segunda-feira, 31 de março de 2014

VOLTAS NAS PERGUNTAS

Tente resolver as questões amorosas.

O que é a sua voz e o que é eco do relacionamento?

A rotina do casal atrapalha a individualidade?

Veja DRnaTV, que foi ao ar na terça (25/3), na TVCOM, com produção de Fernando Muniz.

CHORE POR MIM ARGENTINA!



Tinha esquecido o que é pisar em cocô de cachorro até visitar Buenos Aires.

Era atalhar a praça: pisava na m. Era descer do carro: pisava na m. Era atravessar a rua: pisava na m.

Quando vi placa de não pise na grama entendi como ironia. Não pise no cocô da grama. A grama é a última visita dos meus calçados.

Passei noites escovando meus tênis em baldes, enfrentando a repulsa de tirar a porcaria dos frisos.

Ninguém merece lavar as solas no tanque. Uma escovinha jamais resolve, é preciso partir um prendedor e cavar os resquícios em linhas horizontais e verticais. Serve faquinha velha, desde que não reponha na gaveta.

É o equivalente a jogar um cubo mágico com a nojeira. Mexer o quadrado de um lado e de outro. O nariz desaparece para não influenciar a boca.

Fui figura desagradável em vários momentos portenhos. Entrava em espaços fechados (teatro, livraria e cinema) e alguém gentilmente me informava que não cheirava bem.

Abortei sessões pela metade, frustrei passeios, incomodei a família com desengonçado tango.

Estava desacostumado. Foi quando percebi o quanto Porto Alegre evoluiu nos hábitos.

Recebi aquela saudade boa, que vem do orgulho.

Eu não mais atolo meu pé em nenhum cocô de cachorro na minha cidade. Faz muito tempo. Quase uma eternidade.

Na minha infância, ir para a escola consistia num caminho com obstáculos. Não havia chance aos distraídos. Observava a lua se despedindo do céu e já pagava o pedágio do chão.

Derrapava em dois cocôs por semana. No mínimo. E muitas vezes de chinelo, com a matéria gosmenta e viscosa atingindo os pés. Outras vezes, encardia o cadarço, spaghetti al sugo.

Nada disso mais acontece. Os donos dos cães porto-alegrenses modificaram radicalmente sua conduta. Civilizaram as calçadas. Recolhem as necessidades de seus cachorros no ato. Todos passeiam com uma sacolinha plástica. Quem esquece é malvisto pelo bairro, banido moralmente das redondezas. Existe uma fiscalização sutil, uma educação de respeitar o próximo, de poder sonhar livremente com poemas e suspiros sem se importar em tropeçar nos contratempos mundanos.

Minha mãe sempre me consolava dizendo que pisar em cocô de cachorro significava sorte. Prefiro ser azarado a ser argentino.

  

Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 30/03/2014 Edição N° 17748

sexta-feira, 28 de março de 2014

DIFICULDADE TELEFÔNICA

Arte de Mike Worrall

Homem não consegue conversar ao telefone e atender qualquer pergunta de sua mulher ao mesmo tempo.

Ele se perde todo, fica desequilibrado. Gagueja.

Se a mulher começa a fazer um gesto, ele salta o tom de voz, escorrega no silêncio, entra em parafuso, em estado de furadeira.  Esquece o que tinha para dizer.

Homem sempre acha que está cometendo algo errado - é sua esposa fazer uma menção com as sobrancelhas ou parar em sua frente e ele cai em pânico. Broxa. Apaga o motor do timbre. Não toca a ligação para frente. Parece que foi desmascarado, que falou uma bobagem e ela ouviu. E agora terá que enfrentar uma discussão de relacionamento.

Homem não consegue manter duas conversas ao mesmo tempo. É obrigado a desligar. É obrigado a saber primeiro o que ela deseja.

Ele fica constrangido com alguém mandando nele. O problema do homem não está em ser mandado, mas que os outros descubram que ele é mandado.

A mulher sim, a mulher pode ser interrompida enquanto conversa ao telefone e não terminará nem um pouco constrangida. Nasceu com o telefone na orelha. O telefone para a mulher é um ponto. O telefone para a mulher é um brinco.

Não se sentirá ofendida. Pode brincar com a mímica do marido. Pode rir  de sua presença incômoda. Ou colocar o fone para o lado e perguntar: - Por que está me incomodando, hein?

Ouça meu comentário na manhã de sexta-feira (28/3) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Jocimar Farina:

terça-feira, 25 de março de 2014

ALFAIATE INJUSTO

Arte de Otto Müller

O trabalho é insaciável. Todo emprego. Não terá trégua, folga, desconto.

Desde que comecei a trabalhar, aos 15 anos, não obtive nenhuma moleza. Nenhuma compreensão.

Apesar do excelente desempenho, é faltar por atestado médico, é se atrasar por engarrafamento ou greve de transporte, que estarei enforcado.

No trabalho, corda no pescoço é colar.

Não aceitamos desculpas e justificativas, a única coisa que vale é baixar a cabeça e se puxar.

O currículo só conta para contratação, depois o passado é abolido. A desmemória é valorizada. Render o máximo possível sempre, até quebrar. Se quebrar, não era tão bom assim.

E todos quebram. E todos cansam. E todos pedem um colo e um corrimão das escadas.

Não receberá intervalo para se restabelecer, período para se recuperar. É quebrar e suportar a troca imediata.

Ter feito milagres antes não é recomendação. Somos amplamente descartáveis.

Carreiras são jogadas fora num piscar de olhos, trajetórias consolidadas são dissolvidas num rearranjo de forças.

Pode ser um super-herói, um mago, um santo, um Hércules, um samurai, e não encontrará imunidade.

Demoramos um tempo imenso para adquirir credibilidade e facilmente extraviamos a confiança.

O trabalho é implacável. Não queira ser reconhecido, o reconhecimento dura 24 horas. A prática é se desconhecer ininterruptamente e recomeçar.

Você poderá ser o melhor vendedor de uma loja por seis meses consecutivos, mas é arcar com um dia ruim, somente um dia ruim, e será cobrado. Você pode ser o melhor corretor de imóveis, acumular vendas irreais, mas é enfrentar uma semana de deserto, que será criticado. Você poderá ser o melhor negociador agropecuário, mas é assistir a um mês de vacas magras, que perderá seu chão.

O trabalho é voraz, o que explica o quanto somos substituíveis.

Saudade não existe no mundo corporativo. Saudade é um sentimento proibido. Saudade é um luxo.

O trabalho não respeita ausência. Ausência é vaga. Ausência é lugar a ser preenchido, é alegria dos outros.

Quem já saiu de um emprego e jurou que nada mais funcionaria e se frustrou porque tudo continuou igual? Quem já largou um emprego de décadas, onde construiu a maior parte de suas amizades, organizou surpresas e amigo-secreto, e acreditou que ganharia um abaixo-assinado dos colegas para sua volta e não obteve um e-mail sequer de solidariedade? Quem já foi o primeiro a entrar e o último a sair no negócio e sua disciplina não rendeu ponto extra e bonificação na crise?

O trabalho é um alfaiate ao contrário. Um alfaiate ao avesso.

Não é a roupa que deve ser ajustada ao nosso corpo, é o corpo que deve ser ajustado para a roupa.

Não é o caso de cortar o tecido ou fazer bainha, nós é que temos que cortar mãos e pés e emagrecer e nos adaptarmos de qualquer jeito.

Não existe justiça no trabalho, talvez nem mais na família.

Nossa esperança agora é não ser demitido dentro de casa.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 25/3/2014
Porto Alegre (RS), Edição N° 
17743

domingo, 23 de março de 2014

DEIXA COMIGO

Arte de Francis Bacon

Sofro de cacoete de vereador. Prometo antes de cumprir, me comprometo antes de pesar as consequências.

Minha generosidade é de véspera. É como assinar antes de escrever a carta. É como preencher um cheque e não abrir a conta.

Sempre posso tudo. Antes de fazer, já estou falando, já estou comemorando, já estou acertando detalhes.

Atropelo ao tirar a palavra da boca. Não verifico a disponibilidade, não sondo as chances, subestimo esforços anteriores, já confesso que será barbada, que convivo com gente capaz de facilitar o trâmite e que basta um telefonema.

É um exagero só, passo a impressão de que experimento o centro do poder de qualquer assunto. Para impressionar os envolvidos, transformo meros conhecidos em grandes amigos, converto pessoas importantes - que jamais encontrei – em confidentes.

Improviso um gabinete na varanda. Armo uma tenda de milagres na cozinha.

Em vez de ficar quieto e resolver, em vez de solucionar secretamente e anunciar o feito apenas quando realmente é certo, assumo a pendência na primeira conversa. Não declaro meus limites, muito menos respeito às peculiaridades de cada situação.

A honestidade depende do senso de realidade. E fantasio de modo inconsequente.

Há uma falsa onipotência me reinando, um Napoleão adormecido em minha mente, um Kublai Khan sedado em meu sangue.

Sim, gostaria de ajudar, mas a vontade maior é de se sentir importante ajudando. Como se precisasse eternamente do voto dos meus amigos.

Prometi um emprego ao Diego, prometi encontrar uma editora para Beto e Éverton, prometi um marchand para Tiago, prometi apressar uma cirurgia para Geverson... Todos estão esperando religiosamente. Já foram meses, e não obtive nenhum resultado. Não vingou minha influência, não rendeu minha lábia, não alcancei nenhum privilégio. Tentei, e tampouco fui ouvido, igual a eles.

E agora, o que respondo?

Serei obrigado a dizer um “não” constrangido quando poderia ter dito um “não” altivo.

Eu me decepciono frustrando os outros. Criei expectativas à toa. Mexi com destinos e alegria familiares impunemente. Não respeitei ciclos da vida e a ordem natural da burocracia, procurei demonstrar facilidades irreais.

Meu comportamento não decorre da falta de popularidade, é megalomania mesmo. Sou um hospital de caridade sem leitos, sou uma creche infantil sem brinquedos.

Deveria ser cassado, isso que nem tenho cargo eletivo.
  
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 23/03/2014 Edição N° 17741

PIMENTA NOS OLHOS DO OUTRO É COLÍRIO

Arte de Jean Arp

Não era um simples colírio, mas gotas de ouro.

É assim que minha mulher apelidou o conta-gotas para aliviar a irritação dos olhos.

Seus olhos não estão mais irritados, a irritação passou para seus bolsos.

O oftalmologista receitou um medicamento de apenas 5ml que custa R$ 87.

Ela não acreditou quando foi adquiri-lo na farmácia. Continua não acreditando.

Teve que parcelar o produto. Em três vezes sem juros.

Nunca imaginou que iria parcelar um colírio. É o cúmulo da pobreza.

Você não tem noção do desespero quando ela precisa dele. Da concentração que desenvolve para umedecer suas pupilas.

Não posso falar com ela, não posso distraí-la, a casa depende de um estado de suspensão meditativo.

Katy deita no sofá. Respira fundo. Mira o alvo com todo o cuidado. Conta até três.

Um, dois e... pensa direito. E reinicia a contagem.

Não é um ato corriqueiro. Virou perícia, injeção. Requer a precisão de anestesista.

Nem pede ajuda para mim – a falha é pessoal e intransferível.

Porque quando ela erra a gota, perde quase R$ 10. É a lágrima mais cara de sua vida.

Se ela não está chorando, o desperdício atiça as glândulas lacrimais.

Ela não comprou um colírio, mas uma TPM a mais.

Ela não comprou um colírio, mas uma enxaqueca.

Ela não comprou um colírio, mas um dilema.

Ela não comprou um colírio, mas um diamante líquido.

Um transplante de córneas seria mais barato.

Nunca é a hora fatídica de colocá-lo. Adia o quanto pode.

Só vai botá-lo em caso de olho morto. Já fica tensa no instante de definir o uso, é seu momento Hamlet. Anda com o colírio na mão de um lado para o outro da casa:

– Será que devo ou não devo, eis a questão?

Qualquer sugestão de minha parte é irrelevante. Ela entra em transe intelectual, investigação existencial.

Quando estou em desvantagem numa discussão de relacionamento (o que é bem comum), pego o colírio do armário do banheiro e ameaço pingar gotas no chão.

Ela logo para, levanta as mãos para o alto e pede para me acalmar.

É uma tática que sempre funciona.

O oftalmologista dela é um excelente terapeuta de casal.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 18/3/2014
Porto Alegre (RS), Edição N° 17736

sexta-feira, 21 de março de 2014

TEMPESTADES E DILÚVIOS

Tudo o que inunda a cabeça dos casais está no DRnaTV.

Por que os homens traem?

Falta de vergonha na cara? Insegurança? Machismo?

Veja o programa que foi ao ar na terça (18/5), na TVCOM, às 20h30.


ÓBVIO!

Arte de Ernst Ludwig Kirchner

Não precisa me conhecer para saber que estou amando.

Não precisa de intimidade para saber que estou amando.

Não precisa de amizade para saber que estou amando.

É apenas me olhar que o porteiro do prédio  descobre que estou amando.

É apenas me olhar que o verdureiro descobre que estou amando.

É apenas me olhar que o vendedor de flores descobre que estou amando.

É apenas me olhar que o vizinho descobre que estou amando.

É apenas me olhar que o cobrador descobre que estou amando.

É apenas me olhar que o azulzinho descobre que estou amando.

É apenas me olhar que o balconista descobre que estou amando.

As palavras são dispensáveis.

As perguntas são dispensáveis.

É fácil descobrir quem está amando: ri em vez de cumprimentar, conversa sozinho, ouve música no pensamento, anda distraído, quase voando.

É bobo, a pele brilha, o olhar é céu de brigadeiro.

Quando amamos, não temos segredos, somos transparentes pela primeira vez na vida.

Nossa alma aparece antes do que o corpo.

Ouça meu comentário na manhã de sexta-feira (21/3) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Jocimar Farina:

quinta-feira, 20 de março de 2014

A MÁQUINA RECEBE SOPHIA REIS

Sophia Reis é atriz e apresentadora, comanda o programa "Eu Nunca" na TV Gazeta, e é filha de Nando Reis.

Ela foi minha entrevistada em A Máquina, onde fala sobre sua curiosidade e a produção de sentido nas coisas que faz.

A exibição aconteceu na terça (18/3), na TV Gazeta, às 23h30.


domingo, 16 de março de 2014

HOMEM SE APAIXONA FÁCIL, MAS AMA DIFÍCIL

Arte de Antonio Berni

Homem se apaixona fácil, o que ele tem medo é de amar.

Mulher não se apaixona fácil, mas não tem medo de amar.

São dois fusos diferentes. São duas realidades em desacordo.

Homem logo se entrega para um relacionamento, não mede esforços para ficar com alguém, renuncia sua vida e seus prazeres mais essenciais, altera sua rotina. Na paixão, sua generosidade é corajosa. Facilita as saídas aos bares e restaurantes, facilita a intimidade na casa, facilita o arrebatamento. Nada incomoda, nada atrapalha, nenhum defeito é contabilizado.

Sua complicação é quando passa a amar, quando larga a fase da aventura e do desconhecimento dos meses iniciais para fazer plano junto. Daí ele estaciona, emperra. Tanto que sofre horrores para dizer o primeiro eu te amo. Tanto que sofre horrores para misturar as escovas de dente. Tanto que sofre horrores para dividir as prateleiras. É como se não pensasse até aquele momento.

Na paixão, ele não avalia as separações anteriores, suas falhas de sistema, suas fobias de convivência. Explode por intuição, desmemoriado. É vir o amor que ele recua, entra em julgamento, contrai o olhar e economiza as palavras. É consolidar os laços que se confunde, acumula receios e inventa desculpas.

A mulher é exatamente o contrário, e bem mais coerente. Leva tempo para se apegar, questiona de saída, é desconfiada na paixão, cética na paixão, contida na paixão. Sofre passo a passo. Empenha malha fina da personalidade na apresentação. Sua instabilidade é de imediato, sua crise de consciência é no começo. Quando descobre que gosta realmente, é que se liberta e derruba suas defesas. É realizar projetos e formular expectativas que se solta e se desinibe. Para ela, o amor acontece mais natural do que a paixão. Paixão é choque, dói; amor é costume, cicatriza.

Homem diz “Não quero me envolver”. A mulher diz “não quero me apaixonar”. As declarações são representativas. Ele recusa intimidade após o contato, ela pretende evitar qualquer contato, já que a intimidade não a assusta.

Homem mergulha para reclamar da água. A mulher experimenta a água antes de entrar.

Homem tem primeiro certeza para depois duvidar. A mulher duvida até cansar sua cautela.

Homem oferece tudo para retirar gradualmente. A mulher esconde tudo para oferecer aos poucos.

Homem se mostra desembaraçado e, em seguida temeroso. Mulher se apresenta temerosa e, em seguida, desembaraçada.

Homem decide rápido para desmanchar lentamente sua convicção. Mulher demora a se decidir, mas não volta atrás.

Homem é paixão. Mulher é amor.
  
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 16/03/2014 Edição N° 17734

sexta-feira, 14 de março de 2014

A MÁQUINA RECEBE RECEBE RAPPIN' HOOD

Rappin' Hood é rapper e apresentador paulista, recebeu dois Discos de Ouro por mais de cem mil cópias vendidas de seus álbuns.

Ele é meu entrevistado no programa A Máquina, e fala que o brasileiro precisa aprender a perder e não desvalorizar o segundo e terceiro lugar.

A exibição aconteceu na terça (12/3) na TV Gazeta, às 23h30.

ESPUMA INTELIGENTE

Arte de Renata Egreja

A mulher não toma banho para apenas se lavar. Como o homem.

O homem é prático, rápido, funcional.

A mulher toma banho para organizar seu pensamento, para se entender.

O banho é sua solidão, é seu esconderijo, seu escritório, sua porta fechada, é ninguém incomodando, é ninguém interrompendo, é ninguém chateando.

Desde pequena, o banho é sua independência, é onde tem todo o tempo do mundo para raciocinar o que está fazendo de sua vida.

Sem nenhuma pressão. Sem nenhuma interferência.

Pois vai cuidar do cabelo com xampu e condicionador, pois vai usar cremes, pois vai limpar sua calcinha.

Ela demora demora demora porque fica massageando suas ideias, renovando suas críticas, refletindo sobre suas dúvidas.

O banho é sua terapia, sua conversa com a água, seu monólogo.

Quando a mulher briga ou discute, recorre ao banho.

É lá que pretende chorar, desabafar com privacidade, repor sua confiança.

O banho não é somente banho para a mulher, é onde toma suas decisões. Onde define suas certezas. Onde repensa suas opiniões.

Tanto que ela sempre deixa o banheiro decidida, articulada, expondo convicções, como se fosse um outro dia.

A mulher não precisa dormir para esfriar a cabeça, ela toma banho e já pula para o dia seguinte.

Ouça meu comentário na manhã de sexta-feira (14/3) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Jocimar Farina:

quarta-feira, 12 de março de 2014

A MÁQUINA RECEBE DR. REY

Dr. Rey é brasileiro, foi adotado aos 12 anos por uma comunidade religiosa americana e se tornou um dos cirurgiões plásticos mais famosos do mundo.

Em entrevista ao meu programa A Máquina, ele diz que até hoje não acredita como alguém o amará, já que seus pais não o amaram.

A exibição aconteceu na terça (4/3) na TV Gazeta, às 23h30.


terça-feira, 11 de março de 2014

COMIDA CASEIRA

Arte de Kitaj

Rosa convidou meu amigo para jantar. Prometeu que faria um prato especial.

– Vou sair mais cedo do trabalho e cozinhar para você!

Estefan sonhou com romance à moda antiga: meia-luz, mesa feita, fumaça de temperos e a lenta e sensual dança do fogo de quem se dedica à culinária para agradar ao convidado.

Ele teria somente a missão de abrir o vinho e sorrir.

A princípio, uma mulher diferente, que não tinha medo de intimidade, evitava as tradicionais saídas aos restaurantes e conversas impessoais.

Ele tocou sua campainha pontualmente às 21h, carregando um ramalhete de flores e bombons.

Ela agradeceu, e logo desfez a magia do longo olhar chamando-o para dentro. A casa não estava no clima de comédia romântica. Mais parecia um camarim de tragédia grega. Bagunçada, excessivamente iluminada, com roupas espalhadas pelos cantos.

Estefan estranhou, mas desligou os sensores críticos. Queria fruir, relaxar, aproveitar o primeiro encontro. Dificilmente achava alguém caseiro, capaz de perder tempo com rituais e preliminares.

Foi quando Rosa o convidou para a cozinha.

Ele entrou pedindo licença, cheio de cesuras, lembrando os modos da infância.

Agitada e com respiração cortada, ela abriu o congelador e questionou à queima-roupa:

– Ravióli ou canelone?

– Canelone! – exclamou sem pensar muito.

Rosa tirou o papel da bandeja, raspou o gelo e enfiou rapidamente o congelado no microondas.

Zás, vapt, vupt!

Enquanto o prato girava seus 15 minutinhos no interior do aparelho, ele procurava admitir que talvez aquele seria o decisivo menu da noite.

Observou ao derredor. Não havia nenhuma segunda opção, nenhuma salada, nenhuma comida enredada pela preguiça amorosa das mãos. O fogão estava lacrado com a tampa de vidro, intocado, como um piano abandonado.

A partir daquele instante, percebeu que se envolvera com o perfil múltipla escolha.

Tudo o que Rosa falava era uma falsa dúvida, já que nem esperava que ele respondesse.

Na hora de servir:

– Refrigerante ou suco?

Na hora de comer:

– Tevê ou música?

Na hora de transar:

– Cama ou sofá?

Na hora de gozar:

– Amor ou amizade?

Na hora de se lavar:

– Chuveiro ou banheira?

O amigo perplexo, tonteado, apenas conseguiu responder todas as perguntas com uma outra:

- Porta ou janela?





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 11/3/2014
Porto Alegre (RS), Edição N° 
17729

ESTRANHO EQUILÍBRIO

Arte de Kitaj

Eu descobri ontem um provérbio perfeito: Se quer ser amigo feche um olho, se quer manter uma amizade feche os dois olhos.

Faz muito sentido. Amigo é não se meter, por mais que tenhamos intimidade, é respeitar a decisão mesmo que não seja o que você pensa.

Se ele procura namorar alguém que você não gosta, é dar apoio igual. Se ele pretende permanecer num emprego que você não acha justo, é dar apoio igual. Se ele busca manter uma vida que você não considera ideal, é dar apoio igual.

É estar junto apenas, para qualquer dos lados.

Amizade é dança. Acompanhar o ritmo da música.

É opinar, expor sua crítica, mas não viver pelo outro.

É não intervir, não pesar a mão, não exagerar.

Amigo não é ser pai, não é ser mãe, não é educar.

É aceitar o que ele é, é reconhecer o que ele deseja, ainda que seja muito diferente de suas crenças.

É entender o momento de falar e entender também o momento de silenciar.

Análise demais estraga a amizade. Você estará sendo terapeuta, não amigo.

É discordar e seguir adiante. Não é discordar e fazer oposição, boicote, greve. Até que nosso amigo mude de ideia.

Amigo é oferecer conselho, não um sermão. É alertar, jamais insistir.

Amizade é fugir do julgamento, é compreender a alternância, os altos e baixos, os desabafos.

Amigo não cobra coerência, não fica em cima cutucando feridas.  

É saber tudo e agir como se não soubesse de nada. É não ficar apontando o que é certo ou errado.

Amizade é difícil. Amizade é um estranho equilíbrio.

Mas amizade não é cegueira. É a arte de enxergar com os ouvidos.

Ouça meu comentário na manhã de terça-feira (11/3) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Jocimar Farina:


domingo, 9 de março de 2014

SONO DE CRIANÇA


Arte de Kitaj

Quando criança, errar é poesia. Quando adulto, errar é malandragem.

Não deveria ter crescido. Porque cresci sem mudar. As pessoas é que mudaram seu olhar sobre meu temperamento. Não sou perdoado por falhas, lapsos, gafes.

Antes era engraçado, hoje sou irresponsável. Antes era distraído, hoje sou preguiçoso. Antes era charmoso, hoje sou idiota.

Você não tem ideia do esforço que faço todo dia para ser adulto.

Tomo café de propósito, e não Nescau, que adoro, para não me entregar.

Nos anos 80, ainda em meus dez anos, recebia a tarefa de comprar coisas que faltavam para o jantar no armazém.

Não anotava o que minha mãe queria. Buscava memorizar, e me atrapalhava.

Não foram poucas as vezes em que ela solicitava pêssego e pegava abacaxi, ela esperava por mostarda e trazia catchup, ela aguardava por salsinha e surgia com alface.

As palavras formam vizinhanças estranhas em minha cabeça.

Num finzinho de tarde, parei novamente na frente do balcão com a missão de levar pão e doces, já que tínhamos visita.

A balconista me encarava enquanto eu resgatava, dos longínquos sons da memória, a encomenda materna. A fila atrás impacientava a atendente, suas sobrancelhas subiam à touca.

Lembrei de cara do pão de 1/2. Mas e o doce? Qual era o doce? Recordava que havia merengue na receita, mas não vinha o nome. Nem existia uma vitrine para apontar:

— É este!

Na ânsia de resolver, falei alto:

— Me dá um bocejo?

A moça, intrigada, rebateu a esquisitice:

— O quê?

— Me dá 300 gramas de bocejo? — especifiquei.

— Bocejo, meu filho? — ela questionou, para logo completar. — Tenho sono, só que não posso bocejar para ti agora, estou trabalhando.

As pessoas na minha cola começaram a rir. Mas rir ajudando, rir acolhendo, rir me amparando.

— Não seria sonho?

— Não, não, não.

— Não seria papo de anjo?

— Não, não, não.

Dez minutos depois, Zé, o dono do lugar, gritou do fundo dos corredores:

— Não seria suspiro? A Dona Maria adora suspiro.

— Sim, sim, sim! Suspiro!

Fiquei conhecido na infância como o piá que desejava comprar bocejo no armazém.

Pedi bocejo, saí suspirando.

Naquele tempo, enganar-se não era crime. Era licença poética. 

  
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 09/03/2014 Edição N° 17727

quinta-feira, 6 de março de 2014

A MÁQUINA RECEBE MONJA COEN

Monja Coen é monja zen budista e a primeira monja de descendência não-japonesa a assumir a Presidência da Federação das Seitas Budistas do Brasil por um ano.

Em meu programa A Máquina, ela fala sobre a importância da prisão por porte de LSD e da relação de escolha com a filha.

A exibição aconteceu na terça (25/02) na TV Gazeta, às 23h30.

quarta-feira, 5 de março de 2014

O AUGE DO DESESPERO FEMININO

Arte de Peter Blake

Eu sei quando uma mulher está desesperada. Bem desesperada. Altamente desesperada. Quando ela está prestes a se separar, ou romper os laços com o trabalho, quando não aguenta sua rotina, quando expulsa os demônios, quando não responderá mais nada educadamente, quando não pretende conversar, quando atravessou a arrebentação e agora irá gritar e não fique por perto e não busque acalmá-la, que ela passou realmente dos limites e não adianta fazer o que ela pediu ou falar o que ela desejava ouvir, pois é tarde.

Quando ela tomar esta atitude, deu, foi, o vulcão rugiu e cobrirá o dia de tremores.

A mulher está desesperada na hora em que derruba o conteúdo de sua bolsa sobre a mesa, na hora em que despeja sua bolsa, na hora em que vira de cabeça para baixo sua bolsa, na hora em que derruba tudo desprovida de compaixão, desligada do cuidado se alguma coisa quebrará no choque com a realidade.

A bolsa é seu controle, sua memória, sua casa portátil.

O gesto tem uma dramaticidade de ópera, um sentido de ária. Significa o fim dos bons modos, sinaliza a rendição ao caos, nada será como antes.

Na sua mentalidade, expor os segredos da bolsa é desistir da razão ou da forma como enfrentava as adversidades até aquele momento.

A bolsa é a derradeira fronteira da aparência, os limites entre a cidade e o inferno.

Se ela deixou de procurar o que queria encontrar com a eficiência do tato, se ela deixou de procurar o que queria encontrar com a luz do celular, se ela não achou o que queria nem com os olhos das mãos muito menos com os olhos dos olhos, é que o negócio é sério, ela explodiu, perdeu a paciência, dobrou a esquina do desaforo.

A bolsa é seu equilíbrio, guarda o que precisa lá, conserva o que gosta lá, conhece exatamente seus zíperes, seus bolsos, seus esconderijos.

A bolsa é sua alma, seu chacra, seu yinyang, seu espírito.

Quando tem consciência da localização das coisas na bolsa, está tranquila, está centrada, está focada, está confiante.

Jogar fora o que vai dentro expõe que a situação não tem conserto, é uma medida extrema de mudança de personalidade.

Ao despejar a bolsa, ela verá o que foi sua vida no último mês. O que ela tentou esconder de si mesma. E iniciará uma faxina sem precedentes.

Todo cuidado é pouco, você pode desaparecer junto.




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 4/3/2014
Porto Alegre (RS), Edição N° 
17722

domingo, 2 de março de 2014

ÁGUAS PASSADAS NÃO MOVEM CASAMENTOS

Arte de Fatturi

Todo casamento é a soma de experiências únicas e intransferíveis.

O casal são sempre três pessoas: o que ele é, o que ela é, o que um é com o outro.

Ele pode ser algo fora dali, ela pode ser algo fora dali, e os dois podem se mostrar totalmente diferentes do que são quando combinados.

A intimidade não muda as pessoas, a intimidade é o resultado da química entre as duas pessoas.

A intimidade é o entrosamento secreto do casal, o que não é acessado por nenhum fofoqueiro ou paparazzi.

A intimidade é como um filho espiritual, uma personalidade distinta formada a partir da união de dois temperamentos.

Assim o legado de um relacionamento não tem como ser usado - eis a complicação amorosa, o xeque-mate do destino.

Ninguém aprende com os erros de um casamento. O casamento é uma caixa-preta, que só serve para resolver um único e solitário desastre.

Quando alguém diz que agora não vai mais errar e sabe o que falhou na convivência passada está se enganando.

As relações não são estáticas e repetíveis.

Você pode não ter tido paciência com uma mulher e ter o dobro de atenção com quem agora vive e não surtir nenhum efeito. Você pode não mais ser ansioso e apressado em seu romance atual, pois foram os sintomas mais criticados em sua história anterior, e não surtir nenhum efeito. Você pode não trair e ser leal como um escoteiro, suas maiores falhas no histórico afetivo, e não surtir nenhum efeito.

Arcará com consequências inéditas de uma intimidade também inédita. Consertar uma esposa com a seguinte é criar um Frankenstein. Ela não tem nada a ver com o que aconteceu anteriormente.

Nem você é o mesmo, não se deixa levar pela miragem de que não saiu influenciado e alterado por tudo o que viveu. As transformações são silenciosas e sutis dentro dos hábitos, e não pensa igual e da mesma forma. A dor e o luto entraram em seu sangue e já determinam suas decisões futuras. Sua cabeça não é igual como no início de um conflito pregresso, muito menos seu coração.

Os erros de um casamento apenas podem ajudar na reconciliação, é uma errata de um livro já escrito. Jamais poderá corrigir um livro antigo com o próximo, com novos personagens e novos enredos.

 
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 02/03/2014 Edição N° 17720

ESPERTEZA PRAIANA


Quer seduzir outras mulheres? Passe protetor solar em sua esposa com enorme paciência e lenta satisfação.

O maior sedutor não é o malandro, não é o esperto, mas o monogâmico. O fiel. O que tem olhos apenas para sua a patroa.

Veja minha crônica eletrônica no Jornal do Almoço, exibido neste sábado (1/3) na RBSTV

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