Arte de Eduardo Nasi
A carreira hoje está acima do amor.
Fico delirando o que me tornou tão diferente das novas gerações.
Não que seja velho — sou antigo.
Na minha visão, a profissão está em segundo plano, por mais que ame escrever.
Eu amo o amor mais do que escrever; sou casamenteiro de raiz.
Os cabelos da mulher amada são o travesseiro ideal. O sachê do quarto. O afrodisíaco de minha gana.
Sair da casa dos pais cedo, aos 19 anos, determinou o meu comportamento.
O que mais procurava era independência, morar fora, criar um apartamento com a minha cara. Passei a trabalhar aos 15 anos e, desde lá, não parei.
Juntava o soldo do mês e sorteava o que iria comprar: liquidificador, cadeira, pratos. Meus móveis foram rifas do meu salário.
Não concebia uma vida com os pais, atrelado aos pais, refém dos pais.
A aventura era ter uma pobreza somente minha, uma pobreza pessoal, mas que pudesse dividi-la com os amigos.
Enfrentei quatro casamentos, morei em dez casas, eduquei dois filhos. Não posso ser chamado de acomodado.
Jamais retrocedi, jamais desisti. A estrada não tem volta após a curva dos dedos do adeus.
Se entro em falência, me empresto dinheiro. Atravesso um mês economizando, não existe a hipótese de regressar ao ventre.
Os pais estão simbolicamente mortos para me dar a chance de viver com soltura. Minhas neuroses são próprias do relacionamento, não da infância. A infância é tarde demais, longe demais.
Entendo que o ninho está mais no voo do que na árvore. Meu temperamento não combina com a época.
Os filhos dos amigos ficam com os pais depois dos 30 anos, depois dos 40 anos.
Nunca abandonarão o lar, aguardam a herança do imóvel com animada resignação. Não sofrem com pressa ou com ambição doméstica.
São despreocupados com as despesas, como se estivessem sempre de passagem em sua própria residência.
Guardam suas economias para gastar com viagens e boemia. Para os prazeres pontuais da semana.
O quartinho de adolescente é quartinho do adulto e será quartinho de velho. A reforma é a única mudança possível.
Não se interessam em morar com o namorado ou a namorada. São visitantes ilustres. Hóspedes circunstanciais.
Seguem com seus trabalhos em primeiro lugar, realizam cursos e pós até a exaustão, colecionam mais diplomas do que desastres.
O paradoxo é que desejam a liberdade, não se prender a ninguém, mas não soltam as abas dos vestidos da mãe.
Como amar alguém sem se divorciar dos pais antes?
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira