segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

FALO EU TE AMO FÁCIL, FÁCIL

Arte de Marc Chagall

Nada acontece por acaso.

Em tudo há um porquê.

Era para a gente se encontrar.

Apague essas frases, largue o curso preparatório de noivos.

Amor não é uma fatalidade, é algo que inventamos, é a responsabilidade de definir, de assinar, de honrar a letra.

Colocamos a culpa no destino para não assumirmos o controle, tampouco sustentarmos nossas experiências e explicarmos nossas falhas.

Amar é oferecer nossas decisões para o outro decidir junto, é alcançar o nosso passado para o outro lembrar junto, mas jamais significa se anular.

É vulnerabilidade consciente. É fraqueza avisada.

É entregar nossa solidão ciente de que é irreversível, podendo nos ferir feio, podendo nos machucar fundo.

Não existe nada mais horrível e mais lindo.

Ninguém nos mandou estar ali, ninguém nos obrigou a nos aproximar daquela pessoa, ninguém nos determinou a começar uma relação.

Não teve um chefão, um mafioso, um tirano, um ditador nos ordenando namorar.

Foi você que optou. Assuma até o fim que é sua obra, inclusive o fim. Assuma que sua companhia é resultado direto do seu gosto, sendo canalha ou santa. Não adianta se iludir e tirar o pé. Não vale fingir e mentir freios.

Amor não é hipnose, passe, incorporação. É você querendo o melhor ou pior para sua vida. É você roteirizando e dirigindo as cenas.

Aquele que tem receio de se declarar não se deu conta de que é o próprio diretor do filme, e que a tela vai mostrar o sucesso e o fracasso de sua imaginação.

Por isso, não tenho medo de dizer “eu te amo” desde o início. O amor aumenta para quem diz “eu te amo”.

Se vou errar, eu é que errei. Se vou acertar, sou eu que acertei. Se vou me danar, o inferno será meu.

Falo “eu te amo” já no segundo encontro. Já para assustar. Já para avisar quem manda. Já para estabelecer as regras do jogo.

Falo no calor da hora ou no moletom do entardecer. Amor não surge do além, amor se cria da insistência.

A precipitação é uma farsa. Não há como me adiantar e me atrasar em sentimento que eu mesmo realizo. É bobagem negacear prazos, esperar amadurecer limites.

Exponho minha paixão fácil, fácil. Nem precisa perguntar.

Aprendo a amar amando, para entender que a maior declaração ainda não é o “eu te amo”. É quando alguém confessa: “Não consigo mais viver sem você”.

Mas isso não é amor, é coragem.
 




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 31/12/2012 e 1/01/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 17299

domingo, 30 de dezembro de 2012

QUASE PERFEITO — Consultório sentimental de Carpinejar

TALIBÃ DO AMOR

Arte de Fatturi

“Estava namorando um cara havia quatro meses. Ele tinha no perfil dele 150 amigos, sendo que mais de 100 eram mulheres. De repente ele adicionou uma que comecei a perceber que não parava de segui-lo em todas as postagens. Tudo ela curtia, comentava e mandava beijos. Ele me disse que não a conhecia pessoalmente, tampouco falava com ela. Até que a adicionei, ela aceitou, conversamos por mensagem, e ela me contou que conversam sempre, mas não têm vínculo. Fiquei braba, pedi para ele excluí-la e ele não aceitou. Terminamos. Estou louca? Uma mulher dá em cima do meu namorado e ele não faz nada. Estou desnorteada. Um abraço, Rafaela.”

Querida Rafaela!
 
As rupturas acontecem por picuinhas. Por brigas tolas. Jamais por assuntos sérios e de interesse maior.
 
É um ciuminho que se transforma em intolerância, é uma descortesia ingênua de tarde que migra para a difamação ao final da noite.
 
Com os desentendimentos menores, não imaginamos que vamos nos separar e desprezamos as reservas. Atacamos com ênfase, despreocupados, e passamos dos limites.
 
Com as discussões sérias, antevemos a gravidade do encontro e cuidamos de uma por uma das palavras. Temos mais paciência e flexibilidade.
 
Julgo mais fácil se separar por não lavar a louça do que por infidelidade.
 
Vejo que você chamou atenção para a importância da amiga dele – de flerte alçado à ameaça.  Curiosamente toda mulher ou homem escolhe a sucessora ou o sucessor pelo ciúme. O ciúme faz a transferência da coroa e do cetro. Aponta quem é perigoso e com condições de ocupar o papel principal nos próximos capítulos da novela.
 
A amiga poderia se deleitar em ações platônicas: curtir, postar, comentar a página de seu namorado, desde que ficasse isolada na admiração. Seriam iniciativas inofensivas. O problema é que você não conteve a irritação e exagerou na dose. Quis mostrar quem mandava e contra-atacou. Nem pelo medo de perdê-lo, e sim para testar sua influência. O amor sempre fracassa quando vira disputa de poder. O amor é despoder, confiar e não cobrar provas. Pena que realizou o contrário, solicitando demonstrações visíveis de dependência e respostas imediatas.
 
Travou uma guerra extremista desnecessária: ou ela ou eu. Supervalorizou a figura dela, a ponto de colocá-la no mesmo patamar de intimidade. Pôs uma completa desconhecida como rival ao adicioná-la, trocar mensagens e xeretear possíveis laços.
 
Não está louca, tampouco está certa. A mulher deu em cima, porém excluir ou rejeitar um contato superficial é promovê-lo.
 
Também tomaria cuidado com as restrições que se assemelham falsamente a prevenções. Prevenir não é limitar, prevenir é conversar e aceitar a escolha do outro. Não devemos mandar ou ordenar em nome do amor.
 
Sua estratégia não foi inteligente. Se ele não cumprisse o que desejava, já não servia. Não tinha saída negociável, não gerou conscientização gradual e consistente, tratava-se de um ultimato.
 
No namoro, as proibições são insaciáveis e nada recomendáveis. É excluir nomes no Facebook, depois excluir nomes no celular, depois excluir nomes da lista de festa, depois excluir nomes entre os amigos, até que não exista mais ninguém para pedir colo e nos consolar pelo fim do namoro.

Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 30/12/2012 Edição N° 17298
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

RONCO DO CHIMARRÃO

 
Arte de Moholy-Nagy

O homem roncando é um incompreendido. Um injustiçado. Um perseguido pela vida amorosa. Nunca é valorizado pela mulher, que sempre o enxerga como um animal perigoso, condicionado a passear de focinheira e coleira.
 
E não é verdade.
 
Um homem roncando dá a sensação de casa cheia. Com apenas um homem roncando, todos os quartos ficam ocupados.
 
Um homem roncando é a única forma de quebrar a lei do silêncio do prédio e não receber multa.
 
Um homem roncando é aula de música, é Modernismo, é Stravinski, é uma orquestra formada por oito trompas e trinta e oito instrumentos de sopro.
 
Um homem roncando presta homenagem à invenção dos eletrodomésticos: o aspirador, o liquidificador, a batedeira, o processador multiuso.
 
Um homem roncando é um retorno à vida rural: é ter um relâmpago de estimação, é ter relinchos perto dos ouvidos.
 
Um homem roncando é sinal de saúde. É a certeza de que o sujeito está vivo.
 
Um homem roncando traz segurança ao lar. É ter um cão dentro do quarto. Ninguém assaltará sua casa. Não necessita instalar alarme ou pagar serviço de vigilância.
 
Um homem roncando serve como crucifixo. Afasta vampiros, bruxaria, mau olhado, demônios e fantasmas.
 
Um homem roncando impulsiona o crescimento feminino: a mulher lê mais, assiste mais filmes, ouve mais música, não perde tempo com sono.
 
Um homem roncando é a prova de que ele confia em você. Ele dorme pesado, sem nenhuma desconfiança.
 
Um homem roncando mostra a satisfação sexual do macho. O ronco é uma mistura de gemido com risada.
 
Homem é como chimarrão: se não roncar, é falta de respeito.

Ouça meu comentário na manhã de sexta-feira (28/12) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Daniel Scola e Jocimar Farina:

 

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

MONALISO


Arte de Eduardo Nasi

Por insistência dos amigos, Gabriel desmanchou seu penteado de bibliotecário.

Mas não esperava que ficasse tão bonito. A franja lhe devolveu cinco anos e retirou dois quilos de seu rosto.
 
O fim dos chumaços rendeu benefícios de uma lipo. Arrependeu-se de não ter feito antes.

Levantou-se, radiante, da cadeira branca. Procurava se refletir nos retrovisores do carro, nas vitrines, nos óculos dos passantes.

Orgulhava-se do formato da cabeça, pela primeira vez na vida.

Dormiu feliz na moldura dos travesseiros, com a impressão de ter posado para Leonardo da Vinci.
 

* * *
 
No dia seguinte, descobriu que nada do que foi será. Surgiu o redemoinho. Tentou reimprimir o desenho das mechas. Os fios não se moldavam à escova. Gastou cremes e dedos. Consumiu a fé dos hidratantes e a esperança da água.

Esqueceu alguma recomendação do profissional? Não prestou atenção suficiente em suas dicas para conservar o alinhamento? Como baixar o volume?

Desejava manter, todo o dia, o corte exatamente do jeito que deixou o salão.

Telefonou para o cabeleireiro.
 

* * *
 
Devo pentear para o lado esquerdo ou direito?

— Esquerdo.

Meia hora depois, voltou a interromper o cabeleireiro.

— Você usou qual escova?

— A Térmica Anti-Estática.

Uma hora depois, teimou novamente:

— Tenho que botar spray?

— Para não ficar com aparência de cabelo duro, sim.

— Qual?

— Recomendo Charming Gloss.

Na quarta ligação consecutiva, o cabeleireiro desabafou:

— Eu preciso trabalhar, querido. Não posso oferecer assistência técnica 24h.
 

* * *
 
A fragilidade súbita de Gabriel revela como o homem emburrece na paixão.

Ele se torna refém de uma mudança feliz, destrói os referenciais da rotina e experimenta período de insegurança máxima. Dependerá agora da aprovação de uma outra pessoa para seguir vivendo.
 

* * *
 

O apaixonado não fará mais nada sozinho. É uma criança adulta.

Vacila ao definir suas roupas, determinar o que gosta de comer, o que adora ouvir, o que prefere ler.

Tem medo de melindrar, decepcionar, estragar o início perfeito.

Tem receio de perder o encantamento que vem de sua companhia.

Pede opinião à sua namorada para qualquer assunto.

Não existe ninguém mais vulnerável. Mais influenciável. Mais patético. Mais sublime.

O apaixonado é o corte de cabelo perfeito. E irrepetível.
 

 




Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

O SENHOR DAS ALIANÇAS



Recomendo a esposas e namoradas assistirem O Senhor dos Anéis. Mas em 3D. Tem que assistir ao Senhor dos Anéis em 3D. Ou em 48 quadros por segundo.
 
É tanta gente feia e monstruosa que elas vão sair do cinema amando novamente seus maridos e namorados.
 
São criaturas com orelhas imensas, verrugas e cabeças triangulares. Na saída, você só pensará que teve sorte na vida.
 
Ficar duas horas no escuro com pequenos monstros salva qualquer relação.
 
É terapia de graça, exorcismo de graça.
 
Depois do filme, as mulheres acharão seus homens mais altos, mais inteiros, mais musculosos, mais superdotados.
 
Nós, machos, deveríamos fazer sessões beneficentes de Hobbit, propor a exibição do filme em escolas, estádios e igrejas.
 
Se você não aguenta seu marido palitando os dentes em churrascaria, veja os dentes cariados dos moradores da Terra Média.
 
Se você não aguenta seu marido roncando no sofá, veja os pés peludos do Bilbo Bolseiro.
 
Se você não tolera mais o penteado de seu marido para o lado, veja o cabelo lambido de Gollum ou os mullets de Frodo.
 
Se você reclama da barriga de cerveja de seu marido, veja a barriga dura de vermes daquele povo minúsculo.
 
Se você acha que seu companheiro é mal-educado, veja aquelas carrancas comendo com as unhas encardidas.
 
Podia ser pior, beibe. 
 
O Senhor dos Anéis é, na verdade, O Senhor das Alianças.

Ouça comentário da manhã de terça-feira (25/12) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, com Daniel Scola e Jocimar Farina:
 

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

UM COPO D´ÁGUA PARA PAULO MARINHO

Arte de Moholy-Nagy

Caminhava pelo aeroporto de Congonhas, esbaforido, suportando a terceira troca de portão da companhia aérea.
 
Alguém me chamou.
 
Virei o rosto já acenando.
 
Observei um homem encolhido numa cadeira de rodas, em área reservada aos que necessitavam de cuidados.
 
Não reconheci. Pela pressa do voo, não lancei atenção demorada. Bati a mão no peito fortalecendo o cumprimento. Deduzi que fosse um leitor ou algum espectador. Agi com brevidade simpática.
 
Quando retomei meu rumo, sua voz ainda me agarrou:
 
– Você me amou e me abandonou!
 
Conferi de novo seu vulto, intrigado com a força da sentença.
 
Quem? Não me parecia estranho: barbudo, 50 anos, sotaque gaúcho.
 
Avancei assim mesmo pelos corredores.
 
Colega de aula? Da turma da adolescência? Do bairro Petrópolis?
 
Os olhos amendoados e esverdeados me intrigavam. Teria sido um confidente? Como que me esqueci?
 
Os olhos ávidos (não carentes), de quem mesmo?
 
Os olhos dele continuavam grudados em mim enquanto eu arrastava a mala.
 
O medo de ter sido ingrato me consumia.
 
Entrei na fila do embarque. Ao entregar a passagem para o comissário, reconheci tardiamente o rosto. Ai, Meu Deus. Abandonei a fila, dei meia-volta em direção ao saguão e corri para encontrá-lo.
 
Fui gritando de longe, pedindo desconto pelo lapso:
 
– Paulo Marinho! Paulo Marinho!
 
Ele me enxergou vindo e sorriu. Sorriu bonito. Sorriu vingado. Sorriu refeito.
 
Só desejava que eu me recordasse dele.
 
O que mais deseja um doente do que um copo d’água e ser lembrado?
 
Fragilizado pelo câncer, Paulo Marinho não era mais a figura que conhecia: um fiapo, os braços derrubados, a fala arrastada.
 
Muito diferente do tempo robusto de nossa convivência, quando ele pescava, viajava, contava histórias de seus amores com galhardia e metáforas.
 
Muito diferente da época em que ele escrevia crônicas maravilhosas no Vale do Sinos e armava animados churrascos em Sapucaia.
 
Neguei sua fisionomia para negar sua doença. Infelizmente não queremos nos incomodar com amigos vulneráveis. Eles devem aguardar o fim das festas. Não é que não identificamos, tememos enfrentar o sofrimento que vem com a intimidade.
 
Mas seus olhos foram mais rápidos do que minha indiferença. Mais moleques. Mais guris. Recobrei seu nome pelos olhos infantis. Seus olhos não perderam a curiosidade com quem atravessa sua frente e a esperança de ser amado.
 
No Natal, não deixe nenhum amigo anônimo no hospital ou no aeroporto.
 




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 24 e 25/12/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17293

domingo, 23 de dezembro de 2012

QUASE PERFEITO — Consultório sentimental de Carpinejar

POR QUE A NECESSIDADE DE MUDAR O NAMORADO?

Arte de Salvador Dali

“Há três meses me relaciono com um cara um pouco mais novo que eu. Tenho 20 anos e ele 18. Faço faculdade, trabalho e moro sozinha, ele mal se formou no Ensino Médio, trabalha na área que gosta, mas não vejo ambição. Tem atitudes pequenas, adia vestibulares. Isso me incomoda muito. Temos uma boa relação, quando estamos juntos me sinto feliz e vejo que ele também se sente. Não quero ser uma mãe. Penso que se eu impuser minha posição ele pode mudar um pouco sua opinião. Sou egoísta pensando assim? Beijos Noemi”

Querida Noemi,
 
Por que você se apaixonou por ele se já deseja transformá-lo? Seduziu um homem procurando outro?
 
É como um comprar um sapato preferido e reformar em seguida. É como escolher uma roupa de festa e mandar direto para costureira trocar o corte. Não há sentido em fazer golpe de estado se decidiu governar com ele.
 
Mais grave do que a propaganda enganosa é o amor enganado: aceitar para modificar, concordar para negar.É coisa de louco: os opostos se atraem e logo se repelem. Não entendo como a pessoa é perfeita no início do namoro e fica defeituosa de repente.
 
Não é que descobriu os defeitos, é que busca mandar na relação, submetê-lo a uma fórmula que julga certa e ideal, mas que é pessoal e intransferível.
 
Ele não está errado, é você que cobra uma metamorfose sem necessidade. O rapaz não mentiu, você o conheceu desse jeito, tem um temperamento mais leve, solar e descompromissado, oposto de sua obsessão profissional e financeira. Nem é capaz de ofendê-lo - ele trabalha, não vem sendo um vadio.  Qual é o problema? Só porque ele não é seu espelho?
 
Talvez ele não queira prestar vestibular e seguir a graduação. Ou talvez ele tenha seu ritmo, levará algum tempo para se resolver, e precisa respeitar o relógio emocional. Aprendi que nossa companhia amorosa é um fuso horário diferente.
 
Portanto, não chame a atitude dele de pequena. Uma vida pequena pode transbordar. Uma vida grande pode ser vazia. Não ter ambição não é um crime, porém uma manifestação de tranquilidade e conforto.
 
Não deve tratar seu namorado como filho. Muito menos menosprezá-lo, é bullying dentro de casa.
 
Caso ele atendesse seus caprichos, curiosamente terminaria a relação. Toda mulher odeia homem submisso. Homem capacho. Homem para limpar os pés.
 
Você quer mudá-lo ou testá-lo?
 
Ele parece ter mais personalidade do que você pensa: não está fazendo o que pede. A resistência à pressão exige coragem.
 
 
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 23/12/2012 Edição N° 17292
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.

sábado, 22 de dezembro de 2012

AOS DEZ ANOS

 
 
Valdir Peres, Leandro, Oscar, Falcão, Luizinho e Júnior, Sócrates, Toninho Cerezzo, Serginho Chulapa, Zico e Éder.
 
Guardo a escalação da seleção de 82 de cor.
 
Ela definiu meu jeito de amar: disposto ao ataque, desembaraçado, sem medo da tragédia.
 
Não viver para ganhar a Copa, viver para ganhar um dia de cada vez, e descobrir qual é o ponto mais alto de nossa alegria e da nossa tristeza.

Ouça meu comentário na manhã de sábado (22/12) na Rádio Gaúcha, no programa Gaúcha Hoje, apresentado por Daniel Scola e Sara Bodowsky:
 

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

OS QUATRO CAVALEIROS DO APOCALIPSE

O fim dos tempos pelos Maias foi o pretexto para tertúlia divertida com Mário Corso, Lasier Martins e Sara Bodowsky.

A ânsia pela extinção revela o cansaço dos costumes. Não estaríamos suportando as tremendas e sucessivas revoluções tecnológicas.

O programa Tudo +, da TVCOM, foi exibido na quinta-feira (20/12).

DESFEITAS

 
Arte de R. B. Kitaj
 
É muito complicado ser amigo de alguém com mania de perseguição.

Os conselhos jamais surtem efeito. Tentar ajudar é ofender.

O paranoico sempre acha que nossa boa ação é, no fundo, uma crítica. Enxerga indireta em qualquer manifestação de afeto.

Oferecer presentes a um desconfiado é impossível. Ele não acredita em si para acreditar no outro.

Ouça meu comentário na manhã de sexta-feira (21/12) na Rádio Gaúcha, no programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:



quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

ASSOBIOS E GORJEIOS

Não se chega numa mulher procurando assaltá-la, tem que ceder tempo para que ela se recupere do susto de nos conhecer.
 
Meu programa DRnaTV, da TVCOM, reflete sobre cantadas líricas e grosserias.
 
Fiz uma blitz sentimental nos bares da Cidade Baixa, em Porto Alegre (RS). O resultado foi exibido na noite de terça-feira (18/12) , com mediação de Sara Bodowsky e produção de Fernando Muniz.
 

A MÁQUINA RECEBE CARLOS ALBERTO DE NÓBREGA

Pena da solidão do sucesso. E da solidão do fim de carreira.
 
O humorista Carlos Alberto de Nóbrega, de A Praça É Nossa, admitiu duas compaixões em meu programa A Máquina: por Silvio Santos ("ele é infeliz, sem amigos") e por Renato Aragão ("jogado fora como um bagaço").
 
Exibido pela TV Gazeta na terça-feira (18/12), o bate-papo abordou ainda a relação de Nóbrega com a velhice e o esforço para superar o peso jornalístico do pai, o já falecido humorista Manoel.
 

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A FAVOR DO AMIGO VISÍVEL

A banalização do Natal foi meu tema no Jornal do Almoço de quarta-feira (19/12), da RBS TV.

- Sou favorável ao amigo visível. Aquilo que é feito escondido não pode ser bom, somente gera constrangimento.

Entre brincadeiras e confissões, protagonizei o desmonte do amigo secreto, confraternização mais utilizada atualmente nas empresas.

Confira:

COSTAS DE ANJO

Arte de Eduardo Nasi
 
Homem quando vira de costas na cama é sono ou ofensa.

A mulher não vira de costas, oferece as costas.

Ela, de conchinha, ainda pretende conversar. São as legendas mais sérias, sinceras, definitivas de uma vida a dois.

Para a minha namorada, conversa olho no olho não supera a conversa da respiração no pescoço.  Com o dorso colado em mim, ela está sempre de frente ao assunto, sensível ao batimento do meu corpo.

Antes de falar, hesita para identificar qual será sua audiência, se seu macho é no momento um confidente nos lençóis ou um boxeador cansado na lona.

Ela espera para ver se irei me aproximar de suas curvas, se estou afetuoso e aberto ao diálogo, se engatinho para me enredar em seus cabelos loiros.

Conhece as estratégias da pele. Tem noção de que o homem não finge abraçando, que o homem se envergonha de jurar em falso naquela posição.

Os braços masculinos representam autênticos detectores de mentiras. Estendidos, confirmam caligrafia honesta. Contraídos, escondem espirais de vingança.

Os dedos devem estar soltos para a aliança, espontâneos ao cruzamento suave das mãos.

Quando a namorada se distancia para o canto inverso da cama já sei que não é uma deserção, de modo nenhum é um abandono, mas um pedido de cumplicidade, um convite para tirar os sapatos e pisar em sua memória mais recôndita.

Sugere que está encolhida, mas é o contrário, está transparente de linguagem.

Estamos finalmente a sós do mundo. É como fechar a porta da cama depois de fechar a porta do quarto.

Meus olhos deitados se encaixam em seus ombros. O olfato se apura na saboneteira. E vejo o filme de suas palavras na tela de sua carne. Vou entendendo a importância do desabafo pelos suspiros e parágrafos curtos do pulmão.

Compreendo que escutar é proteger, escutar é reservar todo o corpo a alguém, não apenas o rosto, da mesma forma que reservamos uma mesa para jantar e um lugar no teatro.

Mulher não tem costas, como um anjo, uma árvore, um relâmpago.

Falará até cochilar, cochichando segredos, acalmando-se por dentro, aliviada por repartir suas dúvidas, sem se despedir, sem anunciar o fim.

E soprará “eu te amo” meio que dormindo. Você não ouvirá direito, a não ser que acorde ao lado dela para a repetição.
 

 




Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

CASACO É MEU PAIZINHO



Não tenho sequer um objeto de meu pai.

Nenhum cebolão antigo. Nenhum canivete suíço. Nenhum cachimbo. Nenhum cachecol. Nenhuma caneta especial.

Ele não me repassou talismã para lembrar sua importância. Não me chamou para o escritório em separado a fim de antecipar a mínima partilha. Não redigiu uma carta explicando o que era ser homem.

Mas herdei de meu pai o que sou.

Quando pequeno, eu o imitava. Hoje, ele me influencia.

Tenho dele a risada larga, bonachona, uma gaita que impulsiona o rosto para trás e me pede para fechar docemente as pálpebras.

Nosso pulmão é carregado de sotaque, o pulmão é o nosso CTG.

Tenho dele o jeito de cortar tomates na tábua, horizontal, absurdamente errado e divertido.

Tenho dele a mesma compulsão pelo atraso: sempre acreditando que posso fazer mais alguma coisinha antes de sair.

Tenho dele as mesmas distrações e desculpas furadas, as mesmas canetas explodindo nos bolsos.

Tenho dele o mesmo ímpeto de curar a raiva com uma caminhada pelo bairro.

Tenho dele a barba da juventude, as brotoejas do pescoço e a tendência de levantar as golas das camisas.

Tenho dele a adoração por sentar em balcões e experimentar pastéis em cidades estranhas.

Tenho dele as pernas tortas e os olhos puros de medo.

Tenho dele a vontade de cheirar o cangote dos filhos.

Tenho dele a mania por esculturas de cavalos e Dom Quixote.

Tenho dele a compulsão por riscar livros e escrever diários por códigos.

Tenho dele o dom de perder dinheiro e juntar amores.

Tenho dele o costume desagradável de gemer diante de um prato favorito.

Tenho dele igual fé em Deus e oro quando vejo o mar ou o pampa.

Meu pai está espalhado pelo meu caráter. Não preciso nada dele. Nem uma vírgula emprestada. O que é uma lembrança para quem tem todo o seu passado?

Cada gesto que vim a aprender ao longo da vida é o esforço arredondado de copiar sua letra e repassar seu temperamento ao papel vegetal da literatura.

Ele está escondido em meus dias. Invisível e forte como o vento.

No momento em que viajo de avião, acabo me protegendo do frio transformando o paletó em cobertor. O casaco fica invertido, de frente para mim, com as mangas cruzadas nas minhas costas.

Aquele casaco é também meu pai me abraçando.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 18/12/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17287

NOJINHO

Arte de R. B. Kitaj

Você sofre de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), aquela mania irritante e esquisita de fazer tudo igual? Tem que realizar o gesto no exato instante que incomodou? Se demorar um pouco não se acha mais capaz de continuar o dia?
 
É como uma coceira intelectual. Uma alergia emocional. Um nojinho que lembra capricho ou higiene, porém é um sério incômodo para a convivência.
 
Quem enxerga de fora até supõe que você é organizado e educado, e não repara que é uma doença.
 
Quem é vítima de TOC...
 
— Lava as mãos sempre que vai cumprimentar alguém.
— Ao enxergar uma impressão digital na televisão, pára todo o filme para limpar.
— Não tolera quadro torto, precisa ajeitar no ato.
— Não suporta gente andando com os cadarços soltos.
— Na hora do sexo, dobra toda a roupa antes. Morreria com um strip-tease.
— Transa unicamente na mesma posição e do mesmo jeito.
— Organiza suas camisas pela cor.
— Ao jantar fora, controla as condições do prato, do copo e dos garfos.
— Não quer ver uma comida misturada na outra. Arroz não pode tocar no ovo que não pode tocar na carne que não pode tocar na salada.
— Demora um tempão arrumando algo que não estava previsto para organizar.
— Conta as sinaleiras do caminho da casa ao trabalho.
— Não pisa nos riscos da calçada.
— Aparece um dia antes de uma festa na casa de amigo para descobrir onde pode estacionar.
— Só usa o banheiro de casa.
 
Essa mania de controle e de perfeição atinge grande artistas como Roberto Carlos e Jô Soares, mas não esqueça: você não é Roberto Carlos nem Jô Soares, todo mundo pensará que está doido.
 
Ouça meu comentário na manhã de terça-feira (18/12) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:
 

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

QUAL É O SEU MANEQUIM?



As mulheres nos torturam com suas medidas. Não entregam de jeito nenhum. Nem de mão beijada, muito menos de pé beijado ou de nuca beijada. 

Temos que descobrir ao longo da relação, e jamais interrogar o tamanho do sutiã, da calcinha, da calça, da camisa, do vestido, do biquíni.

O marido é impelido a espiar os cabides, fazer média das pilhas do guarda-roupa, cruzar fotografias dos últimos dez anos. 

Eu enlouqueço procurando descobrir. Para não sofrer ao comprar presentes, as senhas bancárias são dados da nudez da minha musa. Assim não erro, e não sofro o constrangimento de vê-la voltar à loja por incompetência amorosa. 

Mas por que a esposa ou a namorada não nos facilita o acesso? Não seria mais simples nos fornecer uma listinha com a descrição básica? 

A hipótese mais comum é romântica: ela deseja secretamente que a gente decore seu corpo, assim como somos obrigados a memorizar a data do primeiro beijo, do primeiro abraço, do primeiro cinema, do primeiro jantar, da primeira transa.

Apesar da beleza da alternativa, é falsa. Mulher não repassa sua modelagem de propósito, já que nunca se sente magra o suficiente. Conserva a esperança de que o jeans da adolescência voltará a entrar em sua cintura, de que o vestido mínimo da festa de vinte anos descerá suavemente pelas costas. Pode estar exuberante, impecável, em forma, ainda suspira pela superação de suas etiquetas. 

Ela não repassa informações à sua companhia por sonegar a si mesma. Seus dados pessoais são provisórios. Não carregam o caráter imutável das medidas masculinas. O homem aprende uma vez que é P, M, G ou GG e não se incomoda mais com o assunto. Mulheres trabalham com números quebrados, centímetros, polegadas. 

Qualquer peça é uma balança. Qualquer peça é um teste. Qualquer peça é um exame de balizas. 

Dizer com precisão o que veste é aposentadoria, é assumir que ela desistiu de emagrecer, abandonou as inúmeras e sucessivas dietas, envelheceu definitivamente. 

Sua defesa predileta é argumentar que não sabe direito seu tamanho, pois muda de acordo com a confecção. Ela adora essa desculpa. Enche a boca de flúor para falar que há marcas mais largas e mais justas. Delicia-se em explicar que sapatos A são maiores do que a numeração de sapatos B, então é preciso experimentar, não há como comprar de olho. 

Questionar o manequim feminino é tão ofensivo quanto perguntar a idade. As medidas são a idade do desejo, a idade do sonho. 
 
 
Minha estréia como colunista na Revista IstoÉ Gente
São Paulo, dezembro de 2012, p. 104

sábado, 15 de dezembro de 2012

QUASE PERFEITO — Consultório sentimental de Carpinejar

"MELHOR AMIGO DE MEU PAI É MEU AMANTE"
Arte de Thomas Eakins

“Eu me apaixonei perdidamente pelo melhor amigo do meu pai. E ainda é casado. Não posso dizer que temos um relacionamento, mas desde que nos reencontramos, há dois anos, sempre que ele aparece a gente fica. Não sei o que acontece. Se o medo dele é do meu pai descobrir e não perdoá-lo, se é medo da esposa se matar ou matar alguém. Penso que seja por isso que ele não se decide definitivamente a se separar, pois ela tem crises e ameaças suicidas. Já pensei até que o medo dele é por ser 12 anos mais nova. Eu realmente não sei. Abraços, Ingra”

Querida Ingra,
 
Você está mexendo com magia negra. Investir em namoro com amigo de pai é pedir para sofrer. Deve conhecê-lo desde pequena, criar a fantasia que estava se guardando, que o amava em segredo, que não resistia em fantasiar quando ele vinha visitar a família; uma doideira só.
 
Não é sadio se envolver com quem nos viu de fraldas. É pedofilia atrasada.
 
É um relacionamento para desacontecer. Parto da seguinte regra: se o caso demora mais de um ano, esqueça. Os amantes se acostumam rapidamente com a clandestinidade, e a clandestinidade é mais estável do que o casamento. Além de tudo, seu companheiro é mentiroso. Vive se protegendo na doença da esposa para não se decidir a favor do divórcio. Não é que ele não se separa porque a esposa pode se matar, clássico engodo masculino. Ele alimenta a enfermidade dela com ciúme de você para nunca se separar. A mulher suicida e perigosa é o escudo da inércia, o atestado médico, o pretexto ideal.
 
Existem muitos homens usando a falsa histeria da mulher para manter um caso por mais tempo. São malandros que forjam um descontrole doméstico para prosseguir com a identidade dupla. Eles se portam como vítimas de um casamento infeliz. Ainda carimbam a imagem de preocupados e generosos, que não podem deixar a coitada na mão. Você confia mesmo neste conto de fadas hipocondríaco?
 
Certamente ele não se interessa em casar com você, ou oficializar qualquer laço público. Procura aproveitar a comodidade e facilidade dos encontros. Jamais vai se curar da esposa doente e completará bodas de ouro. A diferença de idade tampouco é problema. O que lamento é que tenha quebrado a confiança paterna. Sob a roupagem do amor impossível, nem percebeu que elaborou todo o enredo para chamar atenção do pai. Você se aproximou do amigo dele para castigá-lo pela ausência em casa? Está mandando a seguinte indireta: como você não me ofereceu atenção, eu roubei o confidente.
 
Seu entrevero sentimental é um atalho à vingança. O que mais deseja é que o pai descubra o romance para que ele se afaste do melhor amigo e fique mais tempo em família. Coisas de criança orgulhosa, que não sabe como ganhar colo ou conversar sobre suas tristezas.

 
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 16/12/2012 Edição N° 17285
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

TORTURA NATALINA

Arte de Raoul Dufy

Amigo Secreto merecia se chamar de Sofrimento Secreto.

Não tem como se divertir numa brincadeira onde seu principal desafeto pode lhe dar um presente. Ou você pode estar nas mãos do sujeito mais pão-duro do serviço. Como ficar à vontade se tirou o nome do seu chefe?

Nunca vi ninguém pulando de alegria, vibrando por participar da confraternização.

Amigo Secreto é uma praga do Natal, que saiu das empresas para estragar a ceia das famílias.

Amigo Secreto é trocar o presente espontâneo por um brinde. É trocar a loja pelo camelô.

Amigo Secreto é ir a um rodízio de pizza para comer somente uma fatia.

A pior coisa do Amigo Secreto é quem faz suspense demais. Procura competir com Fidel Castro. 

A pior coisa do Amigo Secreto é também quem não faz suspense nenhum. Preguiçoso e sem vontade.

Todos erram as características na hora do anúncio. É um festival de constrangimentos.

Amigo Secreto dá chance para os tarados cantarem suas colegas. Oficializa o assédio sexual.

A Lei de Murphy criou o Amigo Secreto. A lembrança que você recebe consegue ser muito menor do que o limite estabelecido. Você sempre será prejudicado. Terminará com um CD muquirana ou um pacote de meias.

Amigo Secreto é uma reunião de condomínio procurando ser Orçamento Participativo.

Amigo Secreto é uma rifa sonhando ser Mega Sena.

Amigo Secreto é fingir que você é feliz no trabalho.

Ouça meu comentário na manhã de sexta-feira (14/12) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

MEMÓRIA A DOIS


Você conserva a data do primeiro beijo, da primeira transa, do namoro, do casamento?
 
A memória é um avalista do amor?
 
O meu quadro DRnaTV, da TVCOM, tirou essas dúvidas com casais no bairro Praia de Belas, em Porto Alegre (RS).
 
Não faltou acrobacia de minha parte, pra variar.
 
O programa foi exibido na noite de terça-feira (12/12), com mediação de Sara Bodowsky e produção de Fernando Muniz.
 
 

MULHER NÃO TEM DESCANSO

Arte de Eduardo Nasi

A tentação amorosa da paciente diante do seu terapeuta vem do divã.

O divã não faz barriga.

A mulher deita e afina. Não se sente Gioconda ou a mais nova pintura de Fernando Botero.
 
O design da poltrona é o segredo das paixões platônicas.

Ele se curva como um leque. Um sabre. Não se preocupa com a posição. Não precisa encolher o ventre, disfarçar as sobras.

Liberada da aparência, tem tempo livre para amar. E o psicanalista é o beneficiado do contexto.

Divã é sofá de magro. Sofá feito de osso, sem celulite e estria.

Mulher nasceu para posar ali, mexendo levemente os cílios. Fica linda. Se todo o marido visse sua esposa no divã, teria de volta o arrebatamento do namoro.

As sessões de terapia mereciam salas envidraçadas para a mirada terna dos esposos do lado de fora. Seria um berçário do amor. A fragilidade devolveria o interesse.

Homem é que escolhe assento fundo e macio. Despreza sua barriga.

Homem se afunda nas almofadas. Adota superfícies abauladas, verdadeiros cestos de roupas, poços de traseiro. Ele se dobra no excesso de peso.

Homem detesta divã. O que ele quer é seu sofá para se descadeirar.

Homem nasceu para o desleixo. Prefere o conforto a preservar sua imagem. Ele deita no espaldar e estica as pernas. É um horror aeróbico.

Já a mulher não senta sem cuidar de qualquer detalhe do corpo. Sentar não é um descanso, mas um exercício.

Mulher não senta para relaxar, e sim para observar a si mesma.

Sentar é uma arte, uma profissão, uma autocrítica.

Não significa finalmente suspirar, porém atender exigências da etiqueta.

Mulher senta como quem usa salto alto. Não é para ser agradável, é para estar exuberante.

As costas retas, a postura na altura da almofada, o olhar adiante: ela senta como quem caminha (o homem senta como quem nada).

Um cuidado extremo, de quem já se acostumou a mergulhar os pés na bacia para pintar as unhas jamais inclinando a cabeça.

Mulher dobra as pernas com convicção. De um lado é sim, de outro é não. Um braile educado. Um baile poético.

A trupe masculina, por sua vez, cruza as pernas por distração. Nem repara a direção de seus sapatos. É analfabeta da cintura para baixo.

O homem até agora não assimilou que mulher detesta colchão d’água. Nenhum perfil feminino é bonito no colchão d’água. Nenhuma silhueta é esbelta.

Ela deita e se desmancha. Deita e se espalha.

Disforme, estranha, gorda.

Colchão d’água é para baleia. Não ouse convidá-la a nadar de noite.
 

 





Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

PEDIDO DE DESCULPA AOS MEUS IRMÃOS

Arte de R.B. Kitaj

Eu convivia com meus primos até o Natal de 80.
 
O pai brigou com seus irmãos e deixamos de visitar a casa dos avós e de participar das festas da virada com toda a família.
 
Foi um desaparecimento sem explicação. Sempre brincava com meus oito primos, paramos de nos ver de repente por imposição e diferenças dos adultos.
 
Nem desconfio qual o motivo do desentendimento entre os tios e as tias. Sei que sobrou para as crianças, que cresceram separadas e longe do casario amarelo da Corte Real.
 
Herdamos o desterro. Não tenho nem ideia de como meus cúmplices de sangue e peraltice se encontram e como enfrentaram a maturidade.
 
Quanta diversão desperdiçada! Quanta algazarra sufocada no pulmão! Quantas vidraças intactas porque não jogamos mais bola na rua!
 
Perdi meus melhores momentos de férias, que eram roubar pingente do lustre da sala, deslizar de meias, espiar revistas com mulheres seminuas, beber cerveja escondido.
 
Sumimos da vista e da vizinhança, apartados do contato.
 
Não quero repetir a tragédia. Mas estou fazendo igual ao meu pai.
 
Briguei com dois irmãos, Carla e Rodrigo.
 
Meus filhos Vicente e Mariana raramente falam com seus primos João Pedro, Giovanna e Francisco.
 
Não proíbo nada, mas não ajudo, o que dá no mesmo. Penalizo as crianças de frequentar os corredores do sobrenome.
 
O boicote é carregado de desculpas menores, finjo que estou certo, invento razões e me adio em mentiras.
 
Como estamos de mal, não visito os manos, sequer dividimos espaços em comum. É uma Guerra Fria, na qual o silêncio se bandeou para arrogância.
 
O tempo vem passando, e já faz dois anos sem aparecer nos aniversários, sem telefonar, sem atualizar o rosto, comemorar os sucessos, amparar as tristezas.
 
Moramos em Porto Alegre com um fosso interminável de ressentimento entre nossas casas.
 
Sou um penetra na vida deles, e eles são desconhecidos em minha vida.
 
Não visitei ainda Francisco, bebê recém-nascido do Rodrigo. Carla me atende, mas seu marido me odeia.
 
Que falta dos mais velhos nos obrigando as pazes. Hoje é complicado qualquer passo em direção ao riso.
 
Não pretendo ter mais razão. Prefiro transformar o orgulho em amor.
 
Peço desculpas aos dois publicamente. Tenho saudade de nossos churrascos, dos abraços gritados, dos conselhos sussurrados, de me emocionar à toa. E de trapacear no jogo de ludo.
 
Peço desculpas. Eu errei.
 
Nossa mãe, Maria Elisa, não suporta a gente distante.
 
– Não desejo morrer com vocês brigados. Não eduquei minha gurizada ao ressentimento.
 
Por favor, meu presente de Natal é comemorar com vocês. Prometo que empresto minha bicicleta amarela.
 
 



Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 11/12/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17280

NÃO FACILITE A VIDA DOS ETs

 
O que devemos evitar para não ser capturado por extraterrestres. Ainda mais no verão, quando o céu fica vulnerável a ataques luminosos de madrugada.

Você tem grandes chances de ser abduzido, sequestrado por alienígenas se:
 
— Estiver assistindo a um jogo da Terceira Divisão.
— Estiver lendo Marimbondos de Fogo, de José Sarney.
— Ainda usa Boa-Noite para espantar mosquitos.
— Toma banho pelado em piscina de plástico.
— Não faz sexo há seis meses.
— Tem um Corcel 4 portas com peças originais ou um Chevett de primeiro dono.
— Mora perto de uma lavoura de milho, todo OVNI aparece em plantação de milho (acho que os discos voadores são movidos a polenta).
— Pensa que Elvis não morreu e mora no Rio Grande do Sul.
— Dorme com a tevê ligada.
— Bebe Keep Cooler sabor pêssego.
— Almoça e janta em postos de gasolina.
— Tem três cartões de crédito e não consegue pagar nenhum.
— É casado há cinco anos (o abduzido cairá em tentação e transará com ET).
— Conta com péssimo senso de localização e pensa que os pontos cardeais são cargos do Vaticano.
— Acredita que Lula não sabia nada do Mensalão.

Ouça meu comentário na manhã de terça-feira (11/12) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:
 

domingo, 9 de dezembro de 2012

QUASE PERFEITO — Consultório sentimental de Carpinejar

BABÁ DE HOMEM

Arte de Sir John Everett Millais

"Fabrício, namoro há quase um ano. Meu namorado comprou um apartamento e vai morar só. O aniversário dele está se aproximando, e pensei em presenteá-lo com algo que ele vá utilizar na nova vida, já que terá que comprar. Adoro decoração e acho tudo lindo. Logo, tenho vontade de presenteá-lo com muitas coisas. Uma das maneiras que meu amor se manifesta é querendo que ele tenha um lugar bonito pra viver. Maaaaaas, tenho medo que ele pense que eu tô querendo morar com ele. Sou doida? Beijos Cissa"

Querida Cissa,

Sou favorável a falar direto o que se pensa, a fazer o que se sente. Sem firulas. Sem cerimônia.

Não sofrer por teorias e achismos. Seja sincera: apresente sua dúvida. Se desagradar, pelo menos teve boa intenção.

Tentar antecipar o que o outro quer é não deixá-lo mais querer. Ele fica condicionado a ouvir sua resposta para dar a resposta. Passa a desejar agradá-la mais do que se expressar.

É um cacoete feminino: ser porta-voz das vontades do casal.

Não vale a pena exercer o tom adivinhatório. É um desgaste. Uma ansiedade insaciável. Ele aponta o dedo e você já corre para decifrar sua intenção.

A perfeição cansa. Repare que nem pergunta o que ele gostaria, já busca adivinhar para mostrar intimidade e ganhar estrelinhas no caderno de ditados.

É nossa mania de fazer surpresa, de agradar, de ser inesquecível.

Mas, sem perguntar, nunca descobrirá o que ele realmente gosta para sempre impor o "que você acha que ele gosta".

Vem ocupando o papel de babá de seu homem. Levando aviãozinho de palavras para boca, mimando exageradamente os caprichos, trocando as fraldas dos pensamentos dele.

Evitar sofrimentos sempre traz constrangimentos.

Deixe ele responder, deixe ele errar, deixe ele confessar o que sonha de aniversário.

Chamo essa predisposição de falar pelo relacionamento de "treino fechado".

Times de futebol realizam escalações secretas esperando surpreender o adversário. Não abrem o coletivo para a imprensa e torcida.

Namorados também exageram nas maquinações sigilosas, escondem o jogo e depois lamentam que não correspondem às expectativas.

Sobre sua questão, serei o mais franco possível: você anseia presenteá-lo com algo para a casa nova porque deseja mesmo morar com ele.

Sua intenção é provar o próprio talento e tato para a decoração. Diz, nas entrelinhas:

— Comigo, seu apartamento estaria em ótimas mãos.

Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 09/12/2012 Edição N° 17278
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

O QUE A MULHER DEVE FAZER PARA O HOMEM NÃO LIGAR NO DIA SEGUINTE

Arte de Canaletto

 
— Dizer que gostaria de ter um filho daquela noite.
 
— Falar que deseja casar até o final do ano.
 
— Avisar que detesta cinema porque a legenda passa muito rápido.
 
— Arrotar após um copo de Coca-Cola.
 
— Usar a escova de dentes dele.
 
— Deixar um recado de batom no espelho chamando o rapaz de fofo.
 
— Esquecer de propósito a calcinha nos lençóis.
 
— Descrever os problemas que teve com os ex-namorados.
 
— Tomar remédios tarja preta na frente dele. Ou beber mais do que ele.
 
— 15 minutos depois da despedida mandar um e-mail de 45 linhas para explicar o quanto ele é o amor de sua vida.
 
— Meia hora depois aparecer em seu Facebook com comentários de que o encontro foi lindo, foi quente, foi colorido, foi inesquecível.
 
— Criar um álbum de imagens do casal na página pessoal. Mudar o status de relacionamento.
 
— Mandar seus testes prediletos da revista Nova e pedir para que ele responda até o fim do dia.
 
— Monitorar os passos no twitter. Assim que ele colocar algo na rede, enviar um torpedo: “Acordou, meu bem?”
 
— Fazer uma montagem fotográfica de como vocês seriam bonitos juntos na velhice para circular entre todos os conhecidos.
 
— Ligar para o trabalho dele e conversar fiado com os colegas.
 
— Enviar um link astrológico provando que nasceram um para o outro.
 
Se você não quer que o sujeito lhe procure no dia seguinte, não permita que ele respire. Pior que o desinteresse é ser pegajoso. Pode ter certeza: ele vai desaparecer.

Ouça meu comentário na manhã de sexta-feira (7/12) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola: