Arte de Eduardo Nasi
Não quero que a mulher seja equilibrada, constante, que perca suas esquisitices e rompantes, justamente o charme do gênero.
Mulher que não é estranha não é normal.
Fico lisonjeado, por exemplo, quando a mulher fica emburrada comigo.
Sou seguidor do feitiço da birra. É um transbordamento de sensualidade: a boca subitamente incha. Toda mulher emburrada é Angelina Jolie.
Os olhos se concentram, quase vesgos, absurdamente oblíquos, a ponto de faiscar. Não há olhar mais fatal do que aquele que vem do descontentamento. Ela deseja matá-lo. E sexo é a vontade de matar o outro – graças ao orgasmo perde-se a força antes de consumar o homicídio.
Mulher embirrada é insuportavelmente linda: uma grevista erótica, um líder sindical por melhores condições do amor.
Deveria se orgulhar como eu. Ela luta pela relação, guerreia pelo seu romance, arma passeata em nome de seus princípios.
A pele brilhará pela raiva, a cintura endurecerá de cólera: iluminada imediatamente pelo desaforo.
Horrível mesmo quando está distraída, desatenta, indiferente, não assim, há uma beleza sublime na respiração ofegante. Devota toda a sua atenção para desafiá-lo, para lhe provocar, para chamar atenção.
Tem a exclusividade dela uma vez na vida.
A birra é monopólio. Quando que terá essa disponibilidade novamente? Aproveite.
Ela é uma modelo-vivo, posando durante um dia inteiro para que aprenda a retratar suas sutilezas. O silêncio barulhento, a ironia atrevida, a contenção dos gestos: tudo é seu, para você.
É um espetáculo vê-la derrubar objetos, não falar nada, passar a toda hora com ares de ofendida, sair sem se despedir, bater forte a porta da casa, queimar pneu na saída da garagem e voltar em seguida porque esqueceu o celular.
É uma maravilha acompanhar a sua teimosia inteligente, não ser atendido ou ser vitima de um telefonema desligado na cara.
É uma tensão saborosa, porém com a certeza do final feliz. É apenas descobrir o momento certo para pedir desculpa e desfazer o mal-estar. Mas é um crime pedir desculpa rápido e extraviar a emoção da cena.
Mulher emburrada é uma carta de amor, envelopada para abrir aos poucos, com jeito, sem rasgar.
O beiço é excesso de paixão. O beiço feminino não é chatice, é uma oportunidade.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira 30/09/2015