Dormir é pessoal. Dormir é um ato cheio de manias e restrições. Há o colchão de toda a vida, há o cobertor predileto, há o abajur especial da cabeceira.
O sono é regrado por simpatias inegociáveis, surgidas já na infância. São exigências para enganar a insônia e reproduzir o acolhimento da casa natal.
Tem gente que só dorme com a luz acesa. Tem gente que só dorme no escuro.
Tem gente que só dorme com frestas da persiana. Tem gente que só dorme com três travesseiros. Tem gente que só dorme abraçado ao travesseiro. Tem gente que só dorme com o travesseiro entre as pernas. Tem gente que só dorme destapado. Tem gente que só dorme com o rosto debaixo do braço. Tem gente que só dorme de banho tomado. Tem gente que só dorme com meditação. Tem gente que só dorme com música. Tem gente que só dorme com ar-condicionado ligado. Tem gente que só dorme com televisão acesa. Tem gente que só dorme depois de ler. Tem gente que só dorme roncando. Tem gente que só dorme falando. Tem gente que só dorme em silêncio. Tem gente que só dorme com remédio de nariz. Tem gente que só dorme com o despertador programado. Tem gente que só dorme com o seu gato. Tem gente que só dorme com o seu cachorro aos pés. Tem gente que só dorme de meias. Tem gente que só dorme no lado esquerdo. Tem gente que só dorme no lado direito. Tem gente que só dorme atravessado. Tem gente que só dorme com lençóis limpos. Tem gente que só dorme de portas fechadas. Tem gente que só dorme nu. Tem gente que só dorme de pijama. Tem gente que só dorme no sofá. Tem gente que só dorme vendo filme. Tem gente que só dorme ao rezar. Tem gente que só dorme com celular do lado. Tem gente que só dorme após um copo de leite. Tem gente que só dorme após um cálice de vinho. Tem gente que só dorme acompanhado do urso de pelúcia. Tem gente que só dorme de bruços. Tem gente que só dorme quando o filho volta da universidade ou da festa.
Por isso é que dormir com outro é muito íntimo. É e sempre será a maior intimidade que existe. Mais do que sexo.
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 4, 29/12/2015
Porto Alegre (RS), Edição N°18400