado - palestra
Local:  Praça da Bandeira, Canoas, RS

23/6  (sábado) – Betim (MG)
Festival Literata
Palestra
Contato: (31) 3225-1888

26/6  (terça-feira) – São Paulo (SP), 21h
Ideias Online - Arte Contemporânea e Cultura Digital
Debate Língua e Reinvenção com Joca Teron e Xico Sá
Local:  Centro Cultural Banco do Brasil
(Rua Álvares Penteado, 112, Centro  São Paulo)
Contato: 11 3872-9708

sexta-feira, 1 de junho de 2012

TRADUZINDO A ALMA FEMININA


Arte de Allen Jones

Mulheres têm um idioma todo particular. Elas falam duas coisas ao mesmo tempo. São várias expressões que não podem ser compreendidas ao pé da letra. Apresentam um sentido totalmente diferente daquilo que a gente pensava.

Não sou um Chico Buarque, nem um Teixeirinha, mas vou me arriscar a traduzir a alma feminina para prevenir divórcios pelo Rio Grande e país.

Quando a mulher diz "vamos sair um pouco!" significa "eu quero mudar de canal, não agüento mais futebol!"

Quando a mulher diz "estou depilada" significa que está a fim de sexo.

Quando a mulher diz "só um minutinho" significa "duas horas e um minutinho".

Quando a mulher diz "estou irritada" significa que ela está maluca.

Quando a mulher diz "tenho dor de cabeça" significa "me deixa quieta!"

Quando a mulher diz "você não presta" significa "eu te amo apesar de tudo".

Quando a mulher diz "cala a boca" significa que você não sabe ouvir.

Quando a mulher pergunta "tem alguma coisa na geladeira?" significa "me leve para jantar fora!" (ela sabe que não tem nada)

Quando a mulher diz "não é necessário, amor" significa "é muito importante, amor".

Quando a mulher diz "você não me entende" significa que você não faz o que ela quer.

Quando a mulher diz que está indecisa numa loja significa um pedido para você comprar a peça e dar de presente.

Quando a mulher diz “pode ir sozinho” significa “me leva junto, por favor”.

Quando a mulher diz pode atender ao telefone no meio de um filme significa “desligue o celular, pô!”.

Quando a mulher diz “amanhã” significa nunca.

Quando a mulher diz “hoje” significa ontem.

Quando a mulher diz "vamos dormir" significa dormir mesmo.

Ouça comentário da manhã de sexta (1º/6) na Rádio Gaúcha, no programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola: