quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

LUTO

Não procure ser mais resistente do que o sofrimento. Aconselhável respeitar os nossos limites e confessar as fraquezas. Bancar o forte custa muito caro.

É a dica do meu programa DRnaTV, da TVCOM, exibido na noite de terça-feira (30/1).

 A mediação é de Sara Bodowsky e a produção de Fernando Muniz.

PELO PREÇO DE UM


Arte de Eduardo Nasi
 
O pedreiro é o bagaceiro, o feirante é o galanteador.

São duas formas emblemáticas de aproximação.

O pedreiro não está seduzindo: grosseiro, tosco, impulsivo. Desabafa apenas o desejo da hora. Interrompe sua atividade e grita de onde estiver, do muro, do andaime, do fundo do prédio. Abandona o martelo, a britadeira e a pá para exercer alguns minutos de ofensa social.

A cidade inteira vira para acompanhar seu teatro. Não é um movimento discreto. Assobia e berra ao rabo de saia com o alcance de uma buzina. Tão agressivo que não pode ser sério. Está mais se exibindo para seus colegas do que se colocando à disposição.

É molecagem mesmo, cão latindo.

Expõe sua virilidade no trabalho para que ninguém duvide que gosta de mulher. Simples assim. O grito deve aparecer na carteira de trabalho.

O feirante é de uma outra escola, realmente conquista, usa sua voz para criar suspense e atrair atenção da freguesa. Chama para perto favorecendo seu talento de malabarista.

Nunca trata a interessada sem olhar nos olhos. É senhora ou senhorita, altamente cerimonioso. Explica as promoções, questiona a vida fazendo brincadeiras e interagindo com os produtos na mão.

A cantada da construção civil é muito diferente da abordagem da feira.

O pedreiro joga a pedra, o feirante lapida.

O pedreiro atropela, o feirante oferece carona.

O pedreiro buzina, o feirante rumina.

O pedreiro despreza informações extracampo: não pergunta se a mulher tem família, marido, filhos. Atua com a desfaçatez de líder de torcida organizada.

Já o verdureiro não queimará seu filme, tem noção de que ela virá na próxima semana de novo, suas frases sondam o estado civil, os hábitos, onde mora, sempre com cuidado e delicadeza.

Se o pedreiro procura destruir a relação antes de começar, o feirante busca firmar o reencontro.  É o malandro do bem. Oferece lascas de abacaxi, tira vantagem da intimidade interpretando as vozes das frutas. Não é ele, são as frutas.

— Vê que suculenta?

— Prova, é um pedacinho do paraíso.

— Basta chupar uma vez que dá vontade de morder.

Produz claras alusões ao sexo, mas dentro de um contexto impossível de ser incriminado.

O feirante nunca vai falar que sua cliente é tesuda, bem gíria de pedreiro. Dirá:

— Que saúde, patroa!

Ele cumpre a façanha de elogiar o corpo feminino jamais ofendendo. É uma indireta espirituosa. Nenhum advogado poderá acusá-lo de assédio. Saúde significa seios fartos e bunda voluptuosa. Mas pode ser pulmão limpo e cuidados alimentares. E serve para qualquer faixa etária e gênero.

Na dúvida, o melhor é rir e levar um melão maduro.
 




Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
 

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

QUANDO ESTAMOS ENGASGADOS COM AS PALAVRAS...

... O POEMA É O COPO D`ÁGUA
 

Veja minha participação no programa Encontro com Fátima Bernardes na manhã de terça-feira (29/1), na Rede Globo.
 

FÁTIMA BERNARDES INTERPRETA MINHA CRÔNICA


No programa Encontro com Fátima Bernardes, da Rede Globo, a apresentadora interpretou meu texto sobre a tragédia de Santa Maria. O encontro aconteceu na manhã de terça-feira (29/1) .
 

A PAIXÃO ACONTECE

Arte de Marc Chagall

Se você recusou sua rotina, deixou de fazer aquilo que mais gostava em nome de alguém, torrou seus bens, abandonou os amigos e os prazeres mais fundamentais, isso não é amor, é paixão.

A paixão é uma fatalidade, o amor é uma escolha.

A paixão é egoísta, o amor é generoso.

A paixão é renúncia, o amor é recomeço.

A paixão arrebenta, o amor adapta.

A paixão é confinamento, o amor é abrigo.

Não há paixão pequena, paixão simbólica, paixão discreta: é grandiosa no início e escandalosa no final.

Não recomendo, muito menos desaconselho: é experiência para os fortes.

Nada do que viveu antes terá sentido, nada do que possa viver depois terá sentido. Conjugará interminavelmente o presente do indicativo.

Atingirá um extremo emocional perigoso: você passa a ser do outro em tempo integral. Conhecerá sua pior crise de nervos, seu mais fundo estresse emocional, seu mais absurdo esgotamento da memória, sua mais humilhante falência financeira.

Uma vez apaixonado, você rejuvenesce 10 anos em 10 horas. Mas, uma vez desapaixonado, você envelhece 10 anos em 10 horas.

A paixão ou é imensa, ou não é. Ela não pede desculpa, não negocia: equivale a uma dependência química em seu estado mais selvagem.

É o equivalente ao sequestro de uma vida. A própria vida. Você é o sequestrador e o refém ao mesmo tempo.

Não há desconto, adiamentos, pechincha. A paixão exige pagamento à vista, execução sumária.

Nunca vi nenhum apaixonado transferir compromisso para o dia seguinte, ele somente antecipa.

Não é que a paixão seja rápida, é devastadora, não sobra coisa alguma para continuar.

O apaixonado não abre negócios, mas fecha portas. Não areja a cabeça, não tem grandes ideias, não combate preconceitos, emburrece progressivamente, a ponto de só ter um número para ligar e um lugar para ir.

Ele não tem sangue-frio, não raciocina, não elabora planos, não arruma álibis.

A paixão é um crime malfeito, facilmente descoberto.

Os envolvidos desprezam o mundo, não se importam se estão sendo vistos, se beijam em público, se são casados, noivos ou recém-viúvos, se serão criticados pelos vizinhos e familiares.

O apaixonado joga tudo para o alto e não fica para segurar nada.

Ele não tem discernimento, não lê jornal, perde sua capacidade de decidir sobre a trajetória.  Apresenta a superstição de um velho, a intuição de uma criança.

É um idiota sábio. Idiota porque não se defende da tristeza, sábio porque não se protege da alegria.

Não existe mais bom e ruim, certo e errado, esquerda e direita. Não tem sentido julgar. Não tem como se orgulhar do que foi realizado, muito menos se arrepender.

Você muda de personalidade, larga trabalho, descuida da família para se dedicar inteiramente a não pensar e somente sentir.

Não podemos nem dizer se a paixão ajuda ou atrapalha, ela acontece. É uma sorte azarada.



Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 29/1/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 17327

DESRESPEITO VIRTUAL É REAL

Arte de Peter Blake
 
Sou contra a censura, mas deveria ter proibições contra quem faz piada sobre tragédias.
 
É de uma insensibilidade criminosa. Virou moda na web falar de tudo e de qualquer jeito.
 
Reconheço liberdade desde que seja responsabilidade. Desprezo liberdade que é inconsequência.
 
Após a tragédia em Santa Maria, circulava comentários sinistros no Facebook ou no twitter.
 
Como pode? Adolescentes - da mesma idade dos adolescentes que morreram - relacionando o incêndio a churrasco de domingo.
 
Ou reclamando que não terão Planeta Atlântida, que é injusto, já que os mortos tiveram sua festa.
 
Ou comentando que a boate Kiss era a mais quente do país.
 
Não compreendo a total falta de empatia, a total falta de solidariedade, a total falta de compaixão.
 
Como alguém pode ver centenas de caixões num Ginásio e não se emocionar e ainda chacotar?
 
São arruaceiros virtuais. Eu fechava o FB dessa pessoa, eu fechava o twitter dessa pessoa, eu proibia de usar computador até que ela aprendesse a conviver.
 
Gente sem noção, gente tirando sarro, alheio ao sofrimento de milhares de famílias.
 
Gente cuspindo no luto. Gente que só precisava ficar em silêncio e mais nada.
 
Tem assuntos que não são para rir. Tem assuntos que são para chorar.
 
Respeito é bom e eu gosto.
  
Ouça meu comentário na manhã de terça-feira (29/1) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Jocimar Farina:


segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A VOZ DA CRÔNICA

O ator Paulo Betti interpretou minha crônica "A Maior Tragédia de Nossas Vidas" no programa Estúdio i, da Globo News, na tarde desta segunda (28/01).

Assista aqui.

QUASE PERFEITO — Consultório sentimental de Carpinejar

O PAVOR DE SE DECLARAR
Arte de Jim Dine

“Olá, Fabrício, tudo certo? Eu gostaria de saber por que é tão difícil falar para uma pessoa que tu gosta dela. Quando está sozinho, pensa em falar diversas coisas e se encoraja todo, mas na frente da pessoa tu fica completamente diferente, fica tenso, fica até pensando “será que gosto mesmo dela?”. Acho que é coisa da minha cabeça, eu não gosto dela tanto assim, acho que estou exagerando, mas aí tu volta pra casa e fica o dia inteiro pensando nela e morrendo de amores. Por que é tão difícil, mesmo sabendo que a pessoa também está interessada? Abraços! Melanie”

Querida Melanie,
 
Tenho um teste para as românticas. Entre os contos de fadas de amor da Disney:
 
Qual é o animal que somente aparece na Branca de Neve?
Qual é o que só desponta na Cinderela?
Qual é o que surge unicamente na Bela Adormecida?
 
Caso souber as três respostas, está na categoria das apaixonadas inveteradas. Sua vida será sempre tramar suposições do que pode acontecer. Vive um passo a mais de suas próprias pernas.
 
O que você sofre qualquer um sofre. É a expectativa de agradar a si mesma e corresponder também aos desejos do outro. Sozinha, está confortável, tem tempo de errar e consertar as frases. O espelho não pede resposta e não faz pressão.
 
Já com ele o negócio é terrível. A realidade não escuta até o fim e nos interrompe com novas necessidades.
 
Como não consegue se declarar, cria a hipótese de que nem ama realmente, que o romance é uma ilusão.
 
Não caia nessa bobagem. Sempre que somos verdadeiros, queremos nos boicotar. Sempre que somos falsos, apressamos nossa entrega.
 
Quando amamos de verdade, nos dificultamos. Quando amamos de mentira, nos facilitamos. Sou defensor da ideia de que a timidez demonstra a autenticidade do sentimento.
 
Quem não sente um pouco de vergonha na hora de tirar a roupa não ama. Quem não sente um pouco de retração na hora de abraçar não ama.
 
O pudor é o Inmetro do amor. Vem para expressar cuidado e respeito. Vem para sugerir o quanto é valiosa aquela cena. Vem para evitar possíveis estragos.
 
Deduzir que não tem interesse por ele é uma forma de perdoar sua covardia. Claro que ama e com veemência.
 
Adota atitude conspiratória contra seu relacionamento pelo receio de ser rejeitada. Prefere se manter calada, na defensiva.
 
Até se engana tentando se convencer que ele não é seu tipo ideal. Mas, na ausência, experimenta o pavor de perdê-lo, a sensação de extraviar a chance de firmar o namoro.
 
A saudade é a prova dos nove. A saudade é uma memória atrasada. A saudade é o que deveríamos ter feito.
 
Relaxa. Qualquer palavra quando se ama é a certa, pois ela só vai abrir passagem para o beijo. O beijo corrige todo tropeço.

a)Pombas; b)Cachorro; c) Coruja
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 27/01/2013 Edição N° 17325
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.

domingo, 27 de janeiro de 2013

A MAIOR TRAGÉDIA DE NOSSAS VIDAS

 
Morri em Santa Maria hoje. Quem não morreu? Morri na Rua dos Andradas, 1925. Numa ladeira encrespada de fumaça.
 
A fumaça nunca foi tão negra no Rio Grande do Sul. Nunca uma nuvem foi tão nefasta.
 
Nem as tempestades mais mórbidas e elétricas desejam sua companhia. Seguirá sozinha, avulsa, página arrancada de um mapa.
 
A fumaça corrompeu o céu para sempre. O azul é cinza, anoitecemos em 27 de janeiro de 2013.
 
As chamas se acalmaram às 5h30, mas a morte nunca mais será controlada.
 
Morri porque tenho uma filha adolescente que demora a voltar para casa.
 
Morri porque já entrei em uma boate pensando como sairia dali em caso de incêndio.
 
Morri porque prefiro ficar perto do palco para ouvir melhor a banda.
 
Morri porque já confundi a porta de banheiro com a de emergência.

Morri porque jamais o fogo pede desculpas quando passa.
 
Morri porque já fui de algum jeito todos que morreram.
 
Morri sufocado de excesso de morte; como acordar de novo?
 
O prédio não aterrissou da manhã, como um avião desgovernado na pista.
 
A saída era uma só e o medo vinha de todos os lados.

Os adolescentes não vão acordar na hora do almoço. Não vão se lembrar de nada. Ou entender como se distanciaram de repente do futuro.

Mais de duzentos e quarenta jovens sem o último beijo da mãe, do pai, dos irmãos.

Os telefones ainda tocam no peito das vítimas estendidas no Ginásio Municipal.
 
As famílias ainda procuram suas crianças. As crianças universitárias estão eternamente no silencioso.
 
Ninguém tem coragem de atender e avisar o que aconteceu.

As palavras perderam o sentido.

sábado, 26 de janeiro de 2013

EXCEÇÕES


 
Pipoca e refrigerante não combinam com filmes como "O Impossível" (família vítima de tsunami na Tailândia) ou "Amor" (casal de velhos morrendo sozinhos).
 
Sou contra vizinhos crocantes em filmes trágicos.

Ouça meu comentário no sábado (26/1) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Jocimar Farina e Andressa Xavier:
 

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

UMA SEDE ATRAVÉS DE SÃO PAULO

Poema Inédito
Publicado no jornal
O Estado de S. Paulo
Caderno especial São Paulo 459 anos
H6 Especial Sexta-feira, 25/01/2013

OVER

Arte de Childe Hassam

Um amigo me recomendou um açougue, fui conferir, sedento por novidades, ainda mais quando o negócio é churrasco.
 
Andava pela rua indicada e não achava o lugar, atravessei todo o bairro Bela Vista e não localizei o açougue.
 
Perguntava para as pessoas se conheciam um açougue perto, ninguém sabia.
 
Finalmente quando encontrei, descobri o que aconteceu: inventaram de chamar o açougue de Boutique de Carne.
 
Não dá, é muita frescura.  A afetação domina o mercado.
 
Estamos perdendo a simplicidade. Tudo mundo quer ser sofisticado e oferecer um nome mais moderno para seu comércio. Um nome pomposo. E, de preferência, em inglês, para se mostrar atenado à moda.
 
Nada mais cafona do que o exagero.
 
É um caos, uma disputa para ser a última tendência que somente confunde e atrapalha.
 
Logo mais preciso de um dicionário para andar por Porto Alegre.
 
Padaria é Boulangerie.
Estacionamento é Paradouro.
Lava-jato é higienização de carro.
Salão de Beleza é Centro de Estética.
Farmácia é Megastore.
 
Perguntei para minha namorada onde ela estava.
 
Ela respondeu:
— Designer de pernas.
— O que é isso?, retruquei.
— Depiladora, ora bolas.
 
Cadê a modéstia das nossas profissões?

Ouça meu comentário na sexta-feira (25/1) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Jocimar Farina:
 

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

AMORES CURTOS SÃO DO INVERNO. AMORES LONGOS SÃO DO VERÃO


Iniciar romance no inverno é barbada. Nem deve contar pontos.

É quando a vida pede mesmo um abrigo antiáereo, o corpo receberá camadas ostensivas de roupa, o tempo fecha e intimida baladas, tudo favorece uma companhia constante para o chocolate, a pipoca e a televisão.

A testosterona diminui com o frio - natural os homens se renderem às mãos dadas nos passeios e aos relacionamentos sérios no Facebook.

No inverno, amor é oportunismo. As festas estão em baixa temporada, os lobos se aquietam dentro da alma dos cachorros. De interação, o máximo que acontece são jantares e
viagens com casais amigos. Nenhum marmanjo deseja ser excluído por falta de parceira.

É o momento ideal para engordar, reduzir as exigências estéticas e ter uma confidente para perdoar e partilhar os excessos.

O grande exame amoroso realmente é no verão. A partir de dezembro, abrem-se as inscrições ao disputado concurso público do coração, ao concorrido vestibular dos apaixonados.

Homem tem dificuldade de se apaixonar no ápice do calor. Ninguém em sã consciência pretende se envolver neste período. Ninguém tenciona sacrificar as inúmeras opções do baralho com uma arriscada cartada.

Ele guarda a noção de que é burrice namorar na alta temporada, não há cabimento deixar a pescaria no meio da piracema.

Parte da convicção de que, com uma única pessoa, jogará fora toda a dedicação na academia nos últimos meses para recuperar a forma. Lançará ao mar as latas de suplementos e de proteínas que gastou para repor os bíceps. 

A regra é não se prender e jamais inspirar uma sequência de encontros. Vale uma noite com alguém, e apenas uma noite. Duas seguidas já sugerem um caso, três correspondem a um rolo.

Homem enxerga o verão como desforra, suas 1001 noites de solteiro. Prefere ficar numa festa, azarar e recomeçar do zero.

Não ambiciona compromisso. Ele economizou no ano para gastar agora. Procura expor sua forma física, olhar as outras, beber até entortar, não ser controlado em horários, muito menos derrapar em seu próprio ciúme.

Praia e férias são sinônimos de desprendimento: não se incomodar e não ser incomodado, dormir até tarde, não sofrer as ressacas das discussões de relacionamento.

Portanto, se um homem começa namoro no verão é que ele enlouqueceu por você. Está de quatro, acabado, derrubado. Significa uma imolação sentimental, uma autoflagelação.

É totalmente contra seu código de ética e postura. É capaz de perder sua cadeira parlamentar na areia, sofrer CPI dos comparsas do trago.

Oficializar a relação no período requer firmeza de caráter. Ele enfrentará a gozação dos colegas, vai se isolar no circuito das festas mais quentes, fechará suas redes sociais para cortejá-la.

Não é pouca coisa para a tacanha mentalidade masculina. É como um atleta renunciando uma vaga na equipe olímpica do Amor. Terá que aguardar doze meses para reaver nova chance.

Não se ama impunemente em janeiro e fevereiro. É quase como casar. Quase.

Minha coluna na Revista IstoÉ Gente
São Paulo, janeiro de 2013, p. 62, Edição Nº 693

OFICINAS EM TRÊS CAPITAIS COM INSCRIÇÕES ABERTAS


 Foto: Camila Rodrigues

O poeta e escritor Fabrício Carpinejar ministra três cursos de verão entre janeiro e março em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre.

As oficinas de escrita criativa trabalharão a confissão e os relacionamentos na articulação de experiências de estilo, ajudando o aluno a selecionar a importância literária do que foi vivido, provocando comparações e relações imprevisíveis do cotidiano.

SÃO PAULO
Datas: 29, 30 e 31 de janeiro
Horário: 19h às 23h
Mais informações em: http://migre.me/cXtwZ

RIO DE JANEIRO
Datas: 6 e 7 de fevereiro
Horário: 18h às 22h
Mais informações http://migre.me/cXtz9

PORTO ALEGRE
Datas: 26 e 28 de fevereiro, 5 e 7 de março
Horários: 19h30 às 22h
Mais informações em: http://migre.me/cXtAl (em breve)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

INQUISIÇÃO SEXUAL

Sex shop ainda é tabu para muitos casais.
 
Maridos ficam ofendidos se a esposa traz um brinquedo erótico para casa.
 
O programa DRnaTV, da TVCOM, foi exibido na noite de terça-feira (22/1).

A mediação é de Sara Bodowsky e produção de Fernando Muniz.
  

BONECAS NÃO TÊM PELOS PUBIANOS

Arte de Eduardo Nasi

Saudade de Sônia Braga, de Cláudia Ohana, das divas envaidecidas dos pelos pubianos.

Abrir uma revista Playboy correspondia a sempre se maravilhar com os desenhos abastados no centro das virilhas.

O sexo feminino cobria os lábios, e as deusas criavam um mistério maior na abertura das pernas.

Os ritos mandavam na excitação. Respeitávamos o suspense. Para começar a peça, o teatro dependia primeiro do movimento das cortinas.

Até o cheiro vinha diferente, adocicado, com o suor acumulado das coxas. Não dava para resistir ao apelo.
 
* * *

Hoje a maior parte das mulheres decidiu se depilar totalmente. Cortou as madeixas íntimas.

A infantilização da nudez ameaça o nosso prazer.

São corpos meninos, corpos sem idade.
 
* * *

Tornou-se costume raspar os pelos na íntegra. Nem mais um arbusto protegendo o caminho. Nem mais uma tarja preta para promover o pecado.
 
* * *

Será que não é uma pedofilia enrustida, a fantasia da colegial de meias 3/8 e saias plissadas perpetuada no inconsciente?

Será que não é um desejo involuntário de se transformar numa Barbie ou numa Susie, já que as bonecas não têm pelos?

* * *

Não sei exatamente qual a explicação. Tenho só hipóteses. Pode ser também higiene, ou uma maneira de aproveitar as promoções da depilação definitiva. Pode ser preguiça, ou um truque para inspirar o sexo oral dos parceiros.

O que garanto é que os homens cansam fácil da ausência de penugem.
 
* * * 

É um desrespeito ao raciocínio do macho. Um atentado à nossa lógica cartesiana. É o mesmo que colocar pornografia no meio de Bambi.
* * *
 
Mulher toda depilada é uma fusão esquisita de Cicciolina com Cinderela. É Walt Disney produzindo um filme pornô.

* * *
 
Os pelos pubianos eram a nossa preliminar romântica, nosso espetáculo erótico, nosso jogo de adivinhação.

Havia uma curiosidade masculina para desvendar a cor natural: ruivos, loiros, morenos. Sonhávamos com a descoberta real da tez de nossa companhia. Ela poderia nos enganar com os cabelos, mas não lá embaixo.

Deliciávamos em colocar a mão em concha na calcinha e experimentar a natureza dos fios, ora lisos, ora crespos.

Naquele tempo em que não nos envergonhávamos da passionalidade.
 




Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
 

O GRANDE MOTIVO

Arte de Allen Jones

Tenho amigas lindas, inteligentes, divertidas e independentes sem namorado.

E sabe por que elas estão sem namorado?

Justamente porque são lindas, inteligentes, divertidas e independentes.

O homem ainda tem medo da mulher com autonomia. Da mulher que não dependa dele financeiramente.

Da mulher que faz piada, e não somente ri das piadas dele.

Da mulher que fala abertamente de sexo.

Da mulher que precisa de sexo e gosta de sexo.

Da mulher que se veste bem e tem ideologia.

Da mulher exigente, que não aceitará cantada com erros de português.

Da mulher educada, que não leva desaforo para casa.

Da mulher resolvida, mãe, viajada, informada, leal aos amigos.

Homem tem medo de alguém que vai desafiá-lo socialmente, intelectualmente, profissionalmente.

Tem medo de perder na conversa (mas amor é perder mesmo, de qualquer jeito).

Homem tem medo de mulher com opinião, que discorde dele na frente dos amigos, na frente da família.

Homem tem medo de ser passado para trás e daí não anda para frente.

Homem ainda deseja Amélia, a figura submissa, obediente, que se esconde no romantismo e dentro de um casamento.

Até quando?

Ouça meu comentário na manhã de quarta-feira (23/1) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Jocimar Farina:


terça-feira, 22 de janeiro de 2013

NOSSO PRECONCEITO COM O VEGETARIANISMO

Arte de Peter Blake
 
Não valorizamos os vegetarianos. Não reconhecemos os vegetarianos. Somos injustos com quem não come carne.
 
O estilo de vida é interpretado como uma deficiência, ainda mais no Rio Grande do Sul, onde imperam as churrascarias.
 
Ao conversar com um vegetariano, sempre quero convertê-lo. Ponho a batina. Fico moralista. Latinizo meu sotaque.
 
Reedito o embate ancestral entre o jesuíta e o índio. Ele precisa encontrar o Deus da Picanha. Não posso deixá-lo perecer longe do paraíso de um faisão temperado.
 
Preocupo-me com seu destino de pecador. Toca-me a vontade social de estender meus hábitos e dividir a conta no açougue.
 
Não comer carne é identificado como um trauma, algo de grave aconteceu para abdicar das delícias naturais. Ninguém abandonaria em sã consciência um filé selado e cheio de molho para passar o pão.
 
Talvez o sujeito guarde a lembrança de ovelha sendo descarnada na infância, e simplesmente sofra de nojo.
 
É olhar um vegetariano que desejo pagar terapia para ele. Sou tomado de um calor paternal, me dá esperanças de rifa.
 
Na verdade, sou como a maioria dos gaúchos. De mentalidade delirante e preconceituosa.
 
Desconfio da dieta. Confundo com teimosia, charme, que é insistir um pouco que o vegetariano abandona sua horta e desanda a chupar uma ripa da costela.
 
É impossível que seja feliz despeitando seu instinto primitivo, desrespeitando a tábua de salvação do espeto e dos amigos.
 
Nem posso discutir com um vegetariano, que meu impulso é trazê-lo para perto de uma churrasqueira.
 
Nem posso debater com um vegetariano, que meu impulso é comprar carvão e engradados de cerveja.
 
Por mais que acumule MBA, não assimilo a escolha madura e acertada, feita para melhorar a saúde e assegurar a longevidade. Avalio como um atentado ao prazer da mesa, uma renúncia carnal.
 
É totalmente louco de minha parte. Merecia ser internado numa fazenda hippie.
 
Enxergo o vegetariano como alguém que desistiu do sexo, que optou pela abstinência. Cometo gafes a torto e a direito. Pergunto, inclusive, quantos dias ele está “jejuando”.
 
É evidente minha descrença, a falta de lógica e de civilidade do juízo.
 
Tenho pena visceral, comparo o vegetariano a um prisioneiro eterno da Sexta-Feira da Paixão.  Condenado a repetir esse dia de privação pelo resto dos dias. Sem à la minuta. Sem xis bacon.
 
Sou curioso com o vegetariano, como se ele portasse doença rara. A curiosidade indica o preconceito. Faço perguntas destravadas e inconsequentes para entender como que ele funciona.
 
Não termino de questioná-lo. Não haverá outro assunto, a não ser a dinâmica de sua dieta e a origem de sua dieta.
 
E descubro, no fundo, que ele odeia ser chamado de vegetariano, que deveria estudar antes de falar bobagem.
 
Pois o vegetariano tem mais facções que o PT e todas as alas brigam pelo poder da velhice.
 
É o semivegetarianismo, o ovolactovegetarianismo, o lactovegetarianismo, o ovovegetarianismo, o vegetarianismo semiestrito e o vegetarianismo estrito.
 
Viver já foi bem mais fácil, e conviver também.



Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 22/1/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 17320

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

FELICIDADE EVENTUAL

Arte de Miró

Suporte a tristeza do filho.
 
Nem tudo é alegria.
 
Felicidade obrigatória somente cria desespero.

Ouça meu comentário de sábado (19/1) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Daniel Scola e Andressa Xavier:
 

sábado, 19 de janeiro de 2013

QUASE PERFEITO — Consultório sentimental de Carpinejar

"TRAÍ MEU MARIDO COM O ENTEADO"

Arte de Carlo Carrà

"Estou casada há cinco anos com um homem de 55, ele tem um filho casado, de 26. No início, eu e o rapaz tínhamos problemas. Ele não me aceitava muito bem. O tempo foi passando e apareceu um sentimento que nem sabemos bem o que é. No mesmo período, meu marido ficou doente e o quadro se agravou. Foram muitas as investidas dele, acabei cedendo e saímos uma vez. O problema é que me sinto culpada, e o rapaz continua insistindo, o que eu faço, meu Deus? Muito Obrigado pela atenção. Abraço Maiara"

 
Querida Maiara,

O sentimento que você não sabe bem do que se trata é incesto.

Você ocupa um papel maternal, mesmo que o filho não tenha nascido de seu ventre. É um filho moral.

Deveria ocupar a posição de tutela, o polo feminino complementar ao marido. O fato do enteado ser adulto e casado não representa atenuantes.

Filho será sempre uma criança, qualquer que seja a idade.

Não poderia se envolver sexualmente com o rapaz. Abusou da superioridade dos laços, da influência que exerce em casa.

E coloca a situação de tal forma que parece que não tinha como se defender: "Foram muitas as investidas dele que acabei cedendo". Que isso?

Não é verdade, querida. Não é uma vítima, uma coitada, enganada pelo enteado. Quando se compra uma realidade, temos que pagar com a memória. Ou pensava que seria de graça?

Sua crise de consciência não provém do que fez de errado, mas do medo da delação, já que o jovem prossegue insistindo e não quer vê-lo aborrecido e confidenciando a história ao pai.

Sequer está arrependida, receia apenas ser descoberta. Incrivelmente considera o romance natural: que mundo vive? Ainda coloca tintas de paixão na aproximação de vocês.

O inferno é hoje sua sala de estar.

Cometeu uma traição trifásica: corneou o marido, com ele doente e ainda com o filho dele. Impossível continuar com o casamento.

Não há maior castigo a um homem, a um pai, a um amante. Violentou todo o legado viril do esposo. Não deixou nenhuma pedra sobre pedra da relação.

Nem a sinceridade tardia é capaz de restaurar a convivência. Concordou que o filho humilhasse o pai e cumprisse o pesadelo psicológico de ocupar o lugar dele na cama.

Nem o completo silêncio abafará o peso da culpa, condenados a fingir naturalidade em almoços, jantares e aniversários daqui por diante.

O resultado da brincadeira: marido traído, nora traída, enteado desequilibrado e família em ruínas.

Meu Deus, sou eu que digo.
 
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 7
Porto Alegre (RS), 20/01/2013 Edição N° 17318
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

IMORTALIDADE EFÊMERA

O que é provisório é eterno.
 
Fui para academia de musculação como uma sacola ecológica, falei para mim que era provisório, que logo compraria uma mochila. Estou há quatro meses frequentando a academia com sacola ecológica.
 
Tirei o lustre do corredor, combinei com a família que era provisório, que logo trocaria, até hoje a lâmpada permanece pelada.
 
Coloquei caixas da mudança em um quartinho, avisei que era provisório, que iria arrumar, o quartinho virou depósito de bugigangas e nunca cumpri a limpeza.

Ouça meu comentário na manhã de sexta-feira (18/1) na Rádio Gaúcha, no programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:´
 
 

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

DEFINIÇÕES E EMAGRECIMENTO AMOROSO

Musculação melhora o sexo ou o narcisismo só leva os parceiros ao egoísmo?
 
Paradoxos do relacionamento no meu quadro DRnaTV, da TVCOM.
 
O programa foi exibido na noite de terça-feira (15/1).
 
A mediação é de Sara Bodowsky e produção de Fernando Muniz.
 

SÍNDROME DA MEIA-BOMBA

Arte de Eduardo Nasi
 
Homem tem medo de iniciar a transa sem estar rijo.

Precisa endurecer antes de tirar a calça, senão enrola e disfarça com beijos e tangos. Desconfio que ele criou o tango para acobertar a ausência momentânea de ereção e ganhar tempo. Pernas pra lá, pernas pro ar, são passos cênicos que ocultam sua fragilidade.
 
Não estou mentindo: o macho traz uma timidez assustadora no corpo.

O pânico de broxar regra sua vida.

Tente apalpá-lo com o membro descansando. Ele rejeitará o gesto. Afastará carinhosamente sua mão. Não imagino atitude diferente. É da raça se mostrar só alerta.

A dificuldade masculina com a preliminar descende do conteúdo à mostra.

Homem sofre do receio de não levantar sob pressão. De não corresponder às expectativas quando observado.

É como escrever com alguém olhando por cima dos ombros. É como cantar com alguém cronometrando o tempo.

É uma fobia boba, mas real e determinante.

O macho parte à refrega com a arma engatilhada, tomado do cheiro de pólvora. Antes não se arrisca. Não abre o zíper. Não desabotoa a camisa.

Sexo é certeza para o homem.  Objetividade. Matemática.

Evita qualquer ameaça de atentado. Cerca o terreno com antecedência para se entregar. Abomina a possibilidade de falhar e sacrificar a reputação.

Na cama, não se encaixa no perfil contemplativo e lírico, não fica à vontade nu e exposto, teme que a paciência da sedução produza apenas sono.

Mergulha numa prevenção infantil, extremista, de duelo de faroeste: ou vai pronto ou nunca.

Sua estratégia é se excitar sozinho, mentalmente, e partir direto ao ataque. Anseia pela penetração para se livrar do fantasma e relaxar.

Nem percebe que estraga o sonho erótico feminino.

A mulher deseja encontrá-lo murcho. É sua tara, sua vontade sigilosa, a suprema glória.

Vê-lo em repouso e ser a única responsável pela excitação.

Não ter dúvida de que é ela que o provoca. Não ter nenhuma desconfiança de que é ela que o tira do sério.

Quando o membro aparece pronto ao combate, existe a hipótese dele fantasiar com outras.
 
Já quando surge brando e ameno, a mulher se envaidece da própria sensualidade, arrepia-se por produzir o efeito vulcânico, ganha confiança para o arrebatamento.

Ainda mais se ele cresce, pouco a pouco, dentro dela.
 





Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
 

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O QUE NOS FAZ DECIDIR A FICAR COM ALGUÉM

Arte de Allen Jones

O que nos leva a querer passar a vida inteira com alguém é um mistério.
 
Você pode fazer a lista infindável do que mais gosta de sua companhia e do que menos gosta, mas nenhuma vai incluir a chave do relacionamento.
 
É um gesto, uma atitude, uma frase, algo que o toca em particular, que fecha com aquilo que procurava inocentemente desde pequeno.
 
Meu amigo Felipe se apaixonou pelo jeito que a Fernanda colava o brinco quebrado com bonder, mas ele não desconfia até hoje que foi isso.
 
Casou com ela depois de vê-la consertando a minúscula joia debaixo do abajur.
 
Ele briga, discute, discorda da esposa, porém jamais vai se separar. Essa cena despertou uma necessidade incurável da presença dela.
 
É o motivo do apego irascível. Existiu um quebranto, uma hipnose afetiva, talvez ele tenha se projetado no brinco (ela tentará me salvar quando me quebrar), talvez tenha se enamorado das suas concentradas mordidas de lábios.
 
O que posso garantir é que Felipe ficou alucinado de ternura: naquele momento decidiu que ela era a mulher de sua vida. Em seu sangue, gravou o rosto da jovem empenhada em salvar o brinco. Com o piscar das pálpebras, tirou a fotografia fundadora do seu amor, um sudário que preservará seu sentimento toda manhã.
 
Ele mal sabe que o real motivo de sua emoção está no plastimodelismo da infância. É bem capaz de nunca descobrir. Quando enfrentou catapora aos 10 anos, Felipe suportava sua solidão montando aviões. Grudava as pequenas peças de plástico com cuidado para não borrar a cola e estragar o encaixe. O brinco tornou-se mais um de seus aeroplanos.
 
Já vi gente que se uniu pelo modo de dobrar o guardanapo, pelo modo de morder uma fruta, pelo modo de gritar de susto, pelo modo de amarrar os cadarços.
 
Uma observação mínima acorda o inconsciente para sempre.
 
Quanto maior o amor, mais insignificante a origem.
 
Aceitaremos o cotidiano a dois sem determinar o porquê. Nossa decisão está baseada apenas na intuição. Um movimento nos ofereceu segurança para seguir em frente e aceitar o relacionamento.
 
Minha namorada tampouco supõe o começo de sua paixão por mim.
 
Inacreditavelmente, ela me ama pela forma em que tiro a camiseta. Com ambas as mãos, pelas costas, agarrando o tecido pela gola.
 
Ela acha o gesto protetor, viril, maiúsculo.
 
As mulheres se despem pela frente, de baixo para cima, levantando a blusa devagar e ritmado.
 
Como a maior parte dos homens, sou abrupto. Puxo a camiseta com força, livro-me dela, como um animal arrancando a pele.
 
Chega a ser cômico. E eu pensava que havia conquistado sua afeição com poemas.
 



Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 15/1/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 17313

SEM DEVOLUÇÃO

Arte de Kazimir Malevich

O que é impossível colocar de volta depois que abrimos? O que é irreversível? Sem chance de arrependimento. Sem chance de devolução.
 
Saco de lixo: Após tirar um, não tem como pôr de volta na embalagem.
Meia-calça: experimentar é sair com ela. Não tem jeito de restaurar a virgindade do pacote.
Aspirador de pó: é levantá-lo da caixa da loja que ele não entra mais ali, nunca mais. Não tem como aproveitar a caixa como berço.
Guarda-chuva: Não há como devolver para a minúscula capinha.
Bombom: o papel é derrapante, autoritário, feito para a compulsão. Desliza para nossa boca, inviável guardar para comer depois.
Lençol com elástico: Ainda não nos ensinaram a dobrá-lo, fica amontoado, embrulhado, indômito, uma poça de pano.
Champanhe: Tirou a rolha, é necessário tomar toda a garrafa.
Guardanapo: Eles se rebelam e não regressam ao envelope de plástico.
Camisinha: Mesmo que não tenha usado. Uma vez aberta, morreu.
Mala de mulher: É abrir para espiar que não tem como fechar de novo.
Homem: Assim que casa, incha, nunca recupera sua forma física.

Ouça meu comentário na manhã de terça-feira (15/1) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:
 

domingo, 13 de janeiro de 2013

QUASE PERFEITO — Consultório sentimental de Carpinejar

SERENATA NA JANELA, AGORA!
Arte de Ellsworth Kelly

“Preciso dos seus conselhos sábios. Estou saindo com um rapaz há alguns meses. Ele conhece todos os meus amigos e vice-versa. Nos falamos todos os dias, nos encontramos quase todos os finais de semana, trocamos mensagens de bom dia, boa tarde e boa noite. Ele me chama de ‘meu amor’ e vice-versa. Combinamos de sermos exclusivos: eu só fico com ele e ele só comigo. Seria perfeito, se não tivesse um porém. Toda vez que alguém pergunta se estamos namorando ele prontamente faz questão de afirmar que não, que estamos apenas ‘saindo’. Não quero forçar a barra e colocá-lo na parede porque não gosto dessa atitude. Mas por que não assume o que temos? Ele é 10 anos mais velho que eu e não sei se isso interfere em algo. O que faço? Beijo, Lilian”

Querida Lilian,
 
Não conservaria a educação que apenas beneficia a covardia do rapaz.
 
Atingiu aquele ponto natural da relação onde espera a convergência do público e do privado, do que é dito no ouvido com o que é exposto na rua.
 
Não existe outro caminho. É a encruzilhada obrigatória para o amadurecimento amoroso. Uma noite deve acontecer a serenata na janela e a vergonha entre os vizinhos.
 
Não lhe convence mais juras apaixonadas e ambiciosas no quarto se elas não são confirmadas na mesa do bar.
 
Assumir o namoro tem contornos delicados. Superou a primeira parte do drama: ambos confidenciaram o “eu te amo” na intimidade. Agora vem a segunda etapa: confessar o “eu te amo” para os outros, é dizer para todos do comprometimento, é sair de vez do mercado sentimental, é esclarecer em alto e bom tom que o coração está ocupado e não há vaga, é esvaziar as esperanças de casinhos e de flertes, é abandonar pretendentes e cantadas, é mudar o status nas redes sociais, é suportar as fofocas dos terceiros e as intrigas familiares.
 
Longe da exposição, o enlace de vocês se reduz a um delírio. É muito cômodo para ele – assim pode desembaraçar e terminar de repente, não precisando explicar o motivo do fim. Afinal, aos olhos dos amigos, não estão juntos, nunca existiram como casal, entende?
 
Ele foge por conveniência. Não é involuntário. Guarda exata noção do que vem fazendo e de seu provável desencanto. Mantém a união, curte os prazeres de sua companhia, enquanto prossegue a prospecção por novas mulheres. Não parou de caçar e de procurar um relacionamento melhor.
 
A atitude dele revela alguma vergonha. Ele não se enxerga seguro da história. Talvez seja muito feliz sexualmente ao seu lado, porém está desconfiando que você não é o perfil ideal para se gabar, seja por uma diferença cultural, seja de idade, seja de estilo de vida.
 
Experimenta um posto de amante exclusiva. Mas ainda amante.
 
É constrangedor ouvir “estamos saindo” aos demais quando ele fala a sós que você é o maior amor do mundo.
 
Tem que perguntar, tem que pressionar, tem que ser desconfortável.
 
Não quer colocá-lo na parede? Pois o abraço já é uma parede. Feche a saída e não permita que ele dê mais um passo antes de responder.
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 9
Porto Alegre (RS), 13/01/2013 Edição N° 17311
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.

sábado, 12 de janeiro de 2013

POR TODOS OS POROS

Quero rir no sexo.

Quero falar no sexo.
 
Quero querer.

Veja minha participação no programa Conexão Futura, da TV Futura, exibido na sexta-feira (11/1), com participação de Nádia Lapa e Carmita Abdo e apresentação de Cris Reckziegel.


sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

DESCANSO BAGUAL


Enquanto todo mundo que ir para Punta, eu sou apaixonado pelo litoral gaúcho. E gosto do jeito que é. Dizem que nossas praias são feias, retilíneas, sem atrativos.

Bobagem: nossas praias combinam com a resistência gaudéria.

Imagina se aqui fosse Angra? Não daria certo.

Beleza demais me deixa preguiçoso, terei que fazer montanhismo, caminhadas pelos morros, descer dunas. É tanta coisa para olhar que acabarei não descansando.

Água transparente não é uma maravilha, gera incômodo, lembrarei que não cortei as unhas dos pés.

No mar achocolatado do sul, posso perder a sunga e não serei preso por atentado violento ao pudor. Temos um vidro fumê de graça, que conserva a privacidade do mergulho. Em Copacabana, uma bunda branca já seria manchete. Nossa praia não causa escândalo.

É parar e pensar como o Nordestão vem sendo uma dádiva. Ocasionou a melhor arquitetura do guarda-sol do país. Ninguém coloca um guarda-sol como a gente. É fundo, firme, intransponível, existe uma técnica militar apuradíssima capaz de enfrentar e amansar ventos automobilísticos.

Nossos salva-vidas não são broncos, e sim artistas. Modelam castelos na frente das guaritas.

Nossos surfistas têm humildade, não desprezam nenhuma onda. São imbatíveis nas finais dos campeonatos, íntimos das marolas.

O protetor solar aqui recebe uma fina camada de areia que impede a entrada do raio ultra-violeta. Temos muito menos risco de câncer.

Nosso forte repuxo é uma fisioterapia. As pernas aparecem torneadas de ir e voltar de um banho. Já observei jogador de futebol se recuperar de lesões sérias. Entra mancando e volta correndo.

Nos dias de chuva, formamos campeões de pôquer e canastra.

Na ausência de lazer, criamos passeios para analisar as residências dos outros. A curiosidade nos permite ampliar os conhecimentos de decoração.

Não nos interessa unicamente a vista paradisíaca. O que vale é a interação com os vizinhos, reunir a família, reencontrar colegas.

Como nossa praia não é linda de morrer, continuamos vivendo, graças a Deus.

Ouça meu comentário na manhã de sexta-feira (11/1) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

DEPOIS DA DATA


Presente atrasado para aproveitar o desconto é muita mesquinharia. 

Assista como foi o meu quadro DRnaTV, da TVCOM, exibido na terça-feira (8/1).

A mediação é de Sara Bodowsky e a produção de Fernando Muniz.


quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O ÚLTIMO TANGO DE MARADONA

Arte de Eduardo Nasi
 
O amor não permite avareza. É a regra elementar.

Quem é avarento não ama. Assim como políticos que enriquecem durante seu mandato roubam, os casados que prosperam não se gostam mais. O casal apaixonado está mais preocupado com o prazer da companhia do que enriquecer. Vai comprar uma tevê que o orçamento não autoriza, uma geladeira maior do que o salário e depois encontra um modo de pagar.
Quem ama parcela. E a perder de vista, no mínimo em 48x para ficar mais tempo junto.

Homem devoto é mão aberta. Oferece o que não tem. Privilegia o arrebatamento. Não conta centavos, divide conta e cobra juros.

O namorado/marido que é mesquinho é um falso admirador.


* * *

Vivian concordaria comigo.

Namorava Nei há três anos.

Ela: jornalista, 37 anos. Ele: engenheiro, 42 anos.

No Dia dos Namorados, armou viagem para Buenos Aires. Meticulosa, intensa, reservou um apartamento na Recoleta.

No mês que antecedeu a data, escolheu os presentes a partir de cuidadosa observação. Lembrou que o hobby predileto dele na infância era jogar futebol de mesa. Encomendou, portanto, um time de botão em madrepérola com as cores do tricolor. Achou um fabricante das peças em Pelotas. Sairia uma nota, mas azar. Também foi atrás da obra completa de Iron Maiden dentro de uma caveira. Custaria 500 dólares. Não tinha condições, porém arrumou um trabalho complementar de revisão de livros na madrugada e descolou a quantia.

* * *


Na Argentina, Vivian desembrulharia o sonho.  Quando os dois estavam a sós no quarto, ela se antecipou com os presentes.

— Tchantchantchan!

— O quê?

Ele chorou de emoção. As gotas pesaram nos cílios, e rolaram até os lábios.


* * *

Dali em diante, houve vinte minutos confusos de silêncio. Vivian aguardava a sua vez. Sentada, tímida, na ponta da cama.

Ele colocou a música no laptop, enfileirou os jogadores na escrivaninha e…

…nenhuma menção de lembrança para Vivian.

Vivian não falava mais. Com a alegria engasgada. “Será que ele me esqueceu?” — pensou.

Nei farejou tragédia no ar e gritou:

— Ah, tenho algo para ti!

Ela não se conteve e bateu palmas, como uma criança surpreendida em seu pensamento mais carente. O engenheiro abriu a mala e pegou, do fundo, um envelope pardo.

“Envelope pardo? O que será? Nunca vi notícia de presente em envelope pardo, só propina” ­— ela raciocinou, com medo.

Ao abrir, retirou uma fotografia de Diego Maradona.

Olhou para Nei, embasbacada: o que significava aquilo? Ele sabia que ela não se interessava por futebol.

Deu um voto de confiança e virou a foto, para ver se havia alguma coisa escrita: o autógrafo do craque ou a explicação da brincadeira.

O verso resplandecia em branco.

— Eu comprei uma para ti e outra para mim, não é legal? — ele ainda explicou.
 

* * *
 
Ela terminou o namoro naquele lance.

Quem ama não economiza.
 

 




Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira