Meu amigo fingiu que saiu a beber comigo, mas passou toda a noite discutindo com a namorada no whatsapp.
Combinamos que colocaríamos a conversa em dia, nada da companhia de nossas mulheres, pois dependíamos de um pouco de privacidade para reprisar as vidas e os últimos acontecimentos.
Sentamos numa mesa à janela para comentar o vaivém da rua. Quando pedimos a primeira rodada de chope, o celular dele apitou e ele se distraiu para o brinde.
Ele me acalmou – “Só um minutinho” – e foi responder a mensagem da namorada. Achei que era, a princípio, para dizer que chegou bem, informar o paradeiro e não gerar preocupação.
Mas havia um atrito no ar, não entendi direito, o que sei é que ele baixou a cabeça para nunca mais levantar. Nunca mais me olhou nos olhos.
Discutiam, só podiam, já que escrevia rápido e as mensagens se desdobravam em parágrafos.
E eu bebendo sozinho, observando aquele entrevero digital sem fim. E eu levantando as sobrancelhas ao infinito das outras mesas. E eu, carente, puxando papo com o garçom sobre o movimento da semana. E eu indo e voltando do banheiro e ele nem reparava no meu sumiço.
Às vezes, ele soltava uma pergunta messiânica para a montanha – “E aí, como você está?” –, e logo se debruçava novamente ao aparelho, antes do eco de minha resposta.
O amigo seguiu viciado no aplicativo, aguardando que ela terminasse de digitar, enlouquecido no joguinho do amor, no entretenimento de ter razão.
Após entornar cinco chopes, pedi a conta. Ele concordou rapidamente, avisou que precisava mesmo se encontrar com a namorada.
Eu gargalhei, pois o que ele fez foi se encontrar com ela me usando como cúmplice. Na verdade, faltou ao encontro comigo. O que era virtual era real, e o que era real era virtual. Não segurei vela, segurei um extintor de incêndio para o casal.
Irônica acabou sendo a nossa despedida. Ele me abraçou forte, bateu em minhas costas e elogiou a nossa saída:
– Temos que fazer mais dessas!
Eu apenas concluí com os meus botões: jamais.
Não dá para sair com amigo que leva celular. Ele deve deixar em casa. Ou colocar num saquinho de pertences na entrada do bar.
Viramos plantas e samambaias das janelas do aparelho.
E não é porque ele brigava por um motivo sério. Mexeria no celular por qualquer coisa. Qualquer que seja o estado afetivo e seu status.
Se ele estivesse apaixonado, trocaria juras de amor com a namorada. Não a abandonaria nem por um minuto. Descreveria o lugar, mandaria fotos da bebida, desabafaria que gostaria que ela estivesse lá, que morre de saudade, que não vê o momento de voltar, e me esqueceria igual.
Se ele estivesse solteiro, estaria trovando dezenas de pretendentes ao mesmo tempo, rindo das sacanagens, comentando imagens sensuais, marcando pontes para logo adiante, e me esqueceria igual.
Decidi não mais trocar meu iPhone 5 pelo 6, e sim procurar uma versão atualizada da amizade. Será que não encontro uma amizade 8 Plus, mais avançada do que a tecnologia da camaradagem que anda por aí?
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.36
Porto Alegre (RS), 17/05 /2015 Edição N°18165