sexta-feira, 31 de agosto de 2012

MÁQUINA RECEBE ELKE MARAVILHA

Colares, perucas, roupas brilhantes, olhos de Egito Antigo, oito idiomas: Elke Maravilha encantou A Máquina.

Meu programa recebeu a mítica figura da televisão brasileira que ganhou popularidade nos anos 70 e 80 como jurada de programas de calouros como os de Chacrinha (1917-1988) e Silvio Santos.

Acompanhe como foi a arena de risadas e confidências. O encontro aconteceu na noite de terça-feira (28/8), na TV Gazeta.

LUGAR DE SER

Arte de Salvador Dali

Estou solteiro de novo.
 
Ela se separou de mim. Mas eu não me separei dela.
 
O desagradável é que sou escritor, eu trabalho em casa. Não conto com um escritório para fugir e mudar de assunto. Identifico sua falta a todo instante.
 
Venho buscando mudar de hábitos, mas não está surtindo efeito. Passei a espiar classificados.
 
Localizo alguém vendendo uma telepizza.
 
Em vez de pensar:
- Como assim telepizza? Que absurdo, o que o cara está vendendo é apenas uma linha telefônica.
 
Eu penso:
- Coitado, ele está vendendo uma telepizza. Quase compro por compaixão.  Eu não me divirto com aquilo que eu achava engraçado, eu me comovo.
 
Continuo descendo para levar a Cora a fazer xixi três vezes ao dia, mas sem a Cora, nosso cachorrinho foi junto.
 
Meu coração é um cativeiro.
 
Tenho o controle remoto da tevê, mas me enxergo sem opção.
 
Tenho a liberdade do mundo para sair, e me sinto preso.
 
Tenho tempo de sobra, e me vejo sempre atrasado.
 
Tenho espaço nas prateleiras e nas estantes, mas nunca encontro o que quero.
 
Tenho a cama inteira à disposição, mas permaneço dormindo no cantinho.
 
Ninguém rouba mais minhas cobertas, mas sinto frio. 
 
Retirei os porta-retratos da residência.
 
Mas olhar dentro da geladeira é também um porta-retrato dela.
 
Olhar a geladeira é descobri-la: seus morangos, sua mostarda forte, seu pãozinho integral, sua cerveja. 
 
Como diz Karl Marx, que entendia tudo de divórcio:
 
"Separados do mundo, uni-vos"

Ouça meu comentário na manhã de sexta-feira (31/8) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Fernando Zanuzo:
 

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

TRISTEZA ENVELHECE

O limite do beiço é a chatice.

Cuidado para não amolar os outros com suas tristezas velhas.

O quadro DRnaTV, da TVCOM,  alivia o peso da mala.

A mediação é de Sara Bodowsky. O encontro aconteceu na noite de terça-feira (28/8).

PIQUENIQUE NO QUARTO

Arte de Eduardo Nasi
 
Tomo o café da manhã em etapas.

A primeira no quarto, bem apressado, enquanto me arrumo. Com pãozinho fresco e cafezinho preto tirado na hora (nem um minuto a mais na chapa da cafeteira). Em seguida, me encaminho para a cozinha onde como frutas. Por fim, sento na sala, para ler e-mails e mastigar omelete preparada pela minha fiel escudeira Cleonice.

Faço questão de ocupar todos os aposentos com o café da manhã. A louça fica espalhada perto das roupas que não foram sorteadas para meu corpo naquele dia.
 

* * *
 
Tudo termina de pernas para o ar: gavetas abertas, livros espalhados, papéis voando.

Sou mais anárquico do que mulher se vestindo.

Residência com mulher se vestindo não precisa de faxina, mas de reforma. O meu caso é mais grave: necessito trocar de endereço.

* * *
 
A pressa é enamorada da perfeição.

Demoro a realizar o simples. A elegância está em testar combinações estranhas e se odiar no espelho.

Provo dezenas de roupas para voltar a gostar do primeiro conjunto.
 
* * *
 
Vestir-se é um agradável remorso.

* * *
 
A criatividade depende dos lapsos.

Sempre estou alterando o contexto dos objetos. Mudando raízes de lugar. Misturando coisas que não se falavam, como guarda-chuva e violão, azeite e ferro de passar.

Fui puxar hoje a porta do armário e encontrei um pratinho cheio de farelos ao lado da pilha de camisas.

E um copo com espuma de laranja rente aos blusões.

E uma xícara assediando as calças.
 
* * *

 Ri da minha baderna. Como quem compreende que não tem conserto.
 

* * *

 Era uma explicação poética: as roupas comiam em segredo, por isso não me apertavam. As roupas engordavam comigo. Alimentava meus panos para não me sentir fora do peso.


* * *

Também lembrava uma casinha de passarinho, um chamado de floresta. Logo meu guarda-roupa será uma gaiola, com uma ninhada na gaveta das gravatas.

Os passarinhos serão os cabides e levarão as roupas para o Shrek se vestir.

Uma delicadeza abrir o armário do quarto e enxergar um prato com casquinhas e restos de miolo.

O lençol como uma toalha de mesa. A toalha de mesa como um lençol.

Minha casa é um piquenique a céu fechado.

 





Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

terça-feira, 28 de agosto de 2012

CADÊ MINHAS LEMBRANÇAS FELIZES?

Arte de James Ensor

De todas as conversas que tive com minha mãe, só lembro aquela que me magoou.
 
De todos os nossos longos e curtos diálogos no carro, no ônibus, em casa, nas praças, nas caminhadas pelo bairro.
 
Milhares de cumprimentos, de abraços, de risos, de colos, de palavras de incentivo, de piadas e recordações, e o que guardo é ela dizendo que não presto.
 
Uma única vez em que não prestei entre um turbilhão de outras em que fui tratado como um príncipe.
 
Por que essa ingratidão memorativa? Por que essa desigualdade evocativa?
 
De todas as conversas que travei com meu irmão, só conservo a que nos separou.
 
A gente fez castelo juntos, jogou futebol, armou casinhas, confabulou planos, inventou segredos; centenas de dias ensolarados e noites de insônia partilhadas e agora desaparecidas entre o hipocampo e o córtex frontal.
 
O que ficou de agradável: nada.
 
Estou por concluir que a memória abomina a felicidade.
 
Não cuidamos dos positivos das lembranças, apenas colecionamos os negativos.
 
Não nos esforçamos para guardar os bons momentos porque temos a ideia – equivocada – de que são obrigatórios.
 
Há o entendimento de que normalidade é acumular glória na vida enquanto a dor é um acidente de percurso. Há a convicção de que a alegria é uma condição natural enquanto a cara fechada é uma exceção (não seria o contrário?).
 
Predomina em nós a compreensão ingênua da felicidade como facilidade e da tristeza como dificuldade. Ser feliz seria simples e ser triste consistiria numa tremenda injustiça.
 
Uma noção do mundo em linha reta, de amor em abundância, provocando o desperdício constante e perigoso.
 
Não preservamos as delicadezas, assim como não economizamos água, já que ela verte com ligeireza pela torneira da residência.
 
Não poupamos as cenas comoventes, assim como não economizamos luz, já que ela depende de um clique para clarear as paredes.
 
Não embrulhamos a ternura, esnobamos. Parece que é um dever recebê-la, que nossa companhia precisa nos oferecer sempre o cotidiano mais precioso. Devoramos um bolinho de chuva pensando no próximo. Beijamos a boca de nossa mulher cobiçando o segundo, o terceiro e o quarto beijo.
 
O que é ruim é solene. O que é bom é descartável.
 
A morte se torna mais inesquecível do que o nascimento. O atrito surge mais consolidado do que o primeiro encontro. A ruptura se destaca diante dos acordes iniciais da amizade.
 
Temos amnésia da leveza, pois deduzimos que virá mais e mais no dia seguinte. Não criamos álbuns de nossas gargalhadas, mas recortamos as cenas rancorosas e amargas como se fossem definitivas e esclarecedoras.
 
Somos algozes da felicidade e, ao mesmo tempo, vítimas da infelicidade.
 





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 28/08/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17175

QUANDO O COMPUTADOR ESTRAGA

Arte de James Ensor
 
Não tem nada que me irrite tanto: quando meu computador estraga.
 
É um terror. Sofro o medo de perder todos os arquivos, emails e textos.
 
Depois sofro o pânico de ser enganado com o conserto.
 
Qualquer coisa que seja dito, eu vou acreditar. Acho que essa sensação de ser passado para trás vem da falta de comunicação. O técnico chega calado e sai quieto.
 
Não explica passo a passo o que aconteceu, não anota formas de prevenir, não detalha o que encontrou. Talvez nem ele saiba o que fez para arrumar.
 
Por mais que eu coloque antivírus, o problema continua sendo o antivírus.
 
Por mais que atualize o antivírus, faltou alguma atualização.
 
Os problemas sempre são os mesmos. Desde meu primeiro PC.

Ouça meu irreverente comentário na manhã de terça-feira (28/8) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Fernando Zanuzo:

 

domingo, 26 de agosto de 2012

ANTESSALA DA SEPARAÇÃO

Arte de Cínthya Verri
 
“Tenho medo de ser trocada. Namoro há um ano, e de uns dois meses para cá, meu relacionamento está diferente. Acho meu namorado distante. Tudo o que acontece me faz pensar que ele está a fim de outra, a começar pelas mulheres que adiciona no Facebook. Será que estou neurótica ou ele manda sinais para pular fora? Beijo, Elis”

Querida Elis,
 
Não está neurótica. É uma constatação de que o relacionamento esfriou. Observou que ele age diferente e já é necessário tomar uma atitude.
 
Dividir a dúvida é melhor do que telepatia. Caso ele se sinta ofendido com a pergunta, tanto faz, pelo menos estará avisado. Essencial que ele tome conhecimento de que você sabe que algo mudou, que não vão se distanciar impunemente.
 
A maior causa de morte do amor é a omissão: o outro enxerga o fim, mas não quer acreditar.
 
Quais os sinais do tédio amoroso?
 
Quando ele não responde as provocações costumeiras, não explica os trabalhos, passa a dormir no lado contrário da cama, não tem paciência nem para se chatear e lhe dá razão de graça, não renova convites para sair e se contenta com sua primeira recusa, faz questão de viver pela casa em horários diferentes, evita a convivência com sua curiosidade, a agenda social dele deixou de incluí-la.
 
O tédio é a antessala da separação. Há um longo corredor pela frente, que pode ser alterado com sua disposição em ouvir e entender o que vem aborrecendo seu namorado. Deve ser uma frustração pequena que cresceu em silêncio. O incidente que gerou a tristeza deve ser bobo para você, mas importante para ele, por isso não reparou.
 
Sobre o medo de ser trocada, não tem nada ver, é um segundo momento, quando a monotonia não produz nenhuma revolução.
 
Não sofra com as mulheres que ele adiciona no Facebook. Na hipótese de traição, apagaria os contatos.
 
Homem infiel não é frio, não é quieto, mas exagerado. Com culpa no cartório, busca sufocar a verdade comprando presentes, flores e se derramando em elogios e declarações à toa.
 
Abraço com toda ternura,
Fabrício Carpinejar

Querida Elis,
 
O movimento de translação é aquele que a Terra realiza ao redor do Sol junto com os planetas. A velocidade média para viajar esta órbita é de 107.000 km por hora, e o tempo necessário para completá-la é de 365 dias, 5 horas e cerca de 48 minutos.
 
Esse tempo que a Terra leva para dar uma volta completa em torno do Sol é chamado ano.
 
É um bom período de tempo para conhecermos alguém. Doze meses de convivência contam na construção do entendimento sobre suas rotinas, seus hábitos, suas estações. É a primeira apresentação, a primeira grande volta que damos juntos. Uma páscoa, um natal, férias de julho, um inverno, um verão, um dia dos namorados, os aniversários e assim por diante. Vocês estão à beira do convite para prosseguir. Será que não desejam? O que será que está assustando?
 
Desenvolver um namoro depende dos dois; gostar conta com a contribuição de ambos. Se a relação perdeu a força, é preciso olhar melhor e conversar tão logo possível e com a máxima franqueza que se conseguir. A conversa é o mestre-sala dos mares.
 
Pensar que seu namorado planeja terminar pode estar encobrindo sua própria vontade de partir.  Quando um começa a ser menos carinhoso, e não se dá conta pode provocar o desinteresse sem necessariamente assinar a autoria.
 
Quando as coisas não estão claras dentro da gente, é pretensioso procurar a nitidez dentro do outro. Investigue a si mesma: já renderia uma série policial imensa e interessante. Garantia de aventuras sem fim. E mais: na dúvida, faça o que você quer. Se a vontade dele concorda com a sua, melhor; se não, nada há a fazer.
 
Beijos meus,
Cínthya Verri
 
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 26/08/2012 Edição N° 17173

Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.
Nossos palpites amorosos não substituem consulta, terapia, exorcismo e qualquer tratamento técnico.
ESCREVA PARA colunaquaseperfeito@gmail.com

sábado, 25 de agosto de 2012

CUIDE DE SI PARA CUIDAR DAS MULHERES

Arte de Francesco del Cossa

A violência contra a mulher não é problema dos outros, mas dentro da gente.

No momento da briga, não fique perto, permaneça longe. Como se fosse jogar vôlei e houvesse uma rede imaginária separando vocês.

E não abrace nunca para acalmá-la, mesmo que seja com a intenção de terminar a gritaria. Abraçar numa discussão é agredir, é imobilizar, é apertar.

Não menospreze sua agressividade. Qualquer um termina raivoso depois de se expor às ofensas por mais de duas horas numa briga de casal – há uma cota de desaforo suportável pelo sangue.

Cuide de si para cuidar das mulheres.

Ouça meu comentário na manhã de sábado (25/8) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Daniel Scola e Fernando Zanuzo:





– Meu apoio para campanha Ponto Final na Violência contra Mulheres e Meninas, da Assembléia Legislativa –

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O FOLGADO

 
Arte de Philip Guston

Existem vigaristas dentro de casa. Os preguiçosos.

Não os distraídos, mas os folgados, os que adiam eternamente uma tarefa para não ter trabalho.

É uma figura sempre presente em residências com mais de três integrantes. Pode ser o filho, o marido, a esposa.

Nunca assume a responsabilidade. Explora a sombra da impunidade com talento.

Passou a ser percebido após o afastamento gradual do mordomo e da emprega doméstica do ambiente da classe média.  Não tinha mais ninguém para culpar.

Seu método é um só: apresentar uma cara sonsa e responder "não sei quem foi".

Trata-se de um tumor benigno no seio familiar, mas vale a pena arrancar.
 
Ouça meu comentário de sexta-feira (24/8) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Fernando Zanuzo:



quinta-feira, 23 de agosto de 2012

AMOR OU OBSESSÃO

Amor é duvidar. Amor que não se duvida é obsessão.

Farpas e afagos em nosso quadro DRnaTV. Eu e Cínthya Verri movendo consultório sentimental na TVCOM.

A mediação é de Sara Bodowsky. O encontro aconteceu na noite de terça-feira (21/8).

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

MÁQUINA RECEBE MARIO SERGIO CORTELLA

Não espere pelo epitáfio.

Viva com intensidade, impertinência, ansiedade cultural.

Meu programa A Máquina, da TV Gazeta, entrevista o filósofo Mario Sergio Cortella.

Afinal, não se nasce homem, torna-se.

O encontro foi exibido na noite de terça-feira (21/8).

 

SIM E NÃO

Arte de Cínthya Verri 

Não mexa no iogurte dela. Ela tem uma técnica especial para enrodilhar a tampa, é estragar um dos melhores momentos de sua vida e desperdiçar a nata que se acumula no alumínio.
 
Já pode desenroscar à vontade sua garrafa da água. Ela não vê nenhuma arte nisso.
 
Não rasgue o pacote de bolacha. Ela deseja raspar os dentes no recheio da primeira bolacha, a mais crocante.
 
Já arrebente a linha pontilhada do salgadinho. Ela agradecerá o desperdício.

Não leia as dedicatórias dos livros dela, são cartões de amor disfarçados.

Já rompa o plástico da embalagem do CD, ela se revolta com o lacre.

Não coloque geleia ou manteiga em seu pão, existe um deslizamento da faca que aproveita a crosta dourada. Excesso de força talvez quebre a fatia e esfacele a obra-prima.
 
Já pode sacudir e servir o suco, é uma atitude carinhosa.

Não toque no saquinho de chá, cada um tem seu jeito de mergulhar o sachê e extrair a fragrância.

Já prepare o café, ela se sentirá aquecida pelo perfume.

Não perfure o vinagre e o azeite — o furinho de prego é herança de família.
 
Já tire a rolha do vinho e do champanhe.

Não invada o delicado pote de requeijão, é sacrificar o buquê de queijo.
 
Já pegue para si o frasco de pepino e de azeitona. Pressão é com você.

Não coloque de volta as roupas no cabide. Ela deve conservar uma ordem de importância das peças.

Já guarde os sapatos, não tem como estragá-los.

Não espie a cor do batom, ele grudará na tampa por sua imperícia.
 
Já aponte o lápis de olho.

Não ouse olhar o estojo do pó facial, o recipiente é frágil e não há como remediar depois.

Já desenrosque a cola bonder, eternamente com a ponta grudada.

Não estreie o xampu, significa o maior desrespeito à privacidade.

Já tire os sabonetes das embalagens e caixinhas, é de um cavalheirismo comovente.

Não esprema o tubo da pasta de dente.

Já pode manusear qualquer produto com spray.

Não lave as espátulas, tesourinhas e pinças do banheiro.
 
Já providencie a limpeza dos espetos do churrasco.
 
Gentileza não é se antecipar aos movimentos femininos e fazer tudo, mas saber o que fazer. Não é abrir tudo, mas saber o que abrir.

Ser educado sem perguntar é falta de educação.





Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

terça-feira, 21 de agosto de 2012

DESCONGELAR A GELADEIRA

Arte de Edward Munch

Na infância, não receava quando a mãe perguntava quem tinha quebrado um vaso ou quando ela questionava a identidade daquele que mexeu em sua bolsa à procura de troco.

Todo mundo temia a contagem regressiva para limpeza da geladeira.

– Vou descongelar a geladeira amanhã.

Vivíamos 48 horas de ameaças.

Ela entrava em transe monotemático. Ofegante, avisava e logo esquecia que avisou.

Era como faltar luz ou água em casa. Exigia um plantão afetivo, não se podia nem brincar com o assunto e subestimar a força-tarefa com piadas.

Descongelar a geladeira significava uma operação séria, grave, de abstinência coletiva.

Você talvez não vá entender, devido à atual oferta de geladeira com duas, três, quatro portas, capacidade para 450 litros, sistema frost free, drink express ou gelo fácil. Hoje, a geladeira até cozinha, embala e entrega a marmita quente.

Naquela época, o refrigerador não ultrapassava 1m60cm, por respeito à estatura das vovozinhas. Contava apenas com trinco simples, um lado e uma cor. Não sabia ler nem escrever, sem nada automático por dentro.

Uma vez por mês, as famílias deveriam esvaziar totalmente as prateleiras e o congelador.

Uma guerra sanitária que deveria ocorrer no dia certo (de preferência ensolarado), na hora H em que os produtos expiravam as datas de validade. Tudo para assegurar poucas perdas e uma maior economia no lar.

A privação custava caro para as crianças, aniquilava nossos assaltos apetitosos de tarde para adiar os temas. Ficaríamos longe das sobras do almoço e da janta, do ki-suco e do pudim minguante.

A mãe mobilizava a faxineira para ajudar a caçar cheiros passados e bandejas vencidas debaixo das crostas do gelo.

Não podíamos entrar na cozinha enquanto a equipe feminina realizava o serviço e inspecionava a Antártica caseira.

Elas criavam um cordão de isolamento, fechavam o acesso pelo pátio. Juro que uma dedetização seria mais discreta.

Tirar a geladeira da tomada correspondia a iniciar uma cirurgia delicada, salvar o máximo possível de mantimentos, evitar que delicadas e caras compotas estragassem.

O pai se trancava no escritório. Os filhos terminavam enviados para os vizinhos.

Pela movimentação, o bairro descobria a chegada da data decisiva do degelo.

A mãe comentava:

– Mais simples morrer do que descongelar a geladeira.
– Não exagera, mãe! – respondia.
– Exagerar? Vai morrer para ver o que é pior.




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 21/08/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17168

GORDINHO

Arte de Fernando Botero

Eu fiquei gordinho.

Não sei como aconteceu. Mas eu fiquei com aquela barriguinha de cerveja - eu que não tomo cerveja!

Virei um magro barrigudo.

O homem não percebe quando engorda. É diferente da mulher que tem uma balança em seus olhos e controla seu corpo todo o dia.

O homem engorda e acredita que foi uma fatalidade, uma distração, inveja da ex.

É como um crime que cometeu e não se lembra.

Nenhum amigo avisa, a mãe nos elogia e assim nos engana, os filhos não sentem nenhuma diferença.

Eu não sei como engordei. Não sei como mudei de categoria e fui do peso galo para o peso pesado.

Vi meu corpo de lado no espelho. Havia um travesseiro na cintura. Havia uma pochete na cintura. 

Não dava mais para encolher o excedente durante as fotos. Fingir que não era comigo.

Não me levei a sério, vivia me adiando: logo emagreço de novo.

Pensava que era inchaço, dor de barriga, cólica. Mas não perdi uma grama sequer, apenas acumulava peso.

Já usava a barriga como escrivaninha para escrever, já usava a barriga como apoio para carregar objetos, já brincava de gangorra no sexo, já fazia gol de barriga.

A barriga passou a ter a relevância de um braço, o prestígio de uma perna.

Posso encontrar culpados: é que parei de fumar, é a crise dos 40 anos, é ausência de exercício físico.

Mas  a verdade é que comi absurdos nos últimos meses, exagerei no almoço e na janta e nos doces fora de hora. Engravidei quindins.

É barra, é triste. Quando o homem descobre que engordou é tarde demais. Já se distanciou dez quilos do seu peso original.

Agora só com lipoaspiração ou fossa de amor.

Ouça meu comentário na manhã de terça-feira (21/8) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:


segunda-feira, 20 de agosto de 2012

MÁQUINA RECEBE PAULINHO SERRA

Eu acredito que você namorou Vera Fischer...

...Mas não acredito que ela namorou você.

Meu programa A Máquina, da TV Gazeta, brinca com o comediante Paulinho Serra, um dos apresentadores do Comédia MTV, ao lado de Tatá Werneck, Marcelo Adnet, Bento Ribeiro e Dani Calabresa.

Veja como foi o endiabrado encontro na terça-feira (14/8).

domingo, 19 de agosto de 2012

MACUMBA NA ESQUINA DO QUARTO

Arte de Cínthya Verri

“Olá, tenho 31 anos, me envolvi com um rapaz que saía de uma relação. Carinhoso e atencioso, me fazia acreditar que estava realmente envolvido. Me sentia querida e desejada. Um mês depois, ele reatou o relacionamento anterior. Dizia gostar de mim e estar indeciso. Pode ele ter fingido tudo? Beijo, Janice”.

Querida Janice,

Homem não pensa, emenda relacionamentos. Quem pensa é a mulher, que se dispõe a morar sozinha após longa convivência.

Separação, para o homem, é férias. Separação, para a mulher, é luto.

Ela faz o certo que é se recuperar da simbiose e trocar devagar os vínculos. Experimenta uma espécie de desintoxicação da personalidade. O fim do amor não é somente dividir os objetos e colocá-los numa caixinha, mas realizar a partilha emocional, bem mais demorada: que consiste em refinar a memória, as virtudes e os defeitos.

A figura masculina tem o estranho hábito de sair de um casamento direto para outro. Uma prova dessa mentalidade é que confunde o nome de sua companhia com mais frequência do que a mulher.  Troca porque nunca teve tempo para absorver a mudança.

Quando não cola amores, rompe, namora um pouco para logo voltar atrás. O namoro ou o caso extraconjugal seria seu período de reflexão.

Foi o que aconteceu. Ele espiou a vida lá fora com você, se valia a pena permanecer ou não com a antiga namorada.

Seu rapaz encantador, portanto, não fingiu. Nem cabe se sentir usada – ele não agiu com deliberada consciência.

Realmente arriscou uma nova combinação, foi feliz, mas faltou solidão (que gera independência) para superar a vida passada.

Eu pensaria diferente: não foi você que ele não escolheu, ele nunca abandonou a ex. Estava sob o domínio dos hábitos e fetiches anteriores. Era um intervalo, não um recomeço.

Evite partidos que recém se separaram. É casca grossa: deve ter estômago para aguentar as macumbas na esquina e as assombrações no quarto.

Abraço com toda ternura,
Fabrício Carpinejar

Querida Janice,

A maior fonte de alegria para uma pessoa é outra pessoa. Quem me disse isso foi Vicente Cecim, querido amigo e escritor. Penso nisso quando leio sua carta e percebo tanta saudade do que sentiu durante essa relação. Foram intensos e caros momentos. Estiveram envolvidos de maneira sincera. Quando a paixão é plena, ela não sabe ser unilateral. Ninguém sente isso sozinho.

Disse que ele era encantador, mas quem é ensolarado brilha para todos. Nunca houve exclusividade na ternura e o eco atrai fantasmas: talvez você desconfiasse dessa generosidade de afeto; e a insegurança cresce com a ausência.

Você queria que ele fosse seu. Ele foi, mas isso parece não bastar. Você se sente enganada; traída pelo futuro que ele quis diferente. Está faltando compreender que a guerra não exclui a paz.

Ele saía de uma relação complexa e anterior. Isso não era segredo. Nem é mistério para ninguém a força que o hábito exerce sobre nós: como é difícil mudarmos nossos costumes! Montamos a cozinha como era a de nossa mãe. Acordamos um dia, e os panos de prato estão na terceira gaveta. O que não é pensado acaba repetido.

É uma questão econômica. Há toda uma rede de adaptação envolvida: alto investimento é feito quando nos unimos com alguém. Essa estrutura cobra seu preço na hora da separação. Quanto maior o tempo, mais caro sai. Não que seja impossível, nada é; nem que não seja necessário, muitas vezes é a única maneira.

Chegou a sua vez de ir adiante. Leve na mala a sua competência de gostar, ela está comprovada. O resto fica por conta do acaso.

Beijos meus,
Cínthya Verri

Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 19/08/2012 Edição N° 17166

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sábado, 18 de agosto de 2012

BOCA DE SIRI NÃO ENTRA MOSCAS

Arte de Andrew Wyeth

O adolescente não mente, ele simplesmente não fala.

Ouça meu divertido comentário na manhã de sábado (18/8) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Daniel Scola e Fernando Zanuzo:

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

ESTACIONAMENTO PROIBIDO

Arte de David Hockney

Os relacionamentos seriam mais fáceis se usássemos menos desculpas. Nunca falamos o que queremos.

Para disfarçar os nossos defeitos. Para fingir que somos melhores do que realmente somos.  Escondemos do outro aquilo que temos vergonha.

Eu não estaciono em balizas, num espaço apertado entre carros. Nunca será. A única vez que fiz isso foi na autoescola e já foi o suficiente.

Só estaciono em esquinas.

Ao levar meu filho Vicente para escola costumava enfrentar o mesmo constrangimento na hora de estacionar.

Quando chegávamos, procurava – devagar - um lugarzinho.

Meu filho gritava:

— Ali, pai, tem uma vaga...
— Não, é muito pequena.

— Ali, pai, tem outra vaga...
— Que pena, agora eu passei.

— Ali, pai, achei mais uma vaga...
— Não quero pagar flanelinha.

E assim estacionava lá longe da escola e tínhamos que caminhar a pé, como se fossemos acampar.  Eu mentia para meu filho.

Sempre criava justificativas para não ser direto e objetivo e descer logo.

Não confessava minha incompetência, meu medo, minha fobia.

Abandonava seu olhar no vácuo. Repetia dia após dia o jogo cansativo de explicações e evasivas.

Um dia me irritei quando ele me apontou mais uma vaga do tamanho de uma colheitadeira.

— Filho, eu não sou bom em estacionar entre dois carros, só estaciono em esquina.

O guri ficou aliviado e feliz. Aceitou na boa a minha dificuldade. Entendeu. E passou a gritar:

— Olha, pai, uma esquina!

Parece que ele me ama mais quando pode me ajudar.

Desabafar os medos - e não ser invencível - é educar os filhos.

Ouça meu comentário na manhã de sexta (17/8) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:


quinta-feira, 16 de agosto de 2012

ESSENCIAL


A felicidade é provisória.

É um clarão. Um relance. Um lampejo. 

Dura o suficiente para virar uma lembrança. Assim que some temos que sair atrás dela de novo.

Confira o quadro DRnaTV, meu e de Cínthya Verri, consultório sentimental ao vivo na TVCOM.

A mediação é de Sara Bodowsky. O encontro aconteceu na noite de terça-feira (14/8).


quarta-feira, 15 de agosto de 2012

DECLARAÇÃO DE BEM


Arte de Cínthya Verri

Nasci para arruinar surpresas.

Bato a língua com os dentes. Acabo revelando ao aniversariante festa armada secretamente, entrego paixões platônicas dos amigos.

Deus nunca me confiaria os segredos de Fátima porque transformaria em fofocas de Fátima.

Sou um estraga-prazer declarado.

Com minha mulher, conto quando compro vestido, sapatos, lembranças para ela. Descrevo os objetos do interior da loja. Não crio suspense nas viagens, já aviso o que ela receberá.

Ela fica feliz igual. Ou finge que fica feliz igual.

Criar expectativa é apenas aumentar a responsabilidade do presenteado. Ele tem que suspirar de qualquer jeito. Amar incondicionalmente. Explodir em abraços e falar frases definitivas como “eu precisava tanto”, “ninguém me conhece tanto quanto você”, “vou colocar no Instagram agora”.

Na hipótese dela trocar o produto, é fracasso de sua parte e decepção do lado dela. Você não adivinhou o que ela desejava e ela não teve a generosidade de mentir.

Não faço mais surpresas, desde quando vi minha irmã se desfazer de sua coleção de papel de carta para seu namorado.

Durante seis anos, Carla guardou 150 papéis e envelopes de moranguinho, pesseguinho, maçãzinha, uma salada de frutas completa, um pomar de flores gigantesco no seu quarto. Havia uma papelaria invejável, com gramaturas diversas, cores muitas e cheiros de xampu e chiclete para abençoar as gavetas.



Ela perseguia novos produtos nas bancas e livrarias, era mais obcecada em atualizar seu catálogo do que eu e a minha filatelia.

Ao completar um mês de namoro com Fábio, seu colega da oitava série, ela pôs um ponto final na sua adoração. Deitou a cabeça na escrivaninha branca e escreveu uma correspondência inteira usando suas cartas. Todas as suas cartas.

Redigiu a mão um livro de 150 páginas com suas peças raras e cheias de detalhes, salpicadas de Snoopy, Hello Kitty e Ursinhos Carinhosos.

Entregou o maço ao seu amado num ato de coragem e sacrifício: “Toda Minha Infância Para Você Amor de Minha Vida”.

Fábio confessou que somente olhou cinco páginas e dormiu.

— Não posso com sua expectativa. Tem um livro aqui, eu não leio nem bula de remédio! Melhor acabar agora antes que queira se casar comigo.

E terminou o relacionamento. Sem mais nem menos.

Carla chorou dois dias seguidos. Tomou banho com suas lágrimas. Lavou a louça com suas lágrimas.

Procurei acalmá-la. Passei minha coleção de selos pelo vão da porta, com um bilhete:

“Perdemos as cartas, mas temos ainda os selos.”







Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

terça-feira, 14 de agosto de 2012

A VOZ DO AEROPORTO E DA RODOVIÁRIA

Arte de Ernst Ludwig Kirchner

A voz do aeroporto é feminina, a voz da rodoviária é feminina. Já reparou na coincidência? Elas vivem nos avisando do tempo do trajeto, das escalas, do portão, esclarecendo dúvidas, organizando as filas.

Os pontos de embarque não poderiam apresentar um timbre masculino. Homem não sabe se despedir: ele desaparece, prefere não mais falar a explicar suas fraquezas. Lida mal com o sofrimento. Decide sumir a ser rejeitado.

Resmunga, não chora. Muda de assunto, não chora.

Você nunca vê seu pai em prantos porque ele engole as lágrimas. Você nunca enxerga seu marido se emocionando porque ele vai para outra sala controlar a respiração.

As chamadas do aeroporto e da rodoviária não poderiam vir de um homem. Não traria calma, mas apreensão de acidente.

Já com a voz feminina, existe uma empatia de nascença. É uma aspirina para os ouvidos, conto de fadas para dormir, eco do ventre. A conexão pode estar atrasada cinco horas e o tom é de tranquilidade maternal. Não provoca nenhuma inquietude, converte a espera em vantagem de leitura e solidão.

Homem é trágico, objetivo. Mulher é esperançosa, compreensiva.

Homem vai direto ao ponto, mulher deseja conversar acima de tudo.

Quando uma locutora aponta que o voo ou o ônibus não irá sair no horário, conquista o perdão fulminante. Deduzimos que ela fez o possível. Perante um locutor, antecipamos que ele quer nos enganar e está escondendo informações.

É como se o aeroporto e a rodoviária fossem um altar. É natural o atraso da noiva, é uma afronta o atraso do noivo.

Homem não poderia estar mesmo nos microfones dos locais de partida.

Ele ordena, não consegue pedir como a mulher. Ele determina, não consegue indicar como a mulher. Ele castiga, não consegue defender como a mulher. Ele manda, não consegue partilhar como a mulher.

A voz do rodeio é masculina, assim como voz do estádio e a voz do presídio. Vozes da multidão. Vozes impessoais. Vozes arrogantes. Vozes paternais.

Já a voz da mulher se dirige para cada passageiro ainda que seja para todos. É um recado compassivo, uma mensagem individual.

Elas dizem adeus como se fosse um até logo. Não dá para acreditar que seja o fim.

Por isso, o homem nunca confia que o relacionamento acabou. Sempre pensa que haverá um jeito de voltar.

É culpa da voz do aeroporto e da rodoviária.




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 14/08/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17161

TERRORISMO AMOROSO

Arte de Ernst Ludwig Kirchner

Meu amigo Pedro Borges saiu com uma mulher linda, inteligente, culta, maravilhosa, gostosa.

Perguntei:
— E aí, como foi?

Ele lamentou:
— Não aguentei tanta sinceridade.

— O que ela fez?
— Contou que estava com 37 anos e não podia esperar mais para ter um filho.

O colega gelou, e naturalmente desapareceu, sumiu, escapou pelos fundos do bar.

Sinceridade não assusta, o que assusta é a falta de jeito.

Falar que deseja um filho logo de saída não é sinceridade, mas atentado, terrorismo, assalto emocional.

Assim como anunciar que pretende casar de cara. Ou que agendou encontro para apresentar os pais no dia seguinte.

Qualquer pessoa normal não vai se envolver.

Amor não é carreira, o primeiro encontro não é entrevista de emprego onde confessamos nossas aspirações e metas.

O certo é conhecer, depois planejar.

Sinceridade não é dizer à toa, sem contexto, é aguardar o momento, o assunto, a deixa. Não é expor direto, quando está a fim, mas quando a outra pessoa também pode ouvir e entender.

É o encontro de duas vontades.

Sinceridade não é se livrar de nossos medos e falar o que vem à cabeça.

Não, o nome disso é precipitação.

É preguiça de se apresentar, de criar intimidade e de atravessar todo o caminho do pensamento. É procurar chegar sem viajar, desembarcar sem se deslocar.  É se livrar da tarefa da conversa.

Sinceridade mesmo é cuidar daquilo que se fala. Não atropelar as pessoas com as nossas idealizações.

Despejar nossa vontade não é sinceridade, mas pancadaria.

Mulher quer preliminar no sexo, homem quer preliminar na conversa.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

PATRONÁVEL

Foto de Cínthya Verri

Sou um dos dez patronáveis para a 58ª Feira do Livro de Porto Alegre, o mais tradicional evento literário do Rio Grande do Sul, ponto de encontro de autores e leitores na Praça da Alfândega.

É a minha quinta indicação.

O homenageado será conhecido em setembro, depois de passar pela segunda fase da escolha, com o voto de associados da Câmara do Livro, ex-patronos e representantes de entidades culturais do Estado, reitores de universidades e diretores de faculdades.

Disputam a honraria comigo os amigos Airton Ortiz, Aldyr Garcia Schlee, Celso Gutfreind, Celso Sisto, Cíntia Moscovich, Cláudio Moreno, David Coimbra, Dinal Camargo e Luiz Coronel.

domingo, 12 de agosto de 2012

AMIZADE COLORIDA FUNCIONA?

Arte de Cínthya Verri

“Querido casal! Tenho uma amizade colorida há três anos. Até que ponto é saudável isto? Há regras? Somos muito amigos, ele me conta relacionamentos, eu me fecho. Ele pergunta: ‘Já imaginou se nos apaixonarmos?’. E eu: ‘Deixa rolar, estamos sujeitos a isso!’ Um beijo. Alice”

Querida Alice,

A amizade é o ferrolho da adolescência, onde nos protegemos das frustrações. Vocês estão brincando de pega-pega. Quando ele vai lhe alcançar, finge que não quer e se salva por mais um tempo. Mas o que mais deseja é perder a brincadeira para ganhá-lo. Desistir de competir para estar junto.

O medo de arruinar a convivência é uma desculpa furada. Sempre pensamos que podemos fazer a pessoa mais feliz do que é. No fundo, somos confiantes, somos orgulhosos, somos os melhores.

Vem deixando de falar o que sente por receio de levar um fora. Não é por generosidade ou para salvar o passado ou pelo bem dos dois. A covardia tem o costume de se esconder na timidez.

São três anos de hesitações e incertezas. É muito sofrimento à toa, tortura emocional, pequenos testes e provas.

Vocês estão por um fiozinho, a corda mais do que esticada, um olhando a boca do outro pelas três palavras redentoras. Na paixão, não existe fiado. Tem que falar na hora senão o sentimento muda e vira ressentimento.

Não transfira a responsabilidade, não sofra ouvindo casinhos, bancando a forte e inflexível, esclarecida e disponível, mas morrendo de ciúme em segredo. Esgote as possibilidades antes de se conformar. Ninguém é mais forte do que o amor. A fraqueza é sincera e sábia.

Se ele diz:

– Não quero estragar nossa amizade.

Responda com convicção:

– Eu quero estragar nossa amizade.

A réplica será um beijo. E sua tréplica será um novo beijo.

Declare-se, agora.

Abraço com toda ternura,
Fabrício Carpinejar

Querida Alice,

Era uma vez, a primeira noite da lua-de-mel:

– Querido, vá fechar a porta que dá para a rua. Ficou aberta.
– Fechar a porta? Eu? O noivo? Deve estar louca. Vá fechá-la você mesma.
– Ah, é? – gritou a noiva – Pensa que sou sua escrava? Não acredito!

Decidiram: o primeiro que falasse faria a tarefa. Sentaram-se em silêncio.

Ladrões aproveitaram a entrada destravada e recolheram tudo o que puderam. O casal testemunhava mudo.

Pela manhã, dois policiais investigaram a estranha casa desprotegida. Diante do silêncio abusivo, cada vez mais irritados, um deles disse ao parceiro:

– Dê um tapa neste homem para que recupere a razão.

Então a mulher explodiu:

– Por favor, não batam nele!
– Ganhei! – gritou imediatamente o marido. – Você vai fechar a porta!

Alice, é bonito que esteja questionando. Conversar já mostra que não tem vocação para o sofrimento. Quando pergunta se há regras, pressente que alguma coisa não anda generosa entre os dois. É questão de equidade: aplicar cada norma a cada caso. Ele fala de outras mulheres, você guarda a quietude. Por quê? Não está apenas esperando por ele secretamente? Fingindo modernidade?

Amizades coloridas existem, são possíveis com respeito e honestidade, cumplicidade e bom humor.  Talvez seja o caso. O ponto saudável é não haver sacrifícios; coragem de se entregar sem morrer para si. Saúde é ter a autonomia para depender. Não é vergonha assumir que seu amor mantém a janela aberta.

Beijos meus,
Cínthya Verri

Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 12/08/2012 Edição N° 17159

Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.
Nossos palpites amorosos não substituem consulta, terapia, exorcismo e qualquer tratamento técnico.
ESCREVA PARA colunaquaseperfeito@gmail.com

sábado, 11 de agosto de 2012

TUDO O QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE


— Ex é ver realizado aquilo que você desconfiava. Ele sairá justamente com AQUELA que gerou a briga por ciúme.

— Ex é desagradável como uma parcela a pagar do celular que foi roubado de você.

— Ex é como chocolate derretido. Não tem como colocar de novo na embalagem.

— Ex é atravessar o Natal enquanto o mundo já comemora a Páscoa.

— Ex é sentir pontada ao entrar no Facebook, no Twitter e no próprio email.

— Ex é um vírus que compromete seu computador. Perderá os álbuns na web, já que inventou de tirar a maior parte das fotos com os rostos colados. 

— Ex é quando o "tudo bem?" deixa de ser um cumprimento para realmente soar como uma pergunta.

— Ex é informar para metade da cidade onde está ele. Por uns dois meses, você ainda será confundida como porta-voz do casal. 

— Ex é uma memória atrasada. Descobrirá as sacanagens dele com a separação, pois os conhecidos e familiares não tinham coragem de contar.

— Ex é fantasma. Você  escuta sua respiração e não pode mais responder com beijo.

— Ex se torna o mais simpáticos dos seres com o fim do namoro. Não esqueça: ele está fingindo. Mas tanto faz, vai doer igual.

— Ex é repetir detalhes e palavras da despedida, mudando a ordem das frases e testando se havia alguma esperança do final ser diferente.

— Ex é desistir do futuro, viver no passado e desconhecer o presente.

— Ex é pensar pela primeira vez numa viagem longa para uma região remota em um trabalho voluntário.

— Ex é melhorar as amizades e piorar a relação com os pais e irmãos.

— Ex é ter saudade de si. E raiva de qualquer outro aborrecimento menor.

— Ex é sempre encontrar algo dele perdido em suas coisas, é sempre procurar algo seu que deve estar nas coisas dele.

— Ex é uma faxina obrigatória.

— Ex é emagrecer em uma semana os quatro quilos que tentou durante o relacionamento inteiro. 

— Ex é reaver todas as dúvidas antigas que estavam escondidas debaixo da certeza da relação.

— Ex é voltar a se perguntar: Será que sou bonita? Será que sou inteligente? Será que beijo bem?

— Ex é nascer sozinha depois de morrer a dois.

Publicado na revista Capricho
Edição Número 1154 P. 90
29 de julho de 2012
Caricatura de Ramon Muniz

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

NÃO POSSO SER O MELHOR AMIGO DOS MEUS FILHOS

Imagem de Cínthya Verri

Não posso ser o melhor amigo dos meus filhos, mas realizar uma oposição criativa.

Tenho que dizer coisas desagradáveis que nenhum melhor amigo diz, como “tá na hora de tomar banho!”, “acabou o tema?”, “não volta tarde”, “põe o casaco”.

Sou pai, necessito orientar, não concordar sempre e falar amém para aventuras.

Não quero mesmo que meus filhos contem tudo, quero que saibam que podem me contar tudo.

Não preciso saber seus segredos para que eles tenham confiança em mim.

Que possam manter um pouco de sua intimidade até longe de mim para que eu não fique toda hora opinando. 

Ser pai é um papel difícil, é segurar o sim, é segurar o não, jamais temer tomar partido.

Pai não fica em cima do muro, é o muro.

É limitar as vontades, ser determinado, firme.

Sem meio-termo: errar e pedir desculpa, acertar e comemorar.

Não posso ser legalzinho. Pai legalzinho demais tem culpa no cartório. Tem medo de perder o filho e faz todas as vontades dele. Fazer todas as vontades do filho é perder o filho.

Posso ser legal.  Isso sim. Legal. Filhos vão gostar de mim e vão me odiar.

Vão gostar de mim me odiando.

E preciso permitir que os filhos me odeiem. Que me critiquem. Que me xinguem.

Para eles poderem me superar, ser melhor do que eu.

Que falem mal de mim nas costas. Mas nas costas. Que é preciso ter educação até para falar mal. Falar mal do pai é unir os irmãos - eles têm um assunto em comum.

Passarão vergonha com meu amor. Gritarei gol durante os jogos da escola, contarei piadas sem graça para seus amigos. Terão orgulho também de mim. Quando algum professor perguntar o que eles são do Carpinejar.

Pai é passar da idade, é envelhecer para o filho entender que é de outra geração.

Não viu essa banda no Youtube, pai? Que bizarro...  

Pai é a honestidade da lembrança. É a franqueza do gesto. É a responsabilidade.

Assumir o que se vive, não ficar procurando culpados.

Ser pai é dar a cara ao tapa esperando o beijo.

Ouça meu emocionado comentário na manhã de sexta-feira (10/8), na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola: