quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A MÁQUINA RECEBE NASI

O cantor e compositor Nasi foi o entrevistado da Máquina da última terça-feira.

Ele conta sobre como foi se reaproximar do amigo e integrante da banda Ira!, Edgard Scandurra. Confira em meu programa A Máquina, da TV Gazeta, que foi ao ar na terça (29/10), às 23h30.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

SINTOMAS DA PAIXÃO

Como saber que está apaixonado?

Você fará justamente o oposto do que sempre aconselhou os amigos.

As pessoas pensarão que você morreu: não vai atender telefone, abandonará a família.

Veja DRnaTV, que foi ao ar na terça (29/10), com produção de Fernando Muniz, na TVCOM.


terça-feira, 29 de outubro de 2013

QUESTÃO DE PELE

Arte de James Ensor

Há uma distinção fundamental entre o homem e a mulher.

A mulher prefere transar quando está à vontade, disposta, leve, com a cabeça boa. Entende o sexo como inspiração, merecimento de um momento.

Não adianta vir quente se ela estiver fervendo de raiva.

Com um problema ou um aborrecimento a resolver, não vestirá o roupão e entrará na arena. Nem por decreto. Ainda por cima, chamará você de insensível.

Se tomada de preocupação ou sobrecarregada do trabalho, não cederá aos apelos da carne. Se machucada por alguma frase ou com orgulho ferido, não assumirá o enlace. Se estiver comendo chocolate ou se sentindo gorda, nem tente convencê-la de que seu corpo é bonito.

A qualidade do contexto determinará sua vontade – antes de fazer sexo, a mulher pergunta “Onde? Como? Quando? Por quê?”. Não é de qualquer jeito e em qualquer lugar.

Já o homem é o oposto. Quer transar principalmente quando não está bem. Transa para se recuperar, para sair do desespero, para abandonar a tristeza. Pode perder o emprego e transar como antídoto, poderá estar falido e transar como esperança, pode estar acabado e transar como ressurreição. Enfrenta divórcios e separações com sexo. A ala masculina acredita que o sexo acalma mais do que cachaça e antidepressivo.

São dois extremos de comportamento.

Para a mulher, sexo é argumento. Para o homem, sexo é desculpa.

Para a mulher, sexo é eleição. Para o homem, é golpe.

Para a mulher, sexo é virtude. Para o homem, sexo é vício.

Para a mulher, sexo é resultado do dia. Para o homem, é uma nova noite.

Para a mulher, sexo é julgamento. Para o homem, sexo é perdão.

Para a mulher, sexo é concentração. Para o homem, é distração.

Para a mulher, sexo é literatura. Para o homem, é televisão.

Para a mulher, sexo depende de 100% de entrega. Para o homem, não depende de nada.

Para a mulher, sexo é comemoração. Para o homem, é salvação.

Para a mulher, sexo é escolha. Para o homem, é catarse.

Para a mulher, sexo é caminho. Para o homem, é fuga.

Para a mulher, sexo é transparência. Para o homem, é confusão.

Para a mulher, sexo é confiança. Para o homem, é provocação.

Para a mulher, sexo é confirmação de expectativas. Para o homem, é reversão do quadro.

Para a mulher, sexo é sinceridade. Para o homem, é fantasia.

Para a mulher, sexo é parte da vida. Para o homem, é o sentido de toda a vida.

E haja sexo para anular as diferenças.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 29/10/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 17598

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A MÁQUINA RECEBE MAURO BETING

O premiado jornalista e escritor Mauro Beting foi o entrevistado da Máquina da última terça-feira (22/10). Ele comenta que não sobraram heranças do pai, Joelmir Beting, pois ele deixou tudo em vida para os filhos e netos.

“O maior legado da família é o amor, aquele amor italiano, de todo mundo brigar e bagunçar. Este é a maior herança que meu pai deixou”, revela.

Confira em meu programa A Máquina, da TV Gazeta, que foi ao ar na terça (22/10), às 23h30.

domingo, 27 de outubro de 2013

COITADO DO HOMEM


Arte de Fatturi

Um dos impasses masculinos no casamento é conciliar a porção macho protetor e a porção criança feliz.

Porque sua mulher ama quando você é adulto, firme, decidido, capaz de resolver crises e contas, dar colo e acalmar, dizer que tudo vai dar certo com a voz resoluta de radialista.

A mulher ama e espera ser amada desse modo. Com alguém disposto a oferecer segurança e sentido, com o peito maior do que o travesseiro, para aninhar e resguardar cheiros e futuro. Com um homem que acaricie seus cabelos em silêncio, sem que ela descubra o que ele está pensando.

Mas, se o homem está feliz ao lado da mulher, será uma criança. Eis o grande problema da dinâmica de casal: se a mulher faz o homem feliz, ele será uma criança, daí é ela que ficará descontente. Parece que precisa deixar o homem preocupado para ser feliz, mesmo que resulte na tristeza dele.

Homem bom para a ala das noivas é melancólico, aborrecido, casmurro, fortaleza enigmática, caixa com senha numérica e alfabética.

Já um homem realizado é livre como um campo de futebol num dia ensolarado. Muda seu riso, seu olhar brilha, seu rosto se amplia e se torna uma matraca. Transforma-se num bobo carente, disposto a fazer troça de qualquer assunto. Não leva coisa alguma a sério. Debochado, hiperativo, como se estivesse arremessando aviãozinho ainda do fundo da sala de aula. Vai apertar, morder, empurrar, beliscar, incomodar, perturbar, série de movimentos proibitivos da fantasia feminina. Nos momentos de euforia do namoro, reproduz a descontração com seus amigos: em especial na pelada e no boteco. Um churrasco entre barbados exemplifica sua felicidade: os participantes só vão confidenciar bobagens e besteiras sobre sexo e carreira. A frequência estará desembaraçada, ingênua, afeita a piadas, gafes e fraquezas cômicas.

Homem brinca de brigar, mulher quando briga não gosta de brincar, entende a diferença? É um cacoete ancestral, egresso do jardim da infância. No recreio, o homem fingia guerra com os colegas para mostrar apego. Por sua vez, a mulher se divertia em montar casinha, em estabelecer ordem e hierarquia nas emoções e afetos.

A questão é que a mulher não ama quando seu marido se infantiliza, porém é quando ele está mais à vontade. É quando ele verdadeiramente está amando. A mulher é seduzida pela imagem do homem tenso e guardião, e não suporta o menino enfeitiçado pelo encantamento da relação.

Na realidade, a mulher se irrita quando sua companhia assume ares de palhaço, ou de louco. Julga comportamentos hostis, que não inspiram nenhuma confiança. Despreza essas demonstrações circenses de disputa. Tente derrubá-la na cama fora do clima sexual, que ela ficará puta da vida.

Odeia quando seu marido se mantém hipnotizado assistindo uma partida da Série C, ou na medida em que inventa de jogar playstation e perde a hora ou ainda começa a jogar bolinha dentro de casa e quebra objetos. Odeia sua birra e manha, seu timbre de desenho animado, suas miradas tristonhas de chantagem.

A mulher jamais vai nos entender. Portanto, você tem que alternar com sabedoria os dois momentos. Este é o ponto delicado: encontrar a medida. Ser os dois ao mesmo tempo sempre, e nunca exageradamente.

Nem ser demais um, nem deixar de ser o outro.

Nem ser pai demais da esposa, nem ser seu filho.



Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 27/10/2013 Edição N° 17596 

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

A ATA DA DR

Não discutir o relacionamento é um desperdício masculino.

O homem deveria tomar a dianteira das conversas.

Se não há DR, a outra pessoa acaba se sentindo isolada nas dificuldades.

Veja DRnaTV, exibido na TVCOM, terça (22/10), com produção de Fernando Muniz.

YOGA DA IRRITAÇÃO

Arte de Paul Gauguin

Quer chamar atenção da sua mulher?

Não precisa gritar, chorar, reclamar, ser grosseiro, desaparecer e não atender celular.

Basta ficar em silêncio. Em silêncio por mais de dez minutos. Em silêncio olhando para um ponto fixo, morto.

Mulher não aguenta o silêncio masculino. Entra em pânico.

Logo ela estará perguntando:

- O que está pensando?

Se ela questionar isso, puxou a isca.

Responda: 

- Nada!

Ela não vai acreditar, e passará a rodeá-lo com outras perguntas e observações. Porque intimidade é interrogatório.

- Onde foi com a cabeça?

- Está muito longe!

- Não confia em mim? Conta..

- Você está estranho.

- Não é normal.

Sempre funciona.  Em instantes, ganhará o posto de centro do mundo. Tem grandes chances de conseguir um cafuné, uma massagem, uma comidinha fazendo chantagem com o silêncio.

É o que chamo de Yoga da irritação.

Ela só não pode descobrir que está fingindo. Mulher odeia  fingimento. Trate de ensaiar ou sofrerá sérias represálias.

E o castigo da mulher é bem mais do que o silêncio.


Ouça meu comentário na manhã de sexta (25/10) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Jocimar Farina:

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

ABRAÇADOS NO ORGULHO

A falta de retratação pode acabar um relacionamento.

Pensar que você é assim e o outro deve aceitar é um equívoco.

Veja a dúvida de telespectadora no DRnaTV, exibido na terça (22/10) na TVCOM, com produção de Fernando Muniz.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A RUA DOS VENTILADORES DE PEDRO GONZAGA


Pedro Gonzaga é o vinil da poesia. O antigo renovado. Os ruídos artesanais de cada poema tocando como se fosse uma faixa na agulha.

Falso Começo significa a correção da música durante a gravação. O livro inteiro, com sessão de autógrafos nesta sexta, na Casa de Ideias, é uma tentativa desesperada de repetir a infância e a adolescência no estúdio da memória. Entender o que se viveu – ou se deixou de viver – pelo esforço em descrever detalhes e odores do passado.

Em O Mesmo, o escritor confessa: “Tantas vezes ter pensado nisso / e só agora o verso”.

O verso corresponde a um último clarão – sempre perseguido – do pensamento.

Quantas vezes ele buscou escrever e não conseguiu? O verso traduz, enfim, o sucesso de todos os fracassos de suas ideias.

Percebe-se um conjunto lírico assombradamente porto-alegrense, desvelando o calor infernal da capital gaúcha e seus bares cult fechados pela falta de clientela. Com sua experiência de músico, Pedro Gonzaga captura a dificuldade de convivência entre arte e negócio e desdobra os finais das madrugadas com humor fino, pessimista e melancólico. “Onde ensaiamos mais uma vez / aquela canção que levou à falência / o gordo juarez e seu boteco de jazz”.

Apelidaria a obra de “A rua dos ventiladores”, para lembrar os sonetos desencantados de A Rua dos Cataventos de Mario Quintana. Ventilador representa a casa na rua, a casa no mundo, a casa remota, incoerente e infantil exilada na síntese da vida adulta.

Merece constar em antologias de nosso clima o poema Condenação, que aborda o nosso verão estúpido, sem praia, sossego e respiro.

“Mais uma vez

verão dos diabos

a carne gentil

mal desvelada

salubre e daninha

a vibração da vida

antes da noite

antes dos insetos

um cheiro de lavanda

só mais uma vez

denunciará meu destino”

Ele acerta mesmo quando força a barra, mesmo quando cria metáforas luxuriosas e comparações barrocas, dignas de Jorge de Lima e seu Invenção de Orfeu: “Os pulmões são dois balões cinzentos / expostos como airosos cachos de uvas”.

Acerta porque se arrisca, acerta porque ousa, acerta porque não tem medo de se elevar do chão. Afinal, o pulmão é e sempre foi um cacho de uva. Qualquer criança não duvidaria disso.

Aviso de antemão: Pedro é um belo poeta. Belo no sentido de estuário da palavra. Estro. Destro. Com uma capacidade helenística de retratar a simplicidade da novela banal do cotidiano com a elevação do sublime.

Vinculado a toda uma geração que preza a rima e o cuidado formal – Alexei Bueno, Eucanaã Ferraz, Paulo Henriques Brito –, mas com uma tristeza peculiar de milonga, que só o Sul poderia produzir, o poeta deslinda remakes sensíveis das paixões na juventude. Destaco O Apartamento Estranho, quando o casal se ama entre a selva de móveis estranhos, e Linha 476, que mostra aquele ansiado beijo na colega enquanto ele aguarda o ônibus.

Seus escritos têm o circuito de elegias, um texto remetendo ao próximo infinitamente. O tempo – mediante as figuras das estações e dos meses – intensifica o tom angustiado de julgamento, de ajuizamento das contas, de consciência da finitude que só vem com idade (quando a morte deixa de acontecer somente para os outros). Lembrar seria se despedir. E se despedir é perdoar. Ou – no máximo – aceitar a perda da idealização.

Falso Começo traz um andar acima de A Última Temporada, marcante estreia na poesia de Pedro Gonzaga.

Temos um novo arranjador de nossas dores.

Publicado no Jornal Zero Hora
Segundo Caderno, p.4
Porto Alegre (RS), 23/10/2013, Edição N° 17592

terça-feira, 22 de outubro de 2013

BASTA UMA PITANGUEIRA

Arte de Kandinsky

Poeta não é aquele que escreve livros, mas o que lê as pessoas. Tinha 13 anos. Estava na varanda com a minha mãe. Naquela época, estudava de tarde.

Tomávamos chimarrão tranquilamente. Em casa, o chimarrão sempre prevaleceu sobre o café. O café é para acordar, o chimarrão é para sonhar.

Conversa sobe ladeira, conversa desce ladeira e, de repente, um grupo de operários da prefeitura desceu do caminhão na frente de nossa residência na Rua Lajeado.

Eles iriam consertar um vazamento no bairro.

Mas foi só atracar em terra firme que eles se distraíram por um instante do serviço prometido.

Enxergaram nossa pitangueira carregada.

Largaram as ferramentas destinadas a arrumar os encanamentos, e subiram nos galhos.

Um bando de marmanjos pescando frutas, baixando as folhas, disputando quem pegava a melhor, a maior, a mais carnuda.

Riam alto, gesticulavam freneticamente, num alvoroço puro e crédulo, próprio da amizade infantil. Um puxava o outro para trapacear e se exibir com seu punhado de joias rubras.

Eram crianças de novo, disfarçadas de macacão cor laranja.

Um pé de pitanga tem esse privilégio: recuar o tempo.

Eu festejava aquela doideira, aquele desatino, aquele recreio fora de idade, mas minha mãe embrabeceu com a bagunça. Saiu ralhando:

– Ei, ei, o que estão fazendo?

Baixei o rosto de vergonha. A felicidade deles não deveria incomodá-la. Antecipei o vexame, o fiasco, a reprimenda adulta.

Não poderiam se divertir trabalhando? Não poderiam ter um minuto de paraíso no inferno das picaretas?

O bando silenciou no ato, temendo a represália daquela senhora tão senhora de si.

A mãe endureceu a voz e explicou:

– As pitangueiras da rua são para os pássaros.

Eles recolheram as mãos, colocaram as pitangas no bolso e já se dispersavam.

Foi quando a mãe completou:

– Mas, se vocês se sentem pássaros, aproveitem!

Não esquecerei nunca daqueles homenzarrões gargalhando e voltando a depenar a pitangueira.

Com a alegria das asas que só existe no nosso sorriso.

Um pé de pitanga tem esse privilégio: recuar o tempo.




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 22/10/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 17591

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

A MÁQUINA RECEBE BRUNA SURFISTINHA

Raquel Pacheco, a Bruna Surfistinha, foi a entrevistada da Máquina da última terça-feira. No programa, ela revela suas aventuras íntimas na infância: “Eu comecei a me masturbar entre 5 e 6 anos. No programa "Rá-Tim-Bum", passava uns meninos pelados tomando banho e eu ficava sentada na madeira da cama, assistindo e me masturbando”, diz.

Ela conta ainda que apesar de todas as críticas e preconceitos, ela vê sua vida como bela.

Confira em meu programa A Máquina, da TV Gazeta, que foi ao ar na terça (15/10), às 23h30.

AZAR AMOROSO

Arte de Delacroix

Há dois anos, um amigo conheceu o amor de sua vida em Gramado, num Congresso de Medicina. Ficaram juntos de noite - a noite foi linda, romântica, precisa, perfeita. Deu tudo certo: química, literatura, matemática, geografia, física e história. Gabaritaram a prova da paixão. Ele saiu de madrugada quando ela ainda dormia. Tinha que trabalhar cedo em hospital de Porto Alegre. Deixou uma longa carta na recepção do hotel afirmando que sua busca havia terminado e ela era a mulher que gostaria de passar o resto dos seus dias. Deixou por escrito o desafio: - Se você sente o mesmo, telefone correndo para mim.

Ela nunca telefonou.

Eles se encontraram casualmente na última semana. Depois do abraço, envergonhado, ele perguntou:

- Não me quis, né?

Ela respondeu à queima-roupa:

- Eu? Tá Louco? Eu queria, mas você sumiu sem notícias.

O cara descobriu que a recepção do hotel não entregou a carta. A mulher pensou que ele era um canalha, que apenas desejava curtir e que abandonou a cama de fininho para fugir de qualquer compromisso.

A recepção do hotel estragou o romance dos dois. Não confie em recepção de hotel. Não confie também na casualidade. Se você ama alguém, use todos os sinais de reforço: telefone, grite, esperneie. Tire a teima. Melhor ser chato do que enganado pelo azar. A insistência é a nossa maior confidente. Nem sempre o destino ajuda o amor, temos que ajudar o destino.

Ouça meu comentário na manhã de sexta-feira (18/10) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Jocimar Farina:

NÃO CHEGO AOS PÉS DELA

Arte de Edward Hopper

O pé de Katy é tão lindo que eu poderia colocar a aliança em seu dedo.

Deveria ter uma aliança para a mão e outra para seu pé.

Um desperdício de beleza não desposar seus pés também. Não andar de pés dados no Parque da Redenção, na Usina do Gasômetro.

Não é um pé simplesmente para a cama, mas é um pé de compromisso, feito para o altar.

Seu pé é perfeito, pequeno, os dedos simétricos, firmes, atraentes.

Não aquele pé que tem um dedão apontando para a rua enquanto os outros apontam para o mar.

Não aquele joanete imprevisível, neurótico, que confunde a direção do destino.

É um pé sem bicos de papagaio, que nunca morde, que jamais machuca. Um pé que não matará baratas, porque só serve para abrir espaço ao espanto dos pássaros. Os nervos conversam e se entendem, as veias estão tomando sol debaixo do guarda-sol da pele e nem aparecem.

O homem se apaixona pelas mãos, mas somente casa depois de ver os pés.

Os pés são a âncora do casamento. Os pés são o voto de minerva. Os pés são o último conselho.

Não precisa ser podólatra para isso. Não sou de chupar os dedos do pé, lamber, me perder entre as frestas. Nenhuma taradice, tenho apenas uma admiração enamorada, normal entre os homens.

Deixa explicar. Seu pé tem as unhas pintadas em fileira indiana, é um buquê, uma procissão organizada de rosas a Iemanjá. Nada fora do lugar, nada torto e truncado.

Um pé que cria vontade de se embalar na rede, de levantar as pernas no impulso do balanço. Um pé que é melhor do que um lençol de 800 fios. Macio, sestroso.

Considero, inclusive, um crime que minha mulher pague a diferença entre pedicure e manicure, o preço merecia ser único, de mãos.

Ela, na verdade, tem quatro mãos, vive no ar, flutuando, levitando. Anda pelos ares, pelos ventos de meus olhos.

Quando ele roça meu pé, a sensação é que me beija – me beija na boca.

Meu grande problema é que Katy trabalha de Havaianas numa loja carioca. Não suporto a dor de cotovelo.

Sofro toda vez que ela sai de casa. Todos podem enxergar sua exuberância – não é justo.

Meu amor é cristão. Meu ciúme é muçulmano.

Além da aliança, deveria existir véu para os pés.



Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 20/10/2013 Edição N° 17589 

terça-feira, 15 de outubro de 2013

PENÉLOPE CHARMOSA

Arte de Joaquín Torres Garcia

Quando tinha quatro anos, minha irmã se fingia de morta e eu acreditava. Era o único que acreditava entre os três irmãos.

Ela caía do sofá, e emudecia no tapete vermelho da sala. Ansiava levantá-la, puxava com força sua nuca para cima, dava beijinhos na sua testa de princesa, disposto a desencantar o fim.

Carla demorava a abrir os olhos.

Eu demorava a reaver meu batimento cardíaco.

A cena sugeria que ela me torturava, mas pretendia unicamente se sentir amada. Não conseguia parar de fazer a brincadeira para se enxergar salva.

Ela se comovia com a minha insistência ingênua. Todo entardecer repetia o desmaio e eu acreditava que era de verdade. Toda queda poderia ser real, mesmo a mais fingida. Criança não arrisca errar, criança confia para depois se certificar que se tratava de uma brincadeira.

Acho que Carla não mentia, ela pedia minha ajuda daquele jeito. Cada um inventa seu teatro para entender e explicar a própria vida.

Assim que recolhida do chão, a irmã me abraçava forte, com os dois braços em volta do meu pescoço, imensamente grata por querer resgatá-la dos abismos imaginários. Ela me chamava de seu salva-vidas. Eu a chamava de Penélope Charmosa.

Quase chorava de contentamento porque a protegia do acaso, porque não me negava a reconhecer que estava em perigo, porque não perguntava para agir, atirava-me ao imprevisto para socorrê-la a tempo.

Ao testar minha fé, ela criou minha fé.

Carla é irmã gêmea. Ela é linda, eu sou feio; não temos o rosto igual; não viemos juntos no ventre; há cinco anos de diferença de nosso parto.

Mas gêmeo não é o que nasce junto, é o que sobrevive junto.

Nossa gestação não coincidiu, mas nossa dor sim.

Gêmeo é o que partilha uma lembrança, e se ajuda dentro da memória a seguir com o futuro.

Somos gêmeos de confidência, de ternura, de apoio, das dificuldades familiares, da superação amorosa. Não trocamos nossas palavras por nenhuma telepatia e clarividência.

Nossa irmandade univitelina decorre de uma confiança que jamais será rompida, por mais que o arranjo das vivências seja outro e diverso, por mais que a distância atrapalhe a igualdade dos ombros no abraço.

Ela é intensa, sincera, honesta, fala pelos cotovelos, não aceita alegria pela metade, desafia antes de ser testada.

Eu sou tão parecido com ela, que não duvido que não tenhamos apenas um minuto de diferença entre a gente. Levando em conta nossa semelhança emocional, ela é só um minuto mais velha do que eu. Um minuto.

Eu e ela temos um pacto. Nosso amor é um pacto de infância.

Quando me finjo de morto, é a única que acredita em mim e vem me salvar.




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 15/10/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 17584

domingo, 13 de outubro de 2013

AGRADEÇO SUA TRISTEZA

Arte de Joaquín Torres García

Nunca fui um bom companheiro da tristeza de ninguém.

Quando as ex ficavam chateadas, reclamavam que eu não sabia me comportar, que eu não respeitava o espaço, que buscava divertir e não era o momento, que inventava piadas atrasadas, que minha insistência otimista desagradava.

Precisava acompanhar o tango de Gardel: não podia me mexer, nem respirar. Qualquer coisa que eu fizesse vinha a ser considerada incômoda e inoportuna. Herdava como missão sair de perto, não segurar a mão, não abraçar, não beijar, não rodear, não perguntar, não responder.

Enfim, havia a obrigação de desaparecer, senão a tristeza migrava para o pânico e depois pagaria a conta.

Não cabia me aproximar, trocar de canal, existir.

Eu me prontificava a escutá-las e ganhava um cartel de críticas, me prontificava a falar e citar exemplos de superação e recebia patadas.

Não absorvia a fórmula. Tranquilo respeitar a tristeza do outro, entendo, guardo os meus aborrecimentos, mas não via sentido em promover a tristeza, incentivar a tristeza, festejar a tristeza.

Na minha perspectiva, a mágoa se assemelha a uma trégua, um intervalo musical, um momento repentino (ou devo ser mesmo muito amador para sofrer e não estava preparado para a vida profissional das lágrimas).

Com Katy, é diferente. Até a tristeza dela aceitou casar comigo.

Sua tristeza não é arrogante, áspera, não me sinto intruso. Minha mulher se cala por uma hora, com os olhos boiando pela casa, nadando em seu silêncio de sereia. Posso passar próximo, acariciar seus cabelos, tocar em seu rosto, oferecer um copo d’água, que não serei denunciado por maus-tratos.

Ela é triste em seus pensamentos, mas não é sádica nos gestos. Não me obriga a repeti-la, muito menos julga minha diferença de tratamento. Não recrimina minha presença ou a disposição otimista. Acolhe-me a distância, sem distanciamento, como se estivesse me mirando no apartamento envidraçado da frente.

Depois de cumprir seu ritual, regressa para mim com um riso inocente:

— Desculpa minha tristeza.

E me abraça ternamente, girando o rosto como uma chave em meus ombros.

A tristeza de Katy ainda por cima é educada.

Só tenho vontade de agradecer.

Dizer obrigado para sua tristeza.

Dizer para sua tristeza: volte sempre.



Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 12/10/2013 Edição N° 17582 

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

A MÁQUINA RECEBE NILTON BONDER

O rabino mais antigo do Brasil, Nilton Bonder, fala sobre a tensão entre as duas caras de cada ser humano: uma que olha para trás e a outra que olha para frente.

Ele foi o convidado de meu programa A Máquina, da TV Gazeta, na terça (8/10), às 23h30.

EXERCITANDO A LINGUAGEM

Amor à distância existe?

Ou ele tem chances de se apaixonar por si mesmo?

DRnaTV fala sobre a desconfiança das aparências e do confronto da convivência.

O quadro foi ao ar na terça (8/10), na TVCOM, com produção de Fernando Muniz e mediação de Sara Bodowsky.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

AMOR AMOR OU VINÍCIUS DE MORAES

Arte de Jackson Pollock

Há uma ideia do amor exclusivo. Como se houvesse uma única chance na vida de amar. Ou é o amor eterno, ou era mentiroso. Ou acontece pela vida inteira, ou não funcionou.

E, quando acertamos um casamento, as opções anteriores são consideradas falsas – necessitamos apagar o passado. E, quando erramos um casamento, as opções anteriores são vistas como legítimas – desperdiçamos romances melhores.

Trata-se de uma visão limitada, de contar apenas com um endereço para o nosso coração.

Mas amor é cigano, amor é mambembe, amor é viageiro.

Mas amor é tentativa, amor é insistência, amor é rascunho, amor é esboço, amor é esgotar as possibilidades e se recriar diante delas.

Só porque você amou antes, não significa que não pode amar de novo. Ou, só porque você amou antes, não significa que o próximo amor é falso e está fingindo.

Só porque você se declarou a alguém, isso não compromete as próximas declarações.

Só porque você disse que era para sempre e terminou, não quer dizer que é um fingido.

Todos os amores podem ser verdadeiros. Todos podem ser influentes.

Haverá um maior, sim, um amor decisivo, um amor transformador, um amor real, honesto e justo: o Amor Amor.

O Amor Amor não é egoísta, não vai isolá-lo da convivência. Você se duplicará para os próximos. Passará a amar os amigos como nunca. Passará a amar a família como nunca. É tanto amor, que sobrará para muitos.

O que deve prevalecer no temperamento é não desistir, não se entregar para o ressentimento, não defender os sentimentos parados condenando os outros que permanecem em movimento.

Eu acredito que quem casa ou namora várias vezes não é carente. Quem casa e namora várias vezes não é desesperado. Está se moldando à alegria, a superar as diferenças, a se separar, a recomeçar, a sangrar sozinho, a entender as dores e as imperfeições. Apresenta mais chance de ser feliz. Pois a felicidade é maleável, é macia, é elástica. A felicidade é feita para quem tem coragem de sofrer.

Desesperado e carente é aquele que não tenta e vive reclamando, praguejando, amaldiçoando os demais. Desesperado e carente é aquele que se esconde tão bem, que não se encontra e não se dá de verdade.

Desesperado e carente é aquele que não namora ou não casa para não ter que trabalhar emocionalmente e não se decepcionar. Alimenta-se de sombras, de sobras, de rancores.

Amor não é uma vez, são várias vezes até encontrar a pessoa predileta. A pessoa necessária. A pessoa fundamental. A pessoa que supera sua idealização, que lhe devolve a vontade de atravessar suas idades e tempos.

Daí, você descansa por estar andando, como diz minha mãe.

Amor é descansar em estar andando. E andar de mãos dadas jamais cansa.




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 08/10/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 17577

EU TE AMO MACEDO!

Arte de Philip Guston

O homem vence a crise da masculinidade não com o teste do toque, mas quando passa a declarar "Eu te amo" para os amigos. Não somente ao pai e irmãos, e sim aos amigos. Ele não sofrerá mais o medo de ser fresco. A libertação costuma acontecer depois dos 35 anos. Supera o preconceito e a barreira dos costumes. Entende que a amizade é também importante e não precisa ter vergonha. Não vai mudar de sexo ou de lado por demonstrar afeição. É engraçado: sua mulher escutará você ao telefone e perguntará quem é a vadia com quem conversava e soltava um "Eu te amo". E responderá com calma: - Era um amigo. Mudará também a cabeça dela. A amizade entre os homens pode ser pura, inocente, sem segundas intenções. É aquele confidente que acompanha sua vida, ajuda a superar separações, a vibrar com novos amores, aguenta sua chatice na bebedeira e sua euforia quando apaixonado. É o amigo de todas as horas. Seria um crime não falar "Eu te amo" para ele.

Ouça o que falei na manhã de terça-feira (8/10) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Jocimar Farina:

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

AS FRAGILIDADES DO SEXO FORTE


Dois homens diante de dilemas afetivos e existenciais distintos são os protagonistas de Para que Servem os Homens, nova série do projeto Curtas Gaúchos, da RBS TV, que estreia no próximo sábado, dia 12 de outubro. A atração é baseada em textos de Fabrício Carpinejar, que foram roteirizados por Fabiano de Souza.

Com direção de Eduardo Wannmacher e Vicente Moreno, Para que Servem os Homens tem como protagonistas dois amigos inseparáveis que se aproximam dos 40 anos. Beto (personagem de Leonardo Machado) é casado e pai de duas filhas. Gabriel (vivido por Evandro Soldatelli) é um solteirão sempre às voltas com um novo romance.

– É um olhar geral sobre a obra do Carpinejar, sobre o espírito masculino. Algumas situações e diálogos foram transpostos para o roteiro, mas não seguem a lógica do texto original – diz Wannmacher.

Segundo o diretor, a livre adaptação captura o olhar e o universo de dois homens com vidas comuns e que expressam bons sentimento:

– A fragilidade contemporânea dos homens está lá, em contraposição à natureza forte das mulheres presentes no enredo. Igualmente, houve uma preocupação quanto à estética da série. O público vai perceber isso na fotografia, na arte e nas locações.

Para que Servem os Homens equilibra humor e romance, elementos sobre os quais os diretores regularam o tom de interpretação dos atores.

– Sabíamos que não era uma série caricata, com humor físico presente o tempo todo – explica Wannmacher. – Buscamos justamente equilibrar as cenas cômicas com momentos mais românticos, de maior diálogo, possibilitando desenhar mais os personagens e instigando mais os atores.

O elenco conta com a participação de Maria Carolina Ribeiro, Ana Maria Mainieri, Júlio Conte, Carla Cassapo, Luís Franke, Ana Sophia Krause, Charlie Severo, Carla Elgert e Aline Jones.

– Possivelmente, o maior acerto foi a escolha do Leo e do Evandro. Eles expressam de forma legítima a longa amizade e cumplicidade dos dois amigos, além das crises típicas dos homens de 40 anos. O elenco todo está muito bem e muito à vontade em cena.

– O Vicente me mostrou algumas comédias inglesas e americanas. Conversamos muito sobre diferentes formatos de TV contemporânea. Procuramos enxergar com os atores que havia de fato um texto mais sofisticado para uma teledramaturgia das 12h, com bons personagens e diálogos inteligentes e ágeis.

A trilha sonora tem músicas de nomes conhecidos da cena roqueira do Estado, como Irmãos Rocha!, Garotos da Rua, Frank Jorge, Yanto Laitano e Video Hits.

Para que Servem os Homens é uma realização da RBS TV em parceria com a Okna Produções.

Publicado em Zero Hora
Caderno TV Show, p.7
Porto Alegre (RS), 06/10/2013 Edição N° 17575 

PAI DE MEU PAI

Arte de Jean Fautrier

Há uma quebra na história familiar onde as idades se acumulam e se sobrepõem e a ordem natural não tem sentido: é quando o filho se torna pai de seu pai.

É quando o pai envelhece e começa a trotear como se estivesse dentro de uma névoa. Lento, devagar, impreciso.

É quando aquele pai que segurava com força nossa mão já não tem como se levantar sozinho. É quando aquele pai, outrora firme e instransponível, enfraquece de vez e demora o dobro da respiração para sair de seu lugar.

É quando aquele pai, que antigamente mandava e ordenava, hoje só suspira, só geme, só procura onde é a porta e onde é a janela – tudo é corredor, tudo é longe.

É quando aquele pai, antes disposto e trabalhador, fracassa ao tirar sua própria roupa e não lembrará de seus remédios.

E nós, como filhos, não faremos outra coisa senão trocar de papel e aceitar que somos responsáveis por aquela vida. Aquela vida que nos gerou depende de nossa vida para morrer em paz.

Todo filho é pai da morte de seu pai.

Ou, quem sabe, a velhice do pai e da mãe seja curiosamente nossa última gravidez. Nosso último ensinamento. Fase para devolver os cuidados que nos foram confiados ao longo de décadas, de retribuir o amor com a amizade da escolta.

E assim como mudamos a casa para atender nossos bebês, tapando tomadas e colocando cercadinhos, vamos alterar a rotina dos móveis para criar os nossos pais.

Uma das primeiras transformações acontece no banheiro.

Seremos pais de nossos pais na hora de pôr uma barra no box do chuveiro.

A barra é emblemática. A barra é simbólica. A barra é inaugurar um cotovelo das águas.

Porque o chuveiro, simples e refrescante, agora é um temporal para os pés idosos de nossos protetores. Não podemos abandoná-los em nenhum momento, inventaremos nossos braços nas paredes.

A casa de quem cuida dos pais tem braços dos filhos pelas paredes. Nossos braços estarão espalhados, sob a forma de corrimões.

Pois envelhecer é andar de mãos dadas com os objetos, envelhecer é subir escada mesmo sem degraus.

Seremos estranhos em nossa residência. Observaremos cada detalhe com pavor e desconhecimento, com dúvida e preocupação. Seremos arquitetos, decoradores, engenheiros frustrados. Como não previmos que os pais adoecem e precisariam da gente?

Nos arrependeremos dos sofás, das estátuas e do acesso caracol, nos arrependeremos de cada obstáculo e tapete.

E feliz do filho que é pai de seu pai antes da morte, e triste do filho que aparece somente no enterro e não se despede um pouco por dia.

Meu amigo José Klein acompanhou o pai até seus derradeiros minutos.

No hospital, a enfermeira fazia a manobra da cama para a maca, buscando repor os lençóis, quando Zé gritou de sua cadeira:

– Deixa que eu ajudo.

Reuniu suas forças e pegou pela primeira vez seu pai no colo.

Colocou o rosto de seu pai contra seu peito.

Ajeitou em seus ombros o pai consumido pelo câncer: pequeno, enrugado, frágil, tremendo.

Ficou segurando um bom tempo, um tempo equivalente à sua infância, um tempo equivalente à sua adolescência, um bom tempo, um tempo interminável.

Embalou o pai de um lado para o outro.

Aninhou o pai.

Acalmou o pai.

E apenas dizia, sussurrado:

– Estou aqui, estou aqui, pai!

O que um pai quer apenas ouvir no fim de sua vida é que seu filho está ali.




Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 06/10/2013 Edição N° 17575 

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

ENSINAMENTO MATERNO

Arte de Nicolas De Staël

Minha mãe determinou meu jeito de ser.

Aos 23 anos decidiu casar com meu pai quando soube que ele teria seis meses de vida por problemas cardíacos. Depois, descobriram o falso diagnóstico.

Experimentou vinte anos de casamento antes da separação.

Minha mãe ensinou aos filhos jamais se renderem aos fatos e evidências sem antes tentar.

Ouça meu comentário na manhã de sexta (4/10) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Jocimar Farina:

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

BANCO DE PRAÇA

A velhice é a ambição do amor.

Todo mundo deseja um amor romântico, onde não precise explicar demais, onde haja telepatia.

Qual é o segredo?

DRnaTV foi ao ar na terça (01/10), na TVCOM, com produção de Fernando Muniz e mediação de Sara Bodowsky.


quarta-feira, 2 de outubro de 2013

GANGORRA

Arte de Wayne Thiebaud

Raciocina comigo. Se a gente alisa a barriga da mulher, ela vai ficar ofendida: "Está pensando que estou grávida?". É capaz de nos pôr de castigo, de nos encaminhar ao sofá, de fazer greve de sexo.

Se a gente concorda que ela deve perder alguns quilinhos, ou poderia retomar a ginástica, ela vai ficar furiosa. É capaz de pedir o divórcio, nos amaldiçoar para a sogra. Se a gente comenta que ela deveria moderar na comida e na bebida, seremos condenados ao inferno.

Agora, me explica, qual a graça das mulheres conferirem a barriga do homem? Qual a graça de nos chamar de pançudo, de gordinho, de fofinho? Cada vez que a gente engorda um pouco, a mulher faz ecografia em nossa barriga. É constrangedor, e temos que sofrer calados. Acabou. Queremos justiça. Queremos igualdade. Ou mentimos juntos ou falamos a verdade juntos.

Ouça meu comentário na manhã de terça (1º/10) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Jocimar Farina:

terça-feira, 1 de outubro de 2013

QUÍMICA NÃO É LITERATURA

Arte de Egon Schiele

Você não se decide porque não pintou o clima. Alega que não deu o beijo porque não pintou o clima. Não surgiu o instante inspirado e derradeiro de avançar e deflagrar o início do enlace. Não se movimentou para não estragar o momento, e permaneceu na expectativa de um sinal do além, do lance perfeito, da concordância explícita.

Ela pode estar seminua na sala, de calcinha e sutiã, e você acredita que ainda não pintou o clima.

Ela pode ter desligado o celular na sua frente, e você acredita que ainda não pintou o clima.

Ela pode estar falando sussurrado, e você acredita que ainda não pintou o clima.

Ela pode estar defendendo a passionalidade nos relacionamentos, e você acredita que ainda não pintou o clima.

Ela pode estar quase sentada em seu colo, e você acredita que ainda não pintou o clima.

Ela pode estar cheirando seu pescoço, elogiando o seu perfume, e você acredita que ainda não pintou o clima.

Ela pode estar umedecendo os lábios a cada cinco minutos, brilhando os dentes, e você acredita que ainda não pintou o clima.

Ela pode estar somente olhando para sua boca, e você acredita que ainda não pintou o clima.

Ela pode estar mexendo freneticamente nos cabelos, jogando de um lado para o outro, mostrando a abertura da nuca, e você acredita que ainda não pintou o clima.

Ela pode estar rindo em silêncio, com aquela falta de vontade que é cheia de vontade, e você acredita que ainda não pintou o clima.

Ela pode estar alisando suas costas cortejando a cintura, e você acredita que ainda não pintou o clima.

Ela pode estar cantando a letra da música ao fundo, e você acredita que ainda não pintou o clima.

Ela pode estar roçando seus pés com as pernas, e você acredita que ainda não pintou o clima.

Ela pode perguntar qual é sua comida predileta, e você acredita que ainda não pintou o clima.

Desculpa, querido, chove dentro de si enquanto ela toma sol e se bronzeia de amor há séculos.

Clima não pinta, clima se faz. Pegue, ao menos, a toalha, pois ela já está molhada e pode se gripar pela sua falta de atitude.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 01/10/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 17570