Arte de Eduardo Nasi
Sempre fui fã de varrer. Vassourar não é um ato gentil, de empurrar a palha com cuidado submisso pelo chão.
Aquele que dança vagarosamente com o cabo mata o tempo, imagina passos de samba, jamais limpa.
A vassoura pede gestos bruscos e firmes. É para socar o solo, com obsessão de boxeador. A agressividade é o único jeito de recolher a sujeira do canto e espantar o pó.
A vassoura é uma trabalheira do inferno, de gente dura e fervorosa, por isso que zeladores optam por usar a mangueira para evitar o desgaste excessivo do pulso.
Quem pensa que varrer é proeza da delicadeza nunca faxinou um pátio.
Repare no gari de sua rua, ele transforma a vassoura em uma enxada, tamanha a força que empenha em seus braços.
Não dá mole para baganas, papéis grudados e chicletes. Finca a cabeleira sarará nas frestas do meio-fio, sem medo de quebrar o vento.
É heavy metal, é trash, é de uma crueldade ritmada.
Eu tenho medo de encostar o dedo no uniforme laranja, romper sua concentração e receber um tapa involuntário. Seria muito mais amistoso interromper o transe de um sonâmbulo.
Desde cedo, eu identifiquei a vocação violenta do hábito.
Recorria à vassourada como uma terapia, minha tarefa caseira de sexta-feira.
Suava, cansava os ombros, exorcizava a energia maldita.
Um dos primeiros sinais de minha independência foi quando descobri a possibilidade de varrer e segurar a pazinha ao mesmo tempo. Tinha dez anos no instante em que equilibrei a vassoura numa mão e a pazinha noutra. Meio por acaso, meio aloprado pela pressa. E consegui depositar a sujeira inteira para dentro do vão. Aquilo mexeu comigo. Era como levantar o guincho de uma retroescavadeira.
As palavras se tornaram maiúsculas naquela manhã. Adquiria um superpoder, uma tecnologia avançada. Abobado, comemorei a repentina emancipação.
Antes dependia dos outros para terminar a missão. Recolhia as folhas do quintal, os ciscos, os abacates podres e esperava que a mãe ou algum irmão viesse me socorrer. Identificava a pazinha como um embargo, atrasava invariavelmente o futebol e as brincadeiras com o playmobil. Depois de gritar por apoio, mofava no terceiro degrau da área de serviço: horas mortas, baldias, desnecessárias.
Quando pude realizar tudo sem a ajuda de ninguém, eu me vi maduro. Finalmente podia morar sozinho, estava pronto para ficar solteiro mais do que casar.
Foi um dos poucos momentos de solteirice em minha vida.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
27/8/2014