Educação tem que ser rápida. É pensar um pouco que perdemos a chance. É titubear que as boas intenções nunca serão concretas. É hesitar que a gentileza será somente um pensamento vão e inexistente.
Educação não tem rascunho, cópia, arquivo de segurança, repescagem. Ou é ou nunca fui. Exige atitudes determinadas. Ou o sangue bombeia o sopro benfazejo ou o vento troca repentinamente a imagem de nossas pálpebras.
Amarguei a lacuna em São Paulo. Uma senhora descia do táxi na rua Augusta. Eu estava caminhando e parei a trinta metros da cena. Vi que ela fechou a porta com dificuldade, sem força. Errou na primeira tentativa. Nesse momento, cogitei ampará-la, oferecer o braço e seguir com ela até à entrada de seu edifício. Só que me apareceu um receio imprevisto, um pudor incalculável, não quis ser invasivo, não desejei expor a sua fragilidade, todas as desculpas que vêm com a covardia, e estaquei, não me mexi para assistir ao desenlace como mais um anônimo provisório no fluxo da semana.
Não é que ela tropeçou na falha da calçada e se desequilibrou ruidosamente.
Não me deu tempo de correr – preso na distância da incerteza – e segurar o seu corpo desengonçado, em declínio com o peso da bolsa.
Os sapatos beges escapuliram dos seus calcanhares e ela bateu a cabeça no meio-fio.
Quando confortei o seu tronco com a parede do meu, procurando ligar para a Emergência com uma mão e conter o ferimento da testa com a outra, dei-me conta o quanto vacilei. Em vez de um favor pontual lhe prestava tardio socorro. O atraso do gesto transformou a timidez em tragédia. A vó acenava a cabeça dissuadindo cuidados:
– Não precisa, não precisa, me levanto sozinha.
Com oitenta e dois anos e de nome curto Lia, ela se assustou com o cortejo imediato de uma pequena multidão.
Antes ninguém se dispôs a ajudar, agora dezenas de curiosos se mostravam solícitos, inclusive eu. O sangue chama os vampiros.
Foram dois minutos de desinteresse da minha parte que quase custaram a vida de Lia. E ainda há a crença de que a falta de educação não mata.
Publicado em Vida Breve em 11/10/2017
quarta-feira, 27 de dezembro de 2017
O COBERTOR
Onde anda o cobertor preto e amarelo que era da minha avó? Tirei um dia de folga para procurá-lo em casa, subir no alto dos armários, revirar os baús e sacolas de compressão de ar. Armei-me de escadinha e desliguei o celular.
Pode ser loucura queimar o descanso mensal do serviço para uma tarefa tão ridícula, tão gratuita, tão insignificante. Mas aquele cobertor significa ainda a minha única possibilidade de abraçar a minha vó já falecida. A minha avó Elisa Margarida, que subiu aos céus em meus 10 anos.
O cobertor guarda o cheiro da residência de madeira de Guaporé. Mantém o calor do fogão a lenha. Contém o vento sussurrante do Interior impregnado em sua lã.
Herdei a peça de minha mãe quando fui morar sozinho.
Na verdade, furtei, porque ela não me daria antes de perguntar para os outros irmãos se eles deixariam e não quis arriscar.
Numa época de edredons impessoais e modernos, num tempo sem espaço nos apartamentos, de uso escandaloso de ar-condicionado, poucos guardam o autêntico cobertor de sofá.
Aquele cobertor que não é de cama de casal, mas pequeno, a ser carregado nas costas como uma capa. É um complemento do sono, para os cochilos e sestas, para a leitura sentado, para saudar o friozinho de uma janela aberta, para acolher a brisa do entardecer, para trazer saudade do café e do chimarrão.
Corresponde a um poncho deitado. Um cobertor pessoal, não familiar. Um cobertor individual, cabe uma só pessoa ali dentro em sua extensão de casaco. Um cobertor amigo da própria solidão.
E o mais enternecedor, que difere de todo enxoval, é que ele tem franjas. Franjas amarelas.
Cobertor velho de vó, para receber o selo de autenticidade, requer franjas em suas bordas. Franjas que pinicam o rosto, que provocam cócegas na nuca, humanizando o tecido.
As franjas são os cabelos loiros do cobertor – penteava-os longamente com os meus dedos, desfazendo os nós e prometendo tranças.
O cobertor honrava as medidas da avó, exatamente do tamanho do corpo dela, um sudário que restou de seu carinho.
Enquanto a minha mãe dizia para não esquecer o casaco ao sair para a rua, a vó pedia para não esquecer o cobertor quando passeava pela casa. A mãe se preocupava com o lado de fora, a vó se atinava para o lado de dentro.
Apesar da dedicação no retorno ao passado, eu não achei onde foi parar o cobertor. Precisarei repetir a expedição nas férias. Decidi que vou tirar férias para achá-lo.
Publicado em Jornal Zero Hora em 10/10/2017
Pode ser loucura queimar o descanso mensal do serviço para uma tarefa tão ridícula, tão gratuita, tão insignificante. Mas aquele cobertor significa ainda a minha única possibilidade de abraçar a minha vó já falecida. A minha avó Elisa Margarida, que subiu aos céus em meus 10 anos.
O cobertor guarda o cheiro da residência de madeira de Guaporé. Mantém o calor do fogão a lenha. Contém o vento sussurrante do Interior impregnado em sua lã.
Herdei a peça de minha mãe quando fui morar sozinho.
Na verdade, furtei, porque ela não me daria antes de perguntar para os outros irmãos se eles deixariam e não quis arriscar.
Numa época de edredons impessoais e modernos, num tempo sem espaço nos apartamentos, de uso escandaloso de ar-condicionado, poucos guardam o autêntico cobertor de sofá.
Aquele cobertor que não é de cama de casal, mas pequeno, a ser carregado nas costas como uma capa. É um complemento do sono, para os cochilos e sestas, para a leitura sentado, para saudar o friozinho de uma janela aberta, para acolher a brisa do entardecer, para trazer saudade do café e do chimarrão.
Corresponde a um poncho deitado. Um cobertor pessoal, não familiar. Um cobertor individual, cabe uma só pessoa ali dentro em sua extensão de casaco. Um cobertor amigo da própria solidão.
E o mais enternecedor, que difere de todo enxoval, é que ele tem franjas. Franjas amarelas.
Cobertor velho de vó, para receber o selo de autenticidade, requer franjas em suas bordas. Franjas que pinicam o rosto, que provocam cócegas na nuca, humanizando o tecido.
As franjas são os cabelos loiros do cobertor – penteava-os longamente com os meus dedos, desfazendo os nós e prometendo tranças.
O cobertor honrava as medidas da avó, exatamente do tamanho do corpo dela, um sudário que restou de seu carinho.
Enquanto a minha mãe dizia para não esquecer o casaco ao sair para a rua, a vó pedia para não esquecer o cobertor quando passeava pela casa. A mãe se preocupava com o lado de fora, a vó se atinava para o lado de dentro.
Apesar da dedicação no retorno ao passado, eu não achei onde foi parar o cobertor. Precisarei repetir a expedição nas férias. Decidi que vou tirar férias para achá-lo.
Publicado em Jornal Zero Hora em 10/10/2017
SAÍDAS DE EMERGÊNCIA
A mãe devia pensar que me distraia poeticamente com os pássaros, mas apenas escapava da fundo mortal dos cruzados de meus colegas
Minha escola pública não tinha um único portão de entrada e saída. Na verdade, tinha. Mas eu não poderia arriscar. Vivia no coliseu de Roma. Não se matava um leão por dia, fugia-se dele.
Em minha turma da segunda série, havia meninos muito maiores, já de bigode, que haviam rodado três anos seguidos. Eles roubavam a merenda e criavam um método nada refinado de tortura psicológica com apelidos e ameaças. Era apenas não dar cola na prova que qualquer um já virava jurado de briga.
- Vou lhe pegar na saída!
Quando um dos membros da gangue dos repetentes dizia tal sentença em voz alta, a escola inteira espalhava o indício de briga depois do último período. Improvisava-se a arena na praça, defronte à escola, longe dos professores e das advertências do SOE. Uma escolta de curiosos e mórbidos levava o condenado para o abatedouro e não lhe permitia pensar e declinar do perigoso convite.
No momento em que alguém prometia guerra, não se admitia covardia. A pessoa marcada ficava assinalada para sempre. Até conhecer o sangue de sua boca e perder os dentes de leite.
Terminava sendo a vítima predileta: franzino, desengonçado e de fala fina. Um ideal saco de pancadas para demonstração de virilidade dos agressores.
Eu passava o recreio testando acessos de emergência. Poderia ter sido bombeiro.
Conhecia a segurança da estrutura na palma da minha mão. Pulando duas grades da casinha de jardinagem, eu chegava à rua pela lateral do prédio. Eu me vali desse atalho algumas vezes, corria pela escadaria da Rua Itaqui e contornava cinco quadras. Fiz sempre caminhos mais longos no retorno ao lar. A ida para escola durava 10 minutos, a volta demorava meia hora. A mãe devia pensar que me distraia poeticamente com os pássaros, mas apenas escapava da fundo mortal dos cruzados de meus colegas. O sinal mal soava e já disparava, encerrava as tarefas com antecedência para deixar a mochila pronta e escapulir sem perseguição. Pelo tempo apertado, às vezes, não conseguia me desvencilhar do rebanho e dos dedos em riste na minha cara. Daí fingia ir ao banheiro e descia para a quadra de asfalto do futebol, o que me restava saltar do paredão de três metros. A sorte é que uma carroça largava sacos de lixo com jornais e papéis velhos no terreno, que amortizava a queda. Preferia quebrar a perna pulando a dar ao outro a honra das feridas.
Para sair da escola, não dependia de boas notas. Exigia um tanto de preparo físico e de resiliência.
Quando não vejo saída, guardo ainda o costume de abrir as portas de meu medo.
Publicado em Donna ZH em 08/10/2017
Minha escola pública não tinha um único portão de entrada e saída. Na verdade, tinha. Mas eu não poderia arriscar. Vivia no coliseu de Roma. Não se matava um leão por dia, fugia-se dele.
Em minha turma da segunda série, havia meninos muito maiores, já de bigode, que haviam rodado três anos seguidos. Eles roubavam a merenda e criavam um método nada refinado de tortura psicológica com apelidos e ameaças. Era apenas não dar cola na prova que qualquer um já virava jurado de briga.
- Vou lhe pegar na saída!
Quando um dos membros da gangue dos repetentes dizia tal sentença em voz alta, a escola inteira espalhava o indício de briga depois do último período. Improvisava-se a arena na praça, defronte à escola, longe dos professores e das advertências do SOE. Uma escolta de curiosos e mórbidos levava o condenado para o abatedouro e não lhe permitia pensar e declinar do perigoso convite.
No momento em que alguém prometia guerra, não se admitia covardia. A pessoa marcada ficava assinalada para sempre. Até conhecer o sangue de sua boca e perder os dentes de leite.
Terminava sendo a vítima predileta: franzino, desengonçado e de fala fina. Um ideal saco de pancadas para demonstração de virilidade dos agressores.
Eu passava o recreio testando acessos de emergência. Poderia ter sido bombeiro.
Conhecia a segurança da estrutura na palma da minha mão. Pulando duas grades da casinha de jardinagem, eu chegava à rua pela lateral do prédio. Eu me vali desse atalho algumas vezes, corria pela escadaria da Rua Itaqui e contornava cinco quadras. Fiz sempre caminhos mais longos no retorno ao lar. A ida para escola durava 10 minutos, a volta demorava meia hora. A mãe devia pensar que me distraia poeticamente com os pássaros, mas apenas escapava da fundo mortal dos cruzados de meus colegas. O sinal mal soava e já disparava, encerrava as tarefas com antecedência para deixar a mochila pronta e escapulir sem perseguição. Pelo tempo apertado, às vezes, não conseguia me desvencilhar do rebanho e dos dedos em riste na minha cara. Daí fingia ir ao banheiro e descia para a quadra de asfalto do futebol, o que me restava saltar do paredão de três metros. A sorte é que uma carroça largava sacos de lixo com jornais e papéis velhos no terreno, que amortizava a queda. Preferia quebrar a perna pulando a dar ao outro a honra das feridas.
Para sair da escola, não dependia de boas notas. Exigia um tanto de preparo físico e de resiliência.
Quando não vejo saída, guardo ainda o costume de abrir as portas de meu medo.
Publicado em Donna ZH em 08/10/2017
CORAGEM DE APOIAR
É necessário coragem para trocar de planos e recomeçar. Mas ainda é preciso mais valentia para aceitar que o outro altere de repente o seu papel no relacionamento e o seu ideal de existência.
Certamente é corajoso quem muda de vida, mas heroico mesmo é quem apoia a mudança. Maridos e esposas, namorados e namoradas que compreendem a reviravolta, seguram a barra, improvisam na crise, para não deixar a sua companhia adoecer em frustração.
Não vão pesar o caminho com âncoras e chantagens. Não vão censurar as novidades pelo conforto das decisões já assumidas. Não vão limitar o seu parceiro em nome da segurança. Não vão usar os filhos como escudo para o medo. Não vão inibir a ousadia para manter o patrimônio.
Não acham que é loucura seguir os sonhos, acreditam que o maior desatino é não fazer aquilo que se gosta, por mais que a descoberta seja tardia e inesperada.
São álibis de viagens, de intercâmbios, de vestibulares, de reposicionamento de carreira. Nem uma possível distância física alimenta o ranço e o ressentimento. Sabem que o sucesso não vem fácil, porém entendem que o prazer pessoal deve vir antes. Melhor a liberdade do aperto a prisão nababesca da apatia.
Enquanto todos olham com desconfiança a desistência, eles não desaprovam, ainda que isso custe dinheiro a menos no final do mês e sugira caso psiquiátrico para a família.
Enquanto todos classificam o abandono de uma vaga estável por um ofício absolutamente inconstante e de complicada aceitação, eles criam condições para que ocorra a transição sem trauma e culpa. Abdicam das férias, de um certo luxo, daquela reserva preventiva pela felicidade de seu par. Duplicam as suas tarefas, multiplicam a sua paciência, dedicados a garantir uma retaguarda para sua companhia se encontrar. Não ostentam a privação, muito menos recuam com as adversidades.
Amar é oferecer a mão ao desconhecido e combater a covardia da inércia.
Lembro da história exemplar do britânico Dean Koontz, autor da trilogia Frankenstein e hoje um dia dez escritores mais ricos do mundo. Ele trabalhava como assistente social e como professor de inglês e reclamava que não sobrava tempo para escrever. Os finais de semana eram curtos para pôr em prática seus alentados projetos de romance. Cansada da lenga-lenga e do infinito adiamento da vocação, a sua esposa Gerda lhe fez uma proposta: que ele pedisse demissão. Em contrapartida, ela o sustentaria por cinco anos para que ele se dedicasse com exclusividade para as suas histórias. Não foi fácil, o orçamento minguou e qualquer página rasgada prenunciava o fracasso. Várias vezes ele quis desistir, e talvez só tenha conseguido o êxito pela inabalável insistência de alguém ao seu lado. Koontz ultrapassou os 450 milhões de exemplares vendidos, descobrindo assim que ninguém é corajoso sozinho. Há sempre um anjo da guarda fazendo sombra com as suas asas.
Publicado em UOL em 06/10/2017
Certamente é corajoso quem muda de vida, mas heroico mesmo é quem apoia a mudança. Maridos e esposas, namorados e namoradas que compreendem a reviravolta, seguram a barra, improvisam na crise, para não deixar a sua companhia adoecer em frustração.
Não vão pesar o caminho com âncoras e chantagens. Não vão censurar as novidades pelo conforto das decisões já assumidas. Não vão limitar o seu parceiro em nome da segurança. Não vão usar os filhos como escudo para o medo. Não vão inibir a ousadia para manter o patrimônio.
Não acham que é loucura seguir os sonhos, acreditam que o maior desatino é não fazer aquilo que se gosta, por mais que a descoberta seja tardia e inesperada.
São álibis de viagens, de intercâmbios, de vestibulares, de reposicionamento de carreira. Nem uma possível distância física alimenta o ranço e o ressentimento. Sabem que o sucesso não vem fácil, porém entendem que o prazer pessoal deve vir antes. Melhor a liberdade do aperto a prisão nababesca da apatia.
Enquanto todos olham com desconfiança a desistência, eles não desaprovam, ainda que isso custe dinheiro a menos no final do mês e sugira caso psiquiátrico para a família.
Enquanto todos classificam o abandono de uma vaga estável por um ofício absolutamente inconstante e de complicada aceitação, eles criam condições para que ocorra a transição sem trauma e culpa. Abdicam das férias, de um certo luxo, daquela reserva preventiva pela felicidade de seu par. Duplicam as suas tarefas, multiplicam a sua paciência, dedicados a garantir uma retaguarda para sua companhia se encontrar. Não ostentam a privação, muito menos recuam com as adversidades.
Amar é oferecer a mão ao desconhecido e combater a covardia da inércia.
Lembro da história exemplar do britânico Dean Koontz, autor da trilogia Frankenstein e hoje um dia dez escritores mais ricos do mundo. Ele trabalhava como assistente social e como professor de inglês e reclamava que não sobrava tempo para escrever. Os finais de semana eram curtos para pôr em prática seus alentados projetos de romance. Cansada da lenga-lenga e do infinito adiamento da vocação, a sua esposa Gerda lhe fez uma proposta: que ele pedisse demissão. Em contrapartida, ela o sustentaria por cinco anos para que ele se dedicasse com exclusividade para as suas histórias. Não foi fácil, o orçamento minguou e qualquer página rasgada prenunciava o fracasso. Várias vezes ele quis desistir, e talvez só tenha conseguido o êxito pela inabalável insistência de alguém ao seu lado. Koontz ultrapassou os 450 milhões de exemplares vendidos, descobrindo assim que ninguém é corajoso sozinho. Há sempre um anjo da guarda fazendo sombra com as suas asas.
Publicado em UOL em 06/10/2017
DIGITANDO...
Quando estamos furiosos, escrevemos rápido. Nem pensamos. Empilhamos mortos no caminho da digitação: palavras trocadas, erros de concordância. Não há capricho. A língua portuguesa é a primeira a adoecer com o ataque de nervos. O ímpeto é dar o golpe derradeiro para calar a boca do afeto que agora veste a carapuça de adversário.
Frases são socos, são jabs, são tapas. Digitar é puxar o cabelo, é empurrar contra a parede.
Você que entrou no bate-boca dos dedos, que está parado em algum lugar batucando o celular freneticamente, alheio às pessoas ao seu redor, não mais deseja a pacificação, o apaziguamento, o acerto. Algo explodiu em você e não consegue calar. Fugiram as rédeas do pensamento, apenas tem a ambição de entrar cada vez mais fundo na lama. Não sabe se acredita naquilo que diz ou diz para persuadir e parecer pleno de razão.
Perdeu a pose de civilizado, sem pontos na carteira de habilitação, atropela o bom senso com fúria assassina. Traça um percurso perigoso de ofensa, que talvez não tenha volta. Faz o retorno à briga de rua, à marginalidade por debaixo dos traumas.
Casais discutindo formam longos livros no WhatsApp. O irônico é que o primeiro nem tem tempo de ler o que o segundo escreveu. Se alguém pede perdão, o outro é capaz de passar reto e continuar xingando e reiniciar o ódio sem querer. Tudo poderia terminar ali, mas a trégua da gentileza e a bandeira branca não são vistas tremulando entre tantas caixas altas e desaforos.
Quem redige não aguarda a resposta, já vai empilhando blocos e blocos de texto e cimento para enterrar viva a sua companhia. Não oferece uma segunda chance, o direito à dívida, não realiza uma repescagem das incertezas, não vacila e não treme a mão. Se parasse um pouco e saísse um instante de perto da tela, respiraria novos ares e veria uma solução.
O par não está mais conversando, e sim se destruindo em monólogos descontextualizados, destacadamente avulsos e arbitrários. Não se respondem, respondem somente aos seus impulsos. São duas solidões se matando.
Escrever com o coração fervendo é ainda pior do que escrever com a cabeça quente.
Publicado em O Globo em 05/10/2017
Frases são socos, são jabs, são tapas. Digitar é puxar o cabelo, é empurrar contra a parede.
Você que entrou no bate-boca dos dedos, que está parado em algum lugar batucando o celular freneticamente, alheio às pessoas ao seu redor, não mais deseja a pacificação, o apaziguamento, o acerto. Algo explodiu em você e não consegue calar. Fugiram as rédeas do pensamento, apenas tem a ambição de entrar cada vez mais fundo na lama. Não sabe se acredita naquilo que diz ou diz para persuadir e parecer pleno de razão.
Perdeu a pose de civilizado, sem pontos na carteira de habilitação, atropela o bom senso com fúria assassina. Traça um percurso perigoso de ofensa, que talvez não tenha volta. Faz o retorno à briga de rua, à marginalidade por debaixo dos traumas.
Casais discutindo formam longos livros no WhatsApp. O irônico é que o primeiro nem tem tempo de ler o que o segundo escreveu. Se alguém pede perdão, o outro é capaz de passar reto e continuar xingando e reiniciar o ódio sem querer. Tudo poderia terminar ali, mas a trégua da gentileza e a bandeira branca não são vistas tremulando entre tantas caixas altas e desaforos.
Quem redige não aguarda a resposta, já vai empilhando blocos e blocos de texto e cimento para enterrar viva a sua companhia. Não oferece uma segunda chance, o direito à dívida, não realiza uma repescagem das incertezas, não vacila e não treme a mão. Se parasse um pouco e saísse um instante de perto da tela, respiraria novos ares e veria uma solução.
O par não está mais conversando, e sim se destruindo em monólogos descontextualizados, destacadamente avulsos e arbitrários. Não se respondem, respondem somente aos seus impulsos. São duas solidões se matando.
Escrever com o coração fervendo é ainda pior do que escrever com a cabeça quente.
Publicado em O Globo em 05/10/2017
CASA PARALELA
Sempre estamos mobiliando uma casa paralela e imaginária com os objetos perdidos. A casa perfeita tem tudo o que a gente extraviou e não achou mais na vida. É a morada de nossas preces, concebida pela Salve Rainha e São Longuinho. Daremos pulinhos ao entrar em seu umbral.
Lá nunca faltará guarda-chuva e carregador de celular – terei um estoque para combater trovoadas e o fim repentino da bateria. Os livros que jamais localizei estarão alinhados nas estantes, por ordem alfabética. Os LPs foragidos se mostrarão intactos, de pé, ao lado do dois em um, com os plásticos de dentro nem um pouco amassados. Assim como irei me surpreender com a montanha de fitas cassete com as trilhas românticas que preparava de madrugada gravando programas na rádio (em que cortava a voz do locutor e os comerciais). Será um encanto rever as camisetas e calças desaparecidas nos cabides, que deixei em casas de colegas da escola. Não controlarei a gargalhada diante das meias avulsas, solteiras, amontoadas em cima da cama, de sumiço misterioso entre a cesta e a máquina de lavar. Na prateleira da cozinha, reencontrarei as tinhosas e malandras tampas da panela, prisioneiras de algum ralo misterioso ou Triângulo das Bermudas gastronômico – tantas e diversas que posso cobrir a extensão de meu telhado. Relógios e óculos reluzirão na gaveta do criado-mudo, com os estojos de veludo empilhados. Devo reaver a coleção de pulsas coloridas do relógio Champion da adolescência. Na escrivaninha do escritório, alinhado ao meu chamado de general, revistarei a tropa de canetas Bic, com os seus capacetes azuis. Centenas delas. Todas as canetas emprestadas ao longo dos anos.
Espanto sem igual experimentarei no quarto com o armário atolado dos brinquedos da infância, que a minha mãe deu um jeito de passar adiante. Consumirei dias montando o Ferrorama e o Autorama e reclamando da falta de espaço para concluir as tarefas. Demorarei a acertar a pontaria do Batalha Naval ou para conferir o dinheiro de mentirinha do Banco Imobiliário. Não duvido que chore ao esticar o ioiô da Coca-Cola e tentar repetir a façanha da montanha-russa com as cordas. Farei festa ao folhear os alguns de figurinhas das Copas do Mundo de 78, 82 e 86. Antes de dormir, colocarei a bolita verde perto dos olhos, como uma córnea doada pelos amigos.
É sumir algo em minha rotina que logo reaparece na residência de outra dimensão.
Um pouquinho de mim também vai junto com a saudade.
Publicado em Vida Breve em 04/10/2017
Lá nunca faltará guarda-chuva e carregador de celular – terei um estoque para combater trovoadas e o fim repentino da bateria. Os livros que jamais localizei estarão alinhados nas estantes, por ordem alfabética. Os LPs foragidos se mostrarão intactos, de pé, ao lado do dois em um, com os plásticos de dentro nem um pouco amassados. Assim como irei me surpreender com a montanha de fitas cassete com as trilhas românticas que preparava de madrugada gravando programas na rádio (em que cortava a voz do locutor e os comerciais). Será um encanto rever as camisetas e calças desaparecidas nos cabides, que deixei em casas de colegas da escola. Não controlarei a gargalhada diante das meias avulsas, solteiras, amontoadas em cima da cama, de sumiço misterioso entre a cesta e a máquina de lavar. Na prateleira da cozinha, reencontrarei as tinhosas e malandras tampas da panela, prisioneiras de algum ralo misterioso ou Triângulo das Bermudas gastronômico – tantas e diversas que posso cobrir a extensão de meu telhado. Relógios e óculos reluzirão na gaveta do criado-mudo, com os estojos de veludo empilhados. Devo reaver a coleção de pulsas coloridas do relógio Champion da adolescência. Na escrivaninha do escritório, alinhado ao meu chamado de general, revistarei a tropa de canetas Bic, com os seus capacetes azuis. Centenas delas. Todas as canetas emprestadas ao longo dos anos.
Espanto sem igual experimentarei no quarto com o armário atolado dos brinquedos da infância, que a minha mãe deu um jeito de passar adiante. Consumirei dias montando o Ferrorama e o Autorama e reclamando da falta de espaço para concluir as tarefas. Demorarei a acertar a pontaria do Batalha Naval ou para conferir o dinheiro de mentirinha do Banco Imobiliário. Não duvido que chore ao esticar o ioiô da Coca-Cola e tentar repetir a façanha da montanha-russa com as cordas. Farei festa ao folhear os alguns de figurinhas das Copas do Mundo de 78, 82 e 86. Antes de dormir, colocarei a bolita verde perto dos olhos, como uma córnea doada pelos amigos.
É sumir algo em minha rotina que logo reaparece na residência de outra dimensão.
Um pouquinho de mim também vai junto com a saudade.
Publicado em Vida Breve em 04/10/2017
CORPO FECHADO
Eu tenho o corpo fechado. Nada é capaz de me machucar ou ferir a ponto de me anular. Cicatrizo rápido, levanto ligeiro das quedas.
Não recebi nenhuma bênção especial, não ganhei nenhum passe em terreiro na minha infância, não fui levado para nenhuma simpatia, não experimentei cirurgia espiritual.
A proteção vem de minha mãe. Quando pequeno, sempre que caía um botão, ela não pedia para tirar a camisa. Meus agasalhos contavam com um pronto-socorro imediato, um plantão de gentileza.
Ela buscava a caixinha de costura da segunda gaveta da sala e se ajoelhava diante de mim para costurar a roupa em meu próprio corpo. Pregava o botão na hora, eu sentia o vaivém da agulha perto de minha pele, a proximidade do perigo aumentava o cuidado e a salvação. Ela encilhava a linha e contornava com perícia o rasgo. Como qualquer criança presa, eu tentava me mexer e ela me advertia:
– Só um minutinho, senão vou machucá-lo.
E era condicionado a permanecer imóvel até ela terminar a tarefa. Até romper o fio com os dentes.
– Pronto, vá brincar agora.
Aquilo me fortaleceu sem que soubesse. Minha mãe, a cada peça perdida e reposta, foi também remendando as minhas dores e tristezas, desatando nós e medos, reforçando a malha de minha carne diante das adversidades da vida.
Com o poder infinito do amor materno, criou uma armadura invisível de esperança. Não somente arrumava as roupas, ela reforçava os pontos cegos de minha personalidade. Dava-me forro de abraços. Acolchoava as asas com as minhas penas.
Eu me emociono ao lembrar de sua cabeça baixa e os seus cílios rentes aos tecidos. O quanto ela rezou por mim silenciosamente naquele gesto de alfaiate.
O quanto ela acendeu velas pela minha saúde no altar de seus dedos. O quanto ela desabrochou os botões de meus olhos ao oferecer o tempo de sua fé.
Não há flecha envenenada da cobiça do outro que possa me abalar. Não há punhal afiado que possa quebrar a lealdade que mantenho com a alegria.
Eu tenho mesmo o corpo costurado contra o mau olhado, a inveja e o ciúme. Pergunte para a minha mãezinha se não é verdade.
Publicado em Jornal Zero Hora em 03/10/2017
Não recebi nenhuma bênção especial, não ganhei nenhum passe em terreiro na minha infância, não fui levado para nenhuma simpatia, não experimentei cirurgia espiritual.
A proteção vem de minha mãe. Quando pequeno, sempre que caía um botão, ela não pedia para tirar a camisa. Meus agasalhos contavam com um pronto-socorro imediato, um plantão de gentileza.
Ela buscava a caixinha de costura da segunda gaveta da sala e se ajoelhava diante de mim para costurar a roupa em meu próprio corpo. Pregava o botão na hora, eu sentia o vaivém da agulha perto de minha pele, a proximidade do perigo aumentava o cuidado e a salvação. Ela encilhava a linha e contornava com perícia o rasgo. Como qualquer criança presa, eu tentava me mexer e ela me advertia:
– Só um minutinho, senão vou machucá-lo.
E era condicionado a permanecer imóvel até ela terminar a tarefa. Até romper o fio com os dentes.
– Pronto, vá brincar agora.
Aquilo me fortaleceu sem que soubesse. Minha mãe, a cada peça perdida e reposta, foi também remendando as minhas dores e tristezas, desatando nós e medos, reforçando a malha de minha carne diante das adversidades da vida.
Com o poder infinito do amor materno, criou uma armadura invisível de esperança. Não somente arrumava as roupas, ela reforçava os pontos cegos de minha personalidade. Dava-me forro de abraços. Acolchoava as asas com as minhas penas.
Eu me emociono ao lembrar de sua cabeça baixa e os seus cílios rentes aos tecidos. O quanto ela rezou por mim silenciosamente naquele gesto de alfaiate.
O quanto ela acendeu velas pela minha saúde no altar de seus dedos. O quanto ela desabrochou os botões de meus olhos ao oferecer o tempo de sua fé.
Não há flecha envenenada da cobiça do outro que possa me abalar. Não há punhal afiado que possa quebrar a lealdade que mantenho com a alegria.
Eu tenho mesmo o corpo costurado contra o mau olhado, a inveja e o ciúme. Pergunte para a minha mãezinha se não é verdade.
Publicado em Jornal Zero Hora em 03/10/2017
PREPOTÊNCIA DO MENTIROSO
É muito fácil desmascarar o mentiroso. Quando pego em contradição, fica possesso e indignado. Ataca para não se ver atacado. Distrai a atenção com o escândalo.
Todo mentiroso é um canastrão, gesticula sem necessidade, abraça o ar até sufocá-lo, tem as bochechas vermelhas de ódio, transforma companheiros de longa em data em inimigos, delata os afetos para adquirir imunidade.
Todo mentiroso esperneia e se movimenta de modo frenético. Em vez de ter humildade e desfazer tranquilamente o engano, fica mais prepotente e não deseja dar satisfações. Sai de cena bufando, volta à cena aos gritos. Bate à porta, empurra a cadeira, os objetos sofrem à sua volta.
Todo mentiroso ameaça, como um profeta de rua. Antecipa o apocalipse por tê-lo posto à prova. Já começa a inventar castigos e reprimendas como o fim da amizade e o término da relação. Prefere acabar a confessar.
Todo mentiroso não se desculpa. Pelo contrário, imagina o acusador pedindo perdão de joelhos pelo mal-entendido.
Todo mentiroso se projeta numa vaga de emprego, não parando de se elogiar, destacando os seus pontos positivos, sublinhando a sua honradez e ética na tomada de decisões.
Todo mentiroso nega e nega e nega: vai soletrando não antes mesmo de ser questionado.
Todo mentiroso conversa sozinho: não escuta nada, pergunta e responde, num júri imaginário. Ocupa, simultaneamente, os papéis de advogado de defesa, promotor e juiz.
Seu primeiro movimento é desqualificar a pessoa que o colocou em dúvida. Poderia desmontar a mentira, mas leva para o lado pessoal e ofende o outro, insinuando uma perseguição.
Não apresenta argumentos, muito menos detalha o ocorrido. Diz inicialmente que é um absurdo a falta de confiança. Tenta entrar no jogo psicológico dos atenuantes, lembrando que se conhecem há tempo e não merecia tamanha desconsideração. Implicará com a lealdade, falando que jamais esperava ser agredido com um golpe baixo. Desmerece a curiosidade e a caracteriza como prova de mais alta traição.
Todo mentiroso não quer perder tempo conversando, mas tampouco cala a boca.
Como não convence com fatos, depois age como um psiquiatra. Cria diagnósticos, despeja receitas, acumula distorções, estabelece sintomas de paranoia. Fará de tudo para provar que tudo é uma loucura e que todos estão doidos, menos ele.
Todo mentiroso é igual. Abomina a lógica e recusa as provas.
Não entende que a inocência não se prova.
Os sinais são evidentes. Quem não tem razão se sente cheio de razão. Quem tem razão não se sente intimidado com o erro.
A verdade é calma e curta. A mentira é penosa e aflitiva.
A verdade é um atalho. A mentira é o caminho mais longo e sempre passa pelo ataque de nervos.
Publicado em Donna ZH em 02/10/2017
Todo mentiroso é um canastrão, gesticula sem necessidade, abraça o ar até sufocá-lo, tem as bochechas vermelhas de ódio, transforma companheiros de longa em data em inimigos, delata os afetos para adquirir imunidade.
Todo mentiroso esperneia e se movimenta de modo frenético. Em vez de ter humildade e desfazer tranquilamente o engano, fica mais prepotente e não deseja dar satisfações. Sai de cena bufando, volta à cena aos gritos. Bate à porta, empurra a cadeira, os objetos sofrem à sua volta.
Todo mentiroso ameaça, como um profeta de rua. Antecipa o apocalipse por tê-lo posto à prova. Já começa a inventar castigos e reprimendas como o fim da amizade e o término da relação. Prefere acabar a confessar.
Todo mentiroso não se desculpa. Pelo contrário, imagina o acusador pedindo perdão de joelhos pelo mal-entendido.
Todo mentiroso se projeta numa vaga de emprego, não parando de se elogiar, destacando os seus pontos positivos, sublinhando a sua honradez e ética na tomada de decisões.
Todo mentiroso nega e nega e nega: vai soletrando não antes mesmo de ser questionado.
Todo mentiroso conversa sozinho: não escuta nada, pergunta e responde, num júri imaginário. Ocupa, simultaneamente, os papéis de advogado de defesa, promotor e juiz.
Seu primeiro movimento é desqualificar a pessoa que o colocou em dúvida. Poderia desmontar a mentira, mas leva para o lado pessoal e ofende o outro, insinuando uma perseguição.
Não apresenta argumentos, muito menos detalha o ocorrido. Diz inicialmente que é um absurdo a falta de confiança. Tenta entrar no jogo psicológico dos atenuantes, lembrando que se conhecem há tempo e não merecia tamanha desconsideração. Implicará com a lealdade, falando que jamais esperava ser agredido com um golpe baixo. Desmerece a curiosidade e a caracteriza como prova de mais alta traição.
Todo mentiroso não quer perder tempo conversando, mas tampouco cala a boca.
Como não convence com fatos, depois age como um psiquiatra. Cria diagnósticos, despeja receitas, acumula distorções, estabelece sintomas de paranoia. Fará de tudo para provar que tudo é uma loucura e que todos estão doidos, menos ele.
Todo mentiroso é igual. Abomina a lógica e recusa as provas.
Não entende que a inocência não se prova.
Os sinais são evidentes. Quem não tem razão se sente cheio de razão. Quem tem razão não se sente intimidado com o erro.
A verdade é calma e curta. A mentira é penosa e aflitiva.
A verdade é um atalho. A mentira é o caminho mais longo e sempre passa pelo ataque de nervos.
Publicado em Donna ZH em 02/10/2017
HOMÃO DA PORRA
O homem sempre recebeu adjetivos genéricos, sei lá se as mulheres achavam que ele não merecia. Talvez tivessem razão.
Para os que apresentavam aparência atraente, empregavam lindo, gostoso, tesudo. Para os que não inspiravam deleite estético, o público feminino usava frases e um pouco mais de caracteres: você é tão engraçado, você é tão carinhoso, você é tão seguro.
Finalmente apareceu uma homenagem que cabe para bonitos e feios, heterossexuais e gays, altos e baixos, gordos e magros, que ultrapassa o patamar da superficialidade: homão da porra.
Como a palavra saudade, não terá tradução pertinente em outro idioma.
É uma expressão brasileira, selvagem, que traz o mais puro reconhecimento. Tem um quê de malandragem e a reverência do aumentativo. Chega aos ouvidos como um desaforo delicioso.
Homão da porra envolve atitude, refere-se a conduta, é um sinônimo que pode ser usado tanto como admiração física quanto intelectual. Indica firmeza de princípios, coragem de ser. Vai além dos atributos do corpo.
Homão da porra não se restringe à cantada, é uma confissão de apreço. Serve ao amante, mas também ao amigo e ainda para o ídolo.
Tem virtudes de um pacote completo de televisão a cabo. Atende aos caprichos de séries, filmes e pornôs, ou a dramas, comédias e romances, atinge a todos os temperamentos e gêneros.
Homão da porra é uma nova versão do irresistível canalha, com a diferença de que o sujeito não precisa ser imprestável. Ele pode ser comportado, educado, fiel e leal e continuar sendo um homão da porra. Não é uma denominação machista, rompe com o histórico estranhamente positivo do mulherengo e do galinha. Pois o macho promíscuo era sempre endeusado como alguém indomável.
Homão da porra quebra com a fama antiga de que homem bom devia ser colecionador de mulheres, propagada por personagens como Casanova e Don Juan. Homem bom é homem bom, ponto final, sem atenuantes.
Homão da porra nos liberta dos preconceitos, atende à pluralidade do desejo, à diversidade do comportamento.
É mais uma prova darwiniana de que Adão nasceu da costela de Eva, e não o contrário.
Publicado em UOL em 29/9/2017
FABRÍCIO SAIU DO GRUPO...
Nenhuma tentativa de suicídio surte tanto efeito como sair do grupo de amigos ou da família do WhatsApp. É um suicídio virtual. Se quer chamar atenção, não há maior manobra da carência.
Não precisa barbear os pulsos ou fazer selfies cadavéricas.
Quando todos visualizarem você saindo, começará imediatamente uma torrente de fofocas: o que aconteceu? Algo foi dito de errado?
Um mal estar cobrirá o resto das 248 mensagens posteriores, num misto de constrangimento, espanto e pesar.
A maior parte dos participantes vai lhe procurar privadamente para descobrir o motivo da saída. Seu telefone não vai mais parar de tocar. Não duvide se alguém aparecer apertando o seu interfone. Ou receber um buquê de rosas com alguma frase de Augusto Cury.
Experimentamos um fanatismo nas redes sociais. O abandono de um simples grupo é visto como uma desistência dos laços. Não existe mais saída à francesa. Entrará no rol dos desaparecidos, receberá a pecha de procurado, amargará a fama de anti-social, assumirá o papel de ingrato.
Ninguém supõe que a pessoa apenas cansou de fotos e vídeos engraçadinhos abarrotando o seu canal de contato com o mundo. Ninguém admite a hipótese de que o outro se fartou da chatice das mesmas ladainhas e respostas otimistas. Até porque um meme de um grupo corre para o seguinte e você termina recebendo a mesma mensagens várias vezes ao dia. No WhatsApp, nada se cria, tudo se copia.
E não se encontra um único perfil mal humorado, nervoso, irritado, todos se mostram incansáveis piadistas. É Prozac em excesso na camada de ozônio.
Os grupos são uma seleção do que há de pior na web. Tudo o que foge de olhar aparece em seu telefone: gente caindo, gente explodindo, gente bêbada, gente cometendo bobagens. Ou cachorros bocejando, cachorros cantando, cachorros pulando de sofás. Ou crianças se fingindo de adultas, ou adultos se fingindo de crianças. E gatos, muitos gatos fofos.
As palavras são raras, os emojis invadiram a Terra. Ainda seremos devorados por emojis, os novos alienígenas com seus discos voadores de corações.
Suicídio para quê? Já vivemos uma total abdução.
Publicado em O Globo em 28/9/2017
Não precisa barbear os pulsos ou fazer selfies cadavéricas.
Quando todos visualizarem você saindo, começará imediatamente uma torrente de fofocas: o que aconteceu? Algo foi dito de errado?
Um mal estar cobrirá o resto das 248 mensagens posteriores, num misto de constrangimento, espanto e pesar.
A maior parte dos participantes vai lhe procurar privadamente para descobrir o motivo da saída. Seu telefone não vai mais parar de tocar. Não duvide se alguém aparecer apertando o seu interfone. Ou receber um buquê de rosas com alguma frase de Augusto Cury.
Experimentamos um fanatismo nas redes sociais. O abandono de um simples grupo é visto como uma desistência dos laços. Não existe mais saída à francesa. Entrará no rol dos desaparecidos, receberá a pecha de procurado, amargará a fama de anti-social, assumirá o papel de ingrato.
Ninguém supõe que a pessoa apenas cansou de fotos e vídeos engraçadinhos abarrotando o seu canal de contato com o mundo. Ninguém admite a hipótese de que o outro se fartou da chatice das mesmas ladainhas e respostas otimistas. Até porque um meme de um grupo corre para o seguinte e você termina recebendo a mesma mensagens várias vezes ao dia. No WhatsApp, nada se cria, tudo se copia.
E não se encontra um único perfil mal humorado, nervoso, irritado, todos se mostram incansáveis piadistas. É Prozac em excesso na camada de ozônio.
Os grupos são uma seleção do que há de pior na web. Tudo o que foge de olhar aparece em seu telefone: gente caindo, gente explodindo, gente bêbada, gente cometendo bobagens. Ou cachorros bocejando, cachorros cantando, cachorros pulando de sofás. Ou crianças se fingindo de adultas, ou adultos se fingindo de crianças. E gatos, muitos gatos fofos.
As palavras são raras, os emojis invadiram a Terra. Ainda seremos devorados por emojis, os novos alienígenas com seus discos voadores de corações.
Suicídio para quê? Já vivemos uma total abdução.
Publicado em O Globo em 28/9/2017
NO CHUVEIRO COLETIVO
Eu pensava que tinha confiança. Eu pensava que tinha personalidade bem resolvida. Eu pensava que a minha estima estava em alta. Eu pensava que gostava de mim.
Até testemunhar aquele homem cantando ópera no chuveiro coletivo do Minas Tênis Clube. Ele se ensaboava e entoava La Traviata a pleno pulmão. Nem aí para os seus colegas de ducha. Fazia um show particular, bochechando vogais e treinando agudos.
Giuseppe Verdi jamais cogitou tal cena quando compôs a ópera. Talvez deixasse de escrever ao imaginar que, 164 anos depois da estreia, haveria um homenzarrão em pelo no vestiário de um clube na capital mineira gritando a sua criação.
Apesar da extravagância, não dava nem para olhar, soaria estranho e indiscreto.
Eu me senti diminuído. Nunca cometeria tamanha ousadia. Não canto sequer no box do meu banheiro. Jamais dublo canções prediletas no carro. Sofro de vergonha de cantar mesmo quando me encontro absolutamente sozinho.
Não sei o que aconteceu com ele, se é sempre assim ou se acertou a quina ou ganhou alguma herança naquela manhã ou estava simplesmente apaixonado.
A questão é que ele abusava da megalomania, esbanjava soberba, atuava como um tenor senhor do tempo.
Indestrutível. Imperturbável. Inabalável. Não ficava sem jeito por estar acompanhado. Oferecia uma aula de vaidade, um curso de autoajuda de graça.
Feliz em cima do seu tapete, em seu tatame de espuma, não procurava agradar ninguém, somente a si mesmo. Vivia a sua loucura com liberdade. Experimentava o auge do seu contentamento sem censura, sem receio do julgamento alheio, sem se esconder do contágio da fofoca.
Se todos fossem como ele, com a coragem do microfone imaginário, de não se importar com as expectativas dos outros, lavaríamos a alma muito além do corpo.
Publicado em Vida Breve em 27/9/2017
PRESENTE SIMBÓLICO OU SENTIMENTAL
O presente simbólico preocupa-se com o preço. O presente sentimental é feito para recuperar o nosso valor.
Há uma grande diferença entre o presente simbólico e o sentimental.
No presente simbólico, o outro descaradamente não quer gastar. Deseja comprar qualquer coisa somente para a data não passar em branco.
Vai errar com certeza o destino da escolha. Não pretende agradar, mas apenas se livrar da tarefa. Já vai com má vontade na loja. É capaz de comprar uma manta no verão, um chinelo no inverno. Tropeça na estação equivocada do carinho.
Não tem cuidado para estudar a personalidade do presenteado. É o cara de pau que aparece com pacote de meias em promoção. Quando não recorre a um brinde parado em sua própria casa, embrulhado como camisa depois de festa, com papel reciclado de alguma comemoração antiga. É uma lembrança, uma péssima lembrança, onde a avareza é que manda. O agradecimento será educado, jamais sincero.
Já o presente sentimental é igualmente barato, porém revela um conhecimento íntimo do aniversariante. É quando existe a devolução do olhar mais atento, a recuperação de relíquias de uma vida, a devolução do passado mais precioso. O presente pode não ser caro, só que envolve pesquisa e esforço para achá-lo. Significa que alguém dedicou parte do seu tempo para procurá-lo, contrariando passagens rápidas em shoppings e lojas de conveniência.
Mimo que provoca o choro, o engasgo, a autêntica surpresa, com aquela pergunta vaidosa por dentro do silêncio: "Como sabia que era importante para mim?".
Existiu uma investigação da sensibilidade, um acompanhamento em tempo real dos desejos mais recônditos. Quase como um achados e perdidos da alma. Não é somente um presente útil, é um presente raro.
Minha mulher localizou a máquina de escrever Lettera 82 verdinha numa feira de artesanato, pois guardou a informação de que comecei escrevendo poesia no modelo igual. Eu não contive a minha felicidade. Vinha até com o estojo para carregar nas viagens. Estava mais conservada do que a que perdi na adolescência. E ela ainda teve o capricho de adquirir fitas reservas para não faltar tinta nas peregrinações pelos versos. Meu filho, por sua vez, encontrou os diários de meu cineasta predileto, Tarkovski. Como ele lembrou? A gente imagina que ninguém nos escuta e, de repente, vem a materialização de conversas esparsas e distraídas da convivência. Minha filha construiu um abajur de papelão porque eu sempre lamentava a ausência de um objeto bonito na mesinha da sala. Ela entendeu a minha indireta, mesmo quando não contava com discernimento total daquela necessidade. Falei por falar, e fui amado em dobro.
O presente simbólico preocupa-se com o preço. O presente sentimental é feito para recuperar o nosso valor.
Publicado em Jornal Zero Hora em 26/9/2017
Há uma grande diferença entre o presente simbólico e o sentimental.
No presente simbólico, o outro descaradamente não quer gastar. Deseja comprar qualquer coisa somente para a data não passar em branco.
Vai errar com certeza o destino da escolha. Não pretende agradar, mas apenas se livrar da tarefa. Já vai com má vontade na loja. É capaz de comprar uma manta no verão, um chinelo no inverno. Tropeça na estação equivocada do carinho.
Não tem cuidado para estudar a personalidade do presenteado. É o cara de pau que aparece com pacote de meias em promoção. Quando não recorre a um brinde parado em sua própria casa, embrulhado como camisa depois de festa, com papel reciclado de alguma comemoração antiga. É uma lembrança, uma péssima lembrança, onde a avareza é que manda. O agradecimento será educado, jamais sincero.
Já o presente sentimental é igualmente barato, porém revela um conhecimento íntimo do aniversariante. É quando existe a devolução do olhar mais atento, a recuperação de relíquias de uma vida, a devolução do passado mais precioso. O presente pode não ser caro, só que envolve pesquisa e esforço para achá-lo. Significa que alguém dedicou parte do seu tempo para procurá-lo, contrariando passagens rápidas em shoppings e lojas de conveniência.
Mimo que provoca o choro, o engasgo, a autêntica surpresa, com aquela pergunta vaidosa por dentro do silêncio: "Como sabia que era importante para mim?".
Existiu uma investigação da sensibilidade, um acompanhamento em tempo real dos desejos mais recônditos. Quase como um achados e perdidos da alma. Não é somente um presente útil, é um presente raro.
Minha mulher localizou a máquina de escrever Lettera 82 verdinha numa feira de artesanato, pois guardou a informação de que comecei escrevendo poesia no modelo igual. Eu não contive a minha felicidade. Vinha até com o estojo para carregar nas viagens. Estava mais conservada do que a que perdi na adolescência. E ela ainda teve o capricho de adquirir fitas reservas para não faltar tinta nas peregrinações pelos versos. Meu filho, por sua vez, encontrou os diários de meu cineasta predileto, Tarkovski. Como ele lembrou? A gente imagina que ninguém nos escuta e, de repente, vem a materialização de conversas esparsas e distraídas da convivência. Minha filha construiu um abajur de papelão porque eu sempre lamentava a ausência de um objeto bonito na mesinha da sala. Ela entendeu a minha indireta, mesmo quando não contava com discernimento total daquela necessidade. Falei por falar, e fui amado em dobro.
O presente simbólico preocupa-se com o preço. O presente sentimental é feito para recuperar o nosso valor.
Publicado em Jornal Zero Hora em 26/9/2017
LÍNGUA NO CANTO DA BOCA
O homem tem a incômoda língua para fora quando se esforça. É carregar algo ou gostar de uma situação que ele põe a tramela no canto da boca.
De repente, não mais do que de repente, prepara um wrap dobrando a sua língua.
Parece um louquinho com camisa de força. Uma criança fazendo careta. Um cachorro com sede. Não traz seriedade, não inspira confiança.
A língua para fora sugere problemas motores incontornáveis. Assusta quem dividimos intimidade, ameaça quem nem conhecemos.
Nenhuma mulher gosta, com a devida razão. Pois estraga a maior parte das selfies e das cenas amorosas. Isso que pode surgir no meio do sexo, com os espelhos do motel apontados para o corpo, provocando inevitáveis desdobramentos broxantes.
É um ataque epilético manso que acomete todo macho. Acontecerá jogando sinuca, levando as compras do mercado, batendo um pênalti, numa brincadeira no sofá, dançando em uma balada, levantando peso na academia.
Não há como apagar aquela porção de Coringa em nosso rosto, acalmar o Jim Carrey de nossas expressões. O contorcionismo poderia ser cômico se houvesse controle. Mas não tem como programá-lo ou desprogramá-lo. É um bug no sistema operacional masculino. Ainda corremos o risco de babar.
Trata-se de um movimento intuitivo, do princípio da linguagem, evocação da transição de gestos bucais nas cavernas, que emerge sem percebermos nas tarefas que exigem grande concentração. Só identificamos quando alguém chama atenção, mas já não existe desculpa convincente e reparo sociável imediato.
Às vezes, quando a esposa coloca a mão em meus lábios, não é para me silenciar, é para devolver o monstro ao seu lugar. Outras vezes quando ela me surpreende com um beijo não significa arrebatamento, é apenas uma mordaça, um selinho constrangido, destinado a interromper a vergonha de qualquer jeito.
Publicado em Donna ZH em 24/9/2017
De repente, não mais do que de repente, prepara um wrap dobrando a sua língua.
Parece um louquinho com camisa de força. Uma criança fazendo careta. Um cachorro com sede. Não traz seriedade, não inspira confiança.
A língua para fora sugere problemas motores incontornáveis. Assusta quem dividimos intimidade, ameaça quem nem conhecemos.
Nenhuma mulher gosta, com a devida razão. Pois estraga a maior parte das selfies e das cenas amorosas. Isso que pode surgir no meio do sexo, com os espelhos do motel apontados para o corpo, provocando inevitáveis desdobramentos broxantes.
É um ataque epilético manso que acomete todo macho. Acontecerá jogando sinuca, levando as compras do mercado, batendo um pênalti, numa brincadeira no sofá, dançando em uma balada, levantando peso na academia.
Não há como apagar aquela porção de Coringa em nosso rosto, acalmar o Jim Carrey de nossas expressões. O contorcionismo poderia ser cômico se houvesse controle. Mas não tem como programá-lo ou desprogramá-lo. É um bug no sistema operacional masculino. Ainda corremos o risco de babar.
Trata-se de um movimento intuitivo, do princípio da linguagem, evocação da transição de gestos bucais nas cavernas, que emerge sem percebermos nas tarefas que exigem grande concentração. Só identificamos quando alguém chama atenção, mas já não existe desculpa convincente e reparo sociável imediato.
Às vezes, quando a esposa coloca a mão em meus lábios, não é para me silenciar, é para devolver o monstro ao seu lugar. Outras vezes quando ela me surpreende com um beijo não significa arrebatamento, é apenas uma mordaça, um selinho constrangido, destinado a interromper a vergonha de qualquer jeito.
Publicado em Donna ZH em 24/9/2017
MACHISMO É AUSÊNCIA DE SOLIDÃO
O homem começará a respeitar a mulher quando tiver solidão, quando ficar só por um tempo. Só, completamente só, não solteiro. Só!, segurando as dúvidas e os seus próprios pensamentos. Enquanto não for livre, não respeitará a liberdade imprevisível da mulher.
Ele até já aprendeu a ser pai, mas não aprendeu ainda a ser marido. Pois confunde a esposa ou como uma mãe, onde transfere a chatice das responsabilidades, ou como filha, onde controla os passos com ciúme e possessividade.
Quando entende a mulher como mãe, repassa a ela o papel autoritário de censora que restringe e não lhe deixa fazer as coisas que gosta. Quando entende a mulher como filha, inferioriza a companhia como se não fosse capaz de definir as suas preferências, requerendo tutela e controle. Em ambos os casos, não aceita que a mulher o abandone e se afaste. Pois as figuras de mãe e de filha são para sempre e não podem jamais virar as costas. Em sua construção mental, não acolhe a ideia de independência.
Sua dificuldade é aceitar o não, o fora, a recusa, o fim, os afetos provisórios, a felicidade enquanto é possível. Ele casa ou namora para ter alguém à disposição. O machismo é a escravidão dos laços, a escravidão disfarçada de eternidade.
Se ele desfrutasse de solidão, não exigiria a dependência nociva. A mulher o escolhe diariamente e tem total direito de cansar da relação. O direito de ir e vir é o princípio básico do amor.
Mas o homem não cultiva a solidão para compreender que o fim não é abandono, que dar adeus não é uma ofensa pessoal.
Se ele contasse com o lugar em si para voltar com o término do romance, não seria refém de sua passionalidade (ou está comigo ou contra mim).
O homem que agride é o que não suporta a solidão. Basta a mulher dizer que vai embora que ele prende, chantageia, constrange, humilha e mata.
Só que ele teme a solidão, entende infantilmente a solidão como castigo, naquele espaço de confinamento imposto pelos pais: fique em seu quarto até pedir desculpa.
Põe, a todo custo, a sua alma para longe do lar, forja uma alma pública a provar resistência e força. Ele emenda relacionamentos para não sofrer com as perdas. Não respeita o período de luto, de digestão do que deu errado na convivência para se envolver novamente. Ele não lava as suas cuecas no box do chuveiro, não enxerga a sua intimidade. Mantém casos e rolos mesmo quando solteiro. E também sabe chorar, chorar de verdade, pois chorar pressupõe casa vazia, chorar pede descontrole, a voz não virá grossa, e sim fina, distorcida, de gás hélio.
Não se permite o choro sincero, miado, em que não há como decifrar o que a pessoa disse, já que as palavras são completamente ilegíveis. Choro maiúsculo, com o rosto vermelho, inchado, como um ataque de abelhas-africanas. Choro de interdição, sem encarar o outro de modo nenhum (não se chora de cabeça levantada). Choro honesto, acovardado como deve ser, de boca aberta, não conseguindo respirar direito, desfalcado da elegância do lenço ou do papel higiênico para assoar o nariz, limpando a tristeza de qualquer jeito na manga da camisa.
Todo homem precisa se questionar: quantas vezes na vida chorei por mim, inteiro, contínuo, encharcando o travesseiro a ponto de mofar o colchão? E não num enterro ou numa perda. E não diante de alguém.
Chorar por si é a prova de solidão. A solidão masculina nos salvará do machismo.
Publicado em UOL em 22/9/2017
Ele até já aprendeu a ser pai, mas não aprendeu ainda a ser marido. Pois confunde a esposa ou como uma mãe, onde transfere a chatice das responsabilidades, ou como filha, onde controla os passos com ciúme e possessividade.
Quando entende a mulher como mãe, repassa a ela o papel autoritário de censora que restringe e não lhe deixa fazer as coisas que gosta. Quando entende a mulher como filha, inferioriza a companhia como se não fosse capaz de definir as suas preferências, requerendo tutela e controle. Em ambos os casos, não aceita que a mulher o abandone e se afaste. Pois as figuras de mãe e de filha são para sempre e não podem jamais virar as costas. Em sua construção mental, não acolhe a ideia de independência.
Sua dificuldade é aceitar o não, o fora, a recusa, o fim, os afetos provisórios, a felicidade enquanto é possível. Ele casa ou namora para ter alguém à disposição. O machismo é a escravidão dos laços, a escravidão disfarçada de eternidade.
Se ele desfrutasse de solidão, não exigiria a dependência nociva. A mulher o escolhe diariamente e tem total direito de cansar da relação. O direito de ir e vir é o princípio básico do amor.
Mas o homem não cultiva a solidão para compreender que o fim não é abandono, que dar adeus não é uma ofensa pessoal.
Se ele contasse com o lugar em si para voltar com o término do romance, não seria refém de sua passionalidade (ou está comigo ou contra mim).
O homem que agride é o que não suporta a solidão. Basta a mulher dizer que vai embora que ele prende, chantageia, constrange, humilha e mata.
Só que ele teme a solidão, entende infantilmente a solidão como castigo, naquele espaço de confinamento imposto pelos pais: fique em seu quarto até pedir desculpa.
Põe, a todo custo, a sua alma para longe do lar, forja uma alma pública a provar resistência e força. Ele emenda relacionamentos para não sofrer com as perdas. Não respeita o período de luto, de digestão do que deu errado na convivência para se envolver novamente. Ele não lava as suas cuecas no box do chuveiro, não enxerga a sua intimidade. Mantém casos e rolos mesmo quando solteiro. E também sabe chorar, chorar de verdade, pois chorar pressupõe casa vazia, chorar pede descontrole, a voz não virá grossa, e sim fina, distorcida, de gás hélio.
Não se permite o choro sincero, miado, em que não há como decifrar o que a pessoa disse, já que as palavras são completamente ilegíveis. Choro maiúsculo, com o rosto vermelho, inchado, como um ataque de abelhas-africanas. Choro de interdição, sem encarar o outro de modo nenhum (não se chora de cabeça levantada). Choro honesto, acovardado como deve ser, de boca aberta, não conseguindo respirar direito, desfalcado da elegância do lenço ou do papel higiênico para assoar o nariz, limpando a tristeza de qualquer jeito na manga da camisa.
Todo homem precisa se questionar: quantas vezes na vida chorei por mim, inteiro, contínuo, encharcando o travesseiro a ponto de mofar o colchão? E não num enterro ou numa perda. E não diante de alguém.
Chorar por si é a prova de solidão. A solidão masculina nos salvará do machismo.
Publicado em UOL em 22/9/2017
OS DEFEITOS SÃO CONSEQUÊNCIAS DAS VIRTUDES
As cobranças de um relacionamento não são para corrigir defeitos. Na maior parte das vezes, são para controlar efeitos colaterais das virtudes.
Se o casal perceber que aquilo que pede para mudar é uma consequência da virtude, o trajeto da conversa será mais calmo e pacífico e adotará a crítica construtiva no lugar da terra arrasada.
O erro é a redundância do acerto. Por exemplo, uma pessoa persistente é virtuosa, já uma pessoa teimosa é defeituosa. No final, são a mesma pessoa. A teimosia é um excedente de uma característica benéfica, os danos de um dom. Você não deseja que a pessoa deixe de ser persistente, mas somente deixe de ser teimosa. Ninguém precisa deixar de ser, mas ser menos. Porque o lado ruim de um temperamento vem do lado bom. O lado ruim é um excesso natural do lado bom de cada um.
Tudo depende de moderação, de equilíbrio, e, de modo nenhum, requer a extinção radical de uma personalidade.
As falhas representam um extravasamento dos pontos positivos. Ou seja, resultados tortos de um cálculo correto.
O ciúme é efeito colateral do interesse e da atração. Não é apenas ciúme, é importância excessiva dada ao outro.
Se alguém é uma boa mãe ou um bom pai, a superproteção é uma decorrência da dedicação. Não deve representar uma ameaça para convivência, porém sinaliza antes o quanto a educação é feita com seriedade.
Se alguém é metódico, sofrerá com o perfeccionismo, implicação direta do capricho.
Se alguém é capaz de fazer render as suas economias, terá o prejuízo familiar de ser compreendido como egoísta. Talvez exacerbe a sua preocupação e controle nos momentos de diversão e alegria.
Se alguém é sonhador, certamente arcará com os frutos da sua distração.
Se alguém é corajoso, pode não compreender a fragilidade diferenciada dos outros e impor tarefas como se fossem absolutamente fáceis e banais. A coragem costuma desembocar no autoritarismo.
Não é o caso de nossa companhia abandonar uma ação, mas de dosá-la. O que nos incomoda parte também daquilo que nos agrada.
Publicado em O Globo em 21/9/2017
Se o casal perceber que aquilo que pede para mudar é uma consequência da virtude, o trajeto da conversa será mais calmo e pacífico e adotará a crítica construtiva no lugar da terra arrasada.
O erro é a redundância do acerto. Por exemplo, uma pessoa persistente é virtuosa, já uma pessoa teimosa é defeituosa. No final, são a mesma pessoa. A teimosia é um excedente de uma característica benéfica, os danos de um dom. Você não deseja que a pessoa deixe de ser persistente, mas somente deixe de ser teimosa. Ninguém precisa deixar de ser, mas ser menos. Porque o lado ruim de um temperamento vem do lado bom. O lado ruim é um excesso natural do lado bom de cada um.
Tudo depende de moderação, de equilíbrio, e, de modo nenhum, requer a extinção radical de uma personalidade.
As falhas representam um extravasamento dos pontos positivos. Ou seja, resultados tortos de um cálculo correto.
O ciúme é efeito colateral do interesse e da atração. Não é apenas ciúme, é importância excessiva dada ao outro.
Se alguém é uma boa mãe ou um bom pai, a superproteção é uma decorrência da dedicação. Não deve representar uma ameaça para convivência, porém sinaliza antes o quanto a educação é feita com seriedade.
Se alguém é metódico, sofrerá com o perfeccionismo, implicação direta do capricho.
Se alguém é capaz de fazer render as suas economias, terá o prejuízo familiar de ser compreendido como egoísta. Talvez exacerbe a sua preocupação e controle nos momentos de diversão e alegria.
Se alguém é sonhador, certamente arcará com os frutos da sua distração.
Se alguém é corajoso, pode não compreender a fragilidade diferenciada dos outros e impor tarefas como se fossem absolutamente fáceis e banais. A coragem costuma desembocar no autoritarismo.
Não é o caso de nossa companhia abandonar uma ação, mas de dosá-la. O que nos incomoda parte também daquilo que nos agrada.
Publicado em O Globo em 21/9/2017
INEXISTÊNCIA FELIZ
Na adolescência, eu vinha em primeiro lugar. Eu lutava por mim. Era vaidade e também proteção. Como ninguém me entendia, assim é que eu via o mundo, eu atacava para me defender. Não admitia críticas e reclamações. Já esperneava quando alguém questionava o meu estilo, a minha bagunça, o meu quarto, as minhas roupas, o meu tempo, as minhas horas vadias num game.
Minha juventude foi cortada na raiz pela paternidade. Pai cedo, aos 20 anos, mudei de postura. Eu passei a me preocupar comigo em último lugar. A aparência já não importava tanto, os sonhos profissionais de longínquos intercâmbios não faziam mais sentido, comecei a guardar dinheiro para fraldas e criação de minha menina.
Baixei a âncora definitivamente. Sou um outro homem a partir dali. Eu me deixo para depois. Não voltei para o meu ego.
Primeiro dar banho no filho para depois pensar no próprio banho. Primeiro dar comida para o filho para depois me alimentar. Primeiro servir os filhos para depois me servir. Primeiro passear com o filho para depois me divertir. Primeiro arrumar a casa para depois renovar as amizades. Primeiro curar a gripe do filho para depois resolver a minha enxaqueca. Primeiro pagar as contas para depois garantir algum lazer e comprar a cervejinha.
As brigas amorosas e os desentendimentos ficaram em segundo plano, poderia resolver depois que o filho dormia. Só depois. Eu existo depois de mim.
A paternidade alterou o meu sono, durmo leve, vigiando os barulhos da porta, como um cachorro e sua frágil residência de papel. Nunca mais atravessei o meio-dia. Nunca mais despertei de tarde. As baladas e shows se mantiveram distantes, quase um outro país na mesma cidade. Adotei uma postura militar, guardando fôlego para a sobrevida na selva doméstica.
Eu me dedico a tarefas secretas e invisíveis para as redes sociais, como encher a geladeira, preparar a refeição, recolher os badulaques do chão, lavar a roupa, guardar a louça e brilhar o fogão. Mais da metade de minha vida não serve para postagens e likes.
Vivo uma completa inexistência, uma feliz inexistência, para meus filhos ganharem visibilidade e saúde. Deixo a minha lição na folha avulsa de meu rosto, talvez vire carta para os filhos, talvez o vento leve para longe e nada da minha dedicação mereça reconhecimento. Talvez os meus pequenos descobrirão um dia que sacrifício é cuidado, renúncia é generosidade e perder tempo pelo outro é humildade. Talvez eles nunca tomem os meus olhos entre as suas mãos, os meus olhos aflitos e esperançosos de pai, não entendam o quanto ficar perto é ir longe, mas não tenho dúvida de que fiz o possível, todo o possível, com a convicção de que amor mesmo é dado livremente e não se pede de volta.
Publicado em Vida Breve em 20/9/2017
Minha juventude foi cortada na raiz pela paternidade. Pai cedo, aos 20 anos, mudei de postura. Eu passei a me preocupar comigo em último lugar. A aparência já não importava tanto, os sonhos profissionais de longínquos intercâmbios não faziam mais sentido, comecei a guardar dinheiro para fraldas e criação de minha menina.
Baixei a âncora definitivamente. Sou um outro homem a partir dali. Eu me deixo para depois. Não voltei para o meu ego.
Primeiro dar banho no filho para depois pensar no próprio banho. Primeiro dar comida para o filho para depois me alimentar. Primeiro servir os filhos para depois me servir. Primeiro passear com o filho para depois me divertir. Primeiro arrumar a casa para depois renovar as amizades. Primeiro curar a gripe do filho para depois resolver a minha enxaqueca. Primeiro pagar as contas para depois garantir algum lazer e comprar a cervejinha.
As brigas amorosas e os desentendimentos ficaram em segundo plano, poderia resolver depois que o filho dormia. Só depois. Eu existo depois de mim.
A paternidade alterou o meu sono, durmo leve, vigiando os barulhos da porta, como um cachorro e sua frágil residência de papel. Nunca mais atravessei o meio-dia. Nunca mais despertei de tarde. As baladas e shows se mantiveram distantes, quase um outro país na mesma cidade. Adotei uma postura militar, guardando fôlego para a sobrevida na selva doméstica.
Eu me dedico a tarefas secretas e invisíveis para as redes sociais, como encher a geladeira, preparar a refeição, recolher os badulaques do chão, lavar a roupa, guardar a louça e brilhar o fogão. Mais da metade de minha vida não serve para postagens e likes.
Vivo uma completa inexistência, uma feliz inexistência, para meus filhos ganharem visibilidade e saúde. Deixo a minha lição na folha avulsa de meu rosto, talvez vire carta para os filhos, talvez o vento leve para longe e nada da minha dedicação mereça reconhecimento. Talvez os meus pequenos descobrirão um dia que sacrifício é cuidado, renúncia é generosidade e perder tempo pelo outro é humildade. Talvez eles nunca tomem os meus olhos entre as suas mãos, os meus olhos aflitos e esperançosos de pai, não entendam o quanto ficar perto é ir longe, mas não tenho dúvida de que fiz o possível, todo o possível, com a convicção de que amor mesmo é dado livremente e não se pede de volta.
Publicado em Vida Breve em 20/9/2017
O TARADO PELA MINHA BARRIGA
Venho hoje andando com a barriga para dentro, com um espartilho mental, quase sem respirar direito
Deixava a piscina do Grêmio Náutico União, ao lado da mulher, e um senhor veio me cumprimentar:
– Não tem vindo mais aqui, por quê?
Ele me tratava como um conhecido, mas não me lembrava dele. Muito menos quem, onde, quando. Seu tratamento era familiar com tapinha nas costas e risada bonachona. Quando fui tentar responder, amigavelmente, ele apertou a minha barriga:
– E essa gordurinha, hein? Não era assim.
O pilantra só me constrangeu diante da minha esposa e sumiu pelos corredores com o chapl, chapl das havaianas. Fiquei reprisando a última década de minha vida e seu rosto não estava fichado.
O terror é que ele vive surgindo do nada e jamais o reconheço. Nem do passado, nem da última vez e talvez a primeira vez que o vi, naquela tarde em que vestia uma sunga preta. Não guardo a sua fisionomia para me proteger, não determino a sua idade. Vivo um completo lapso. Quando recordo dos atentados, já é tarde.
Ele não muda a sua abordagem sádica, com leves variações na brincadeira. É um estranho que se aproxima e solta uma questão vaga:
– De novo com essa roupa?
Eu entro em pânico (será que venho usando as mesmas roupas?). Quando vou me explicar, ele saca o seu veneno:
– É uma roupa que não esconde a barriga.
Não sei o que fazer para fugir dele. Não engordei, não demonstro sobrepeso nenhum, mas ele consegue me envergonhar. O que mais me irrita é que encontra um jeito de alisar o meu ventre, como que me desmascarando.
Não há mais paz para caminhar no bairro. Já temo que me dará um susto detrás de uma árvore, debaixo do meu carro, de dentro do freezer do súper, sempre apontando para a minha barriga.
Enquanto a maioria das pessoas tem medo de ser assaltada, sofro um receio particular de sua aparição. Olho para os dois lados antes de entrar em algum estabelecimento.
São cinco encontros malfadados nos últimos dois meses. Suas frases são chicotadas repentinas:
– Temos um Rei Momo.
– Grávida de cinco meses?
– A cerveja empedrou.
– Quem te viu, quem te vê, virou barrigudinho.
O sujeito desconhecido criou uma paranoia tamanho GG. Venho hoje andando com a barriga para dentro, com um espartilho mental, quase sem respirar direito. Ainda morro de asma.
Publicado em Jornal Zero Hora em 19/9/2017
SESTA PERFEITA
A imperfeição é parte do plano do cochilo. A graça vem em vencer a resistência. Não pode haver facilidades, como o escuro, o blecaute das janelas, a quietude, a porta fechada.
Nada substitui o sono na própria cama. Não tem hotel cinco estrelas que rivalize. Não tem pousada de madeira na Serra que traga o mesmo conforto.
Mas sesta, no inicio da tarde, não combina com o quarto. Traz culpa e pesadelo, ansiedade e alarme de extravio.
Sesta não se faz com o consentimento. É um dos raros prazeres roubados da vida.
Para a cabeça funcionar e jamais ficar perdida depois, sesta depende de um lugar provisório, como se fossemos adormecer por descuido, ouvindo _ até desaparecer progressivamente _ os barulhos da casa.
Sesta perfeita é no sofá, sem travesseiro e lençol, sem ninho e fortaleza, com as almofadas grandes reviradas, exposto ao trânsito da família.
Ela somente prospera contra o relógio, não a favor do tempo.
A imperfeição é parte do plano do cochilo. A graça vem em vencer a resistência. Não pode haver facilidades, como o escuro, o blecaute das janelas, a quietude, a porta fechada.
Deve-se ceder à preguiça integral: deitar logo após comer, não escovar os dentes, não realizar nenhum esforço de concentração, não mexer no celular, não convocar os neurônios a movimentos bruscos.
Sesta é queda livre. É fingir que vai ver um pouquinho de televisão e se esparramar de repente no vazio terapêutico da sala.
A mais saborosa sesta é aquela que é interrompida, mas jamais nos entregamos. Abrimos um canto do olho e não desistimos dos sonhos.
Sono fora de hora renuncia pré-requisitos. Que venha de qualquer jeito, longe do luxo. Que seja por rápidos trinta minutos, que seja uma vingança por despertar cedo no dia, que seja amontoado, dobrado e amassado, que seja deitado de roupa e cinto, com os sapatos de cabeça para baixo no chão, também roncando.
Sesta planejada somente nos piora. Sesta que nos melhora é caprichoso acidente da rotina.
Publicado em Revista Donna, Jornal Zero Hora em 17/9/2017
Nada substitui o sono na própria cama. Não tem hotel cinco estrelas que rivalize. Não tem pousada de madeira na Serra que traga o mesmo conforto.
Mas sesta, no inicio da tarde, não combina com o quarto. Traz culpa e pesadelo, ansiedade e alarme de extravio.
Sesta não se faz com o consentimento. É um dos raros prazeres roubados da vida.
Para a cabeça funcionar e jamais ficar perdida depois, sesta depende de um lugar provisório, como se fossemos adormecer por descuido, ouvindo _ até desaparecer progressivamente _ os barulhos da casa.
Sesta perfeita é no sofá, sem travesseiro e lençol, sem ninho e fortaleza, com as almofadas grandes reviradas, exposto ao trânsito da família.
Ela somente prospera contra o relógio, não a favor do tempo.
A imperfeição é parte do plano do cochilo. A graça vem em vencer a resistência. Não pode haver facilidades, como o escuro, o blecaute das janelas, a quietude, a porta fechada.
Deve-se ceder à preguiça integral: deitar logo após comer, não escovar os dentes, não realizar nenhum esforço de concentração, não mexer no celular, não convocar os neurônios a movimentos bruscos.
Sesta é queda livre. É fingir que vai ver um pouquinho de televisão e se esparramar de repente no vazio terapêutico da sala.
A mais saborosa sesta é aquela que é interrompida, mas jamais nos entregamos. Abrimos um canto do olho e não desistimos dos sonhos.
Sono fora de hora renuncia pré-requisitos. Que venha de qualquer jeito, longe do luxo. Que seja por rápidos trinta minutos, que seja uma vingança por despertar cedo no dia, que seja amontoado, dobrado e amassado, que seja deitado de roupa e cinto, com os sapatos de cabeça para baixo no chão, também roncando.
Sesta planejada somente nos piora. Sesta que nos melhora é caprichoso acidente da rotina.
Publicado em Revista Donna, Jornal Zero Hora em 17/9/2017
EMPARELHAMENTO DOS CORPOS
Não é que a esposa e o marido perdem o seu desejo sexual um pelo outro, eles apenas não se encontram quando bate a vontade. Falta emparelhar os aparelhos, ligar o acesso pessoal no mesmo tempo e espaço.
A ausência não é de prazer, mas de pontualidade. Ambos têm o impulso da libido várias vezes ao dia, só que não estão juntos para concretizá-lo. É o quebranto da rotina. Continuam a fim, fogosos, predestinados, porém não funcionam com a hora marcada. E o fora de hora dos dois jamais coincide.
Não estão presentes no surgimento das fantasias e da eclosão dos instintos sensuais.
Ela pode se arrepiar no café da manhã, mas ele já está batendo a porta em direção ao trabalho. Ele pode ser subjugado por roteiros luxuriosos no almoço, mas se percebe sozinho, a léguas de um abraço.
Quantos momentos eróticos não são aproveitados? E nem são compartilhados?
Como a pele é apressada, nada é registrado em fatos. As sensações morrem com as pontadas. Não são comunicadas como na paixão.
No enamoramento, o casal não está sempre grudado, a diferença é que se telefonam ou mandam mensagens para declarar que se desejam. Não cansam de se pronunciar em nome da proximidade.
- Ah, pensei em você quando abria a tampa do iogurte.
- Ah, pensei em você quando vi aquela mesa enorme de madeira no restaurante.
Mesmo não desfrutando de condições de satisfazer as taras no exato instante em que aparecem, não guardam para si, perpetuam o interesse para a sua culminância no próximo encontro. Preparam o terreno revelando dedicação integral. A convergência torna-se mais real pois ela nunca deixa de ser elaborada em conjunto, ainda que no plano imaginário.
O casamento se restringe aos acontecimentos, talvez devido à exclusividade dos laços. Adota uma cartilha ingênua de fim da concorrência (com o mútuo pertencimento, não existe motivo de preocupação).
Assim a saudade não é denunciada, em especial a saudade do corpo. Marido e esposa desprezam os seus sintomas sexuais, concluindo que é bobagem falar tudo o que estão sentindo. As fantasias são experimentadas em silêncio, longe da conversa e do fermento e do formigamento dos ouvidos.
De monólogo a monólogo, a distância física se agrava em distanciamento mental e, depois, não há mais como ser espontâneo e simpático com tesão acumulado. A cobrança será feita equivocada, no formato da catarse e do juízo final. Quebram-se os pratos pelo pouco uso dos talheres.
Publicado em UOL em 15/09/2017
A ausência não é de prazer, mas de pontualidade. Ambos têm o impulso da libido várias vezes ao dia, só que não estão juntos para concretizá-lo. É o quebranto da rotina. Continuam a fim, fogosos, predestinados, porém não funcionam com a hora marcada. E o fora de hora dos dois jamais coincide.
Não estão presentes no surgimento das fantasias e da eclosão dos instintos sensuais.
Ela pode se arrepiar no café da manhã, mas ele já está batendo a porta em direção ao trabalho. Ele pode ser subjugado por roteiros luxuriosos no almoço, mas se percebe sozinho, a léguas de um abraço.
Quantos momentos eróticos não são aproveitados? E nem são compartilhados?
Como a pele é apressada, nada é registrado em fatos. As sensações morrem com as pontadas. Não são comunicadas como na paixão.
No enamoramento, o casal não está sempre grudado, a diferença é que se telefonam ou mandam mensagens para declarar que se desejam. Não cansam de se pronunciar em nome da proximidade.
- Ah, pensei em você quando abria a tampa do iogurte.
- Ah, pensei em você quando vi aquela mesa enorme de madeira no restaurante.
Mesmo não desfrutando de condições de satisfazer as taras no exato instante em que aparecem, não guardam para si, perpetuam o interesse para a sua culminância no próximo encontro. Preparam o terreno revelando dedicação integral. A convergência torna-se mais real pois ela nunca deixa de ser elaborada em conjunto, ainda que no plano imaginário.
O casamento se restringe aos acontecimentos, talvez devido à exclusividade dos laços. Adota uma cartilha ingênua de fim da concorrência (com o mútuo pertencimento, não existe motivo de preocupação).
Assim a saudade não é denunciada, em especial a saudade do corpo. Marido e esposa desprezam os seus sintomas sexuais, concluindo que é bobagem falar tudo o que estão sentindo. As fantasias são experimentadas em silêncio, longe da conversa e do fermento e do formigamento dos ouvidos.
De monólogo a monólogo, a distância física se agrava em distanciamento mental e, depois, não há mais como ser espontâneo e simpático com tesão acumulado. A cobrança será feita equivocada, no formato da catarse e do juízo final. Quebram-se os pratos pelo pouco uso dos talheres.
Publicado em UOL em 15/09/2017
ÁGUA LOUCA
O adulto toma banho de noite para relaxar, para se encaminhar à cama, para se livrar das toxinas do trabalho e desacelerar a mente. É como um mantra de relaxamento, ainda mais se desfrutar de meia-luz e roupão.
Já com criança o efeito do banho noturno é o oposto: um risco aos pais. Toda ducha recarrega imediatamente a bateria da prole, renova as pilhas dos filhos.
Daí eles ficam elétricos e insones, pulam na cama, derrubam brinquedos da estante e correm, loucos, pela casa. O pijama vira roupa de astronauta, a gravidade desaparece e os objetos não param no mesmo lugar.
Na verdade, creio que as crianças são Gremlins ocultos. São Mogwais disfarçados. Quando molhados no período noturno, começam a se multiplicar, saindo bolotas das costas, similares a ovos.
Trata-se de um acontecimento sobrenatural na vida familiar. Um poltergeist cômico. Da torneira, deve chover uma aplicação de adrenalina reservada exclusivamente ao mundo infantil.
Se você carregava o seu pequeno no colo diante de tamanha exaustão, se ele não conseguia nem andar e falar, se ele não ajudava a tirar a roupa, se a gola da camiseta trancava no pescoço, se ele baixava o queixo bêbado de cansaço, é entrar em contato com a água quente que ele amanhece de novo.
Água quente é ansiolítico para o adulto e ritalina para a criança. Água quente é aposentadoria para o adulto e renascimento para a criança. Água quente é calmaria para o adulto e ataque de nervos para a criança. Água quente é chá de camomila para o adulto e café para a criança.
Não existe pesquisa científica a fundamentar a minha opinião. É achismo e, ao mesmo tempo, pura perdição de pai.
Publicado em Vida Breve em 13/9/2017
Já com criança o efeito do banho noturno é o oposto: um risco aos pais. Toda ducha recarrega imediatamente a bateria da prole, renova as pilhas dos filhos.
Daí eles ficam elétricos e insones, pulam na cama, derrubam brinquedos da estante e correm, loucos, pela casa. O pijama vira roupa de astronauta, a gravidade desaparece e os objetos não param no mesmo lugar.
Na verdade, creio que as crianças são Gremlins ocultos. São Mogwais disfarçados. Quando molhados no período noturno, começam a se multiplicar, saindo bolotas das costas, similares a ovos.
Trata-se de um acontecimento sobrenatural na vida familiar. Um poltergeist cômico. Da torneira, deve chover uma aplicação de adrenalina reservada exclusivamente ao mundo infantil.
Se você carregava o seu pequeno no colo diante de tamanha exaustão, se ele não conseguia nem andar e falar, se ele não ajudava a tirar a roupa, se a gola da camiseta trancava no pescoço, se ele baixava o queixo bêbado de cansaço, é entrar em contato com a água quente que ele amanhece de novo.
Água quente é ansiolítico para o adulto e ritalina para a criança. Água quente é aposentadoria para o adulto e renascimento para a criança. Água quente é calmaria para o adulto e ataque de nervos para a criança. Água quente é chá de camomila para o adulto e café para a criança.
Não existe pesquisa científica a fundamentar a minha opinião. É achismo e, ao mesmo tempo, pura perdição de pai.
Publicado em Vida Breve em 13/9/2017
CACHORROS EXTRAORDINÁRIOS
Eles priorizam o contato e jamais abandonam os seus afetos
Cachorros nasceram para o abraço. Têm a vocação do abraço. É apenas olhar fixo para eles, que mexem o rabo e já saem do seu canto para procurar um carinho. Largam o sono, a quentura confortável, o luxo de um osso por um olhar. Deixam a sua preguiça por amor.
É um mero e banal olhar, que eles se sentem correspondidos. É um simples olhar, que logo disparam, pulam, procuram subir nas nossas pernas, querem brincar de escada para lamber as nossas bochechas.
Lealdade é disponibilidade. Lealdade é rotina. Por isso, os cachorros são fiéis. Eles priorizam o contato e jamais abandonam os seus afetos.
Lembro de dois cães extraordinários. O labrador amarelo do escultor Bez Batti. Fui visitar seu ateliê em Bento Gonçalves e ele mostrou onde esculpe os rostos. Na pedraria, ao longo do quintal, confessou que quem escolhe as pedras para a sua criação é o cachorro. "Ele tem intuição", me alertou. Jurei que era um chiste. Não acreditei até enxergar o seu ajudante canino carregando uma peça de granito com a boca. Quando presenciei a entrega da bruta joia mineral, que logo viraria escultura, eu concluí: cachorro tem alma. Alma é cuidar do outro como se fosse a si mesmo.
Fez sentido agora a história contada pela minha mãe.
Por mais sobrenatural que parecesse. Por mais conto de fadas que soasse aos meus ouvidos de guri. Na infância, o seu cachorro Pico a levava e a buscava na escola em Guaporé, inclusive transportando a sua pequena mochila de cadernos entre os dentes.
Sempre iam os dois, chutando a geada, às 6h30min, Pico e Mariazinha uniformizados pela amizade.
Quando o relógio marcava 11h50min, Pico largava as suas tarefas de farejar o mundo e se bandeava para o colégio. Dentro de si, possuía um relógio que nunca falhava. Voltavam os dois, Pico e Mariazinha, iluminados pelo sol do almoço.
Um dia, Pico não veio, já no final do ano letivo. Minha mãe, estranhando a quebra do hábito, começou a procurar o seu cachorro. Encontrou o pequeno vira-lata gemendo no arbusto do jardim. Havia sido atropelado. Ele esperou Mariazinha para morrer. Aguardou o olhar dela, o abraço do olhar, para enfim suspirar. Só se entregou depois da mirada da menina que amava. Naquela manhã, não foi Pico que buscou a minha mãe na escola, foi a minha mãe que buscou Pico de sua vida.
Publicado em Jornal Zero Hora em 12/9/2017
Cachorros nasceram para o abraço. Têm a vocação do abraço. É apenas olhar fixo para eles, que mexem o rabo e já saem do seu canto para procurar um carinho. Largam o sono, a quentura confortável, o luxo de um osso por um olhar. Deixam a sua preguiça por amor.
É um mero e banal olhar, que eles se sentem correspondidos. É um simples olhar, que logo disparam, pulam, procuram subir nas nossas pernas, querem brincar de escada para lamber as nossas bochechas.
Lealdade é disponibilidade. Lealdade é rotina. Por isso, os cachorros são fiéis. Eles priorizam o contato e jamais abandonam os seus afetos.
Lembro de dois cães extraordinários. O labrador amarelo do escultor Bez Batti. Fui visitar seu ateliê em Bento Gonçalves e ele mostrou onde esculpe os rostos. Na pedraria, ao longo do quintal, confessou que quem escolhe as pedras para a sua criação é o cachorro. "Ele tem intuição", me alertou. Jurei que era um chiste. Não acreditei até enxergar o seu ajudante canino carregando uma peça de granito com a boca. Quando presenciei a entrega da bruta joia mineral, que logo viraria escultura, eu concluí: cachorro tem alma. Alma é cuidar do outro como se fosse a si mesmo.
Fez sentido agora a história contada pela minha mãe.
Por mais sobrenatural que parecesse. Por mais conto de fadas que soasse aos meus ouvidos de guri. Na infância, o seu cachorro Pico a levava e a buscava na escola em Guaporé, inclusive transportando a sua pequena mochila de cadernos entre os dentes.
Sempre iam os dois, chutando a geada, às 6h30min, Pico e Mariazinha uniformizados pela amizade.
Quando o relógio marcava 11h50min, Pico largava as suas tarefas de farejar o mundo e se bandeava para o colégio. Dentro de si, possuía um relógio que nunca falhava. Voltavam os dois, Pico e Mariazinha, iluminados pelo sol do almoço.
Um dia, Pico não veio, já no final do ano letivo. Minha mãe, estranhando a quebra do hábito, começou a procurar o seu cachorro. Encontrou o pequeno vira-lata gemendo no arbusto do jardim. Havia sido atropelado. Ele esperou Mariazinha para morrer. Aguardou o olhar dela, o abraço do olhar, para enfim suspirar. Só se entregou depois da mirada da menina que amava. Naquela manhã, não foi Pico que buscou a minha mãe na escola, foi a minha mãe que buscou Pico de sua vida.
Publicado em Jornal Zero Hora em 12/9/2017
POR QUE TIRAR A LIMPO A OFENSA?
Metade da infelicidade é imaginação.
Ficamos ofendidos com facilidade e não tiramos a limpo a agressão, ela pode ser um mal-entendido, uma distorção, uma audição equivocada. Mas preferimos sofrer por orgulho a desfazer enganos. Nem pedimos a repetição, aproveitamos para crescer de estatura moral na confusão.
Logo nos fechamos e não conversamos sobre aquilo que foi dito e nos feriu. Entramos no modo emburrado e nos distanciamos, contrariados, guardando uma mágoa imaginária. Batemos a porta do rosto e chaveamos a respiração.
Tratamos sempre um descuido como se fosse uma ofensa gravíssima. Contabilizamos a falha em nosso caderno de fiado e preparamos uma vingança.
Quanto mais importante a pessoa em nossa vida, menos perdoaremos as pequenas vacilações. Por isso mães e pais são julgado sem direito à apelação, maridos e esposas condenadas sumariamente.
Veja o paradoxo: a intimidade não facilita a comunicação, e sim dificulta. Pois partimos do entendimento de que se alguém nos conhece tem a obrigação de nos agradar e nos proteger. A exigência por amor e no amor é insuportável.
Nenhum casal desfruta de condições de acertar cem por cento das palavras. Nenhuma amizade será perfeita a ponto de não tropeçar em uma observação.
Quantas brigas e separações poderiam ser evitadas com a reparação imediata de uma frase torta?
A paciência é confiança, a paciência é lealdade. Mas somos intransigentes a ponto de não admitir que ninguém erre conosco. É sair do script do bom humor obrigatório que não oferecemos um voto de confiança. Mesmo que tenha sido uma distração, não há desconto. Mesmo que não tenha sido por mal, não há repescagem. Mesmo que tenha sido sem pensar, não há caridade na atenção.
Personalizamos cada crítica. Levamos para o lado pessoal antes de exercer a solidariedade da compreensão do contexto. Perguntar é ter certeza, porém não queremos destruir as dúvidas que permitirão, mais adiante, cobranças e revides.
A vaidade bloqueia o discernimento. Não nos preocupamos com o que o outro está sentindo, já priorizamos a nossa emoção acima de tudo. Reativos, estamos nos defendendo sempre de críticas que ainda não aconteceram.
Em vez de cuidar com aquilo que se diz, precisamos cuidar com aquilo que se escuta.
A outra metade da infelicidade é orgulho.
Publicado em UOL em 1º/9/2017
Ficamos ofendidos com facilidade e não tiramos a limpo a agressão, ela pode ser um mal-entendido, uma distorção, uma audição equivocada. Mas preferimos sofrer por orgulho a desfazer enganos. Nem pedimos a repetição, aproveitamos para crescer de estatura moral na confusão.
Logo nos fechamos e não conversamos sobre aquilo que foi dito e nos feriu. Entramos no modo emburrado e nos distanciamos, contrariados, guardando uma mágoa imaginária. Batemos a porta do rosto e chaveamos a respiração.
Tratamos sempre um descuido como se fosse uma ofensa gravíssima. Contabilizamos a falha em nosso caderno de fiado e preparamos uma vingança.
Quanto mais importante a pessoa em nossa vida, menos perdoaremos as pequenas vacilações. Por isso mães e pais são julgado sem direito à apelação, maridos e esposas condenadas sumariamente.
Veja o paradoxo: a intimidade não facilita a comunicação, e sim dificulta. Pois partimos do entendimento de que se alguém nos conhece tem a obrigação de nos agradar e nos proteger. A exigência por amor e no amor é insuportável.
Nenhum casal desfruta de condições de acertar cem por cento das palavras. Nenhuma amizade será perfeita a ponto de não tropeçar em uma observação.
Quantas brigas e separações poderiam ser evitadas com a reparação imediata de uma frase torta?
A paciência é confiança, a paciência é lealdade. Mas somos intransigentes a ponto de não admitir que ninguém erre conosco. É sair do script do bom humor obrigatório que não oferecemos um voto de confiança. Mesmo que tenha sido uma distração, não há desconto. Mesmo que não tenha sido por mal, não há repescagem. Mesmo que tenha sido sem pensar, não há caridade na atenção.
Personalizamos cada crítica. Levamos para o lado pessoal antes de exercer a solidariedade da compreensão do contexto. Perguntar é ter certeza, porém não queremos destruir as dúvidas que permitirão, mais adiante, cobranças e revides.
A vaidade bloqueia o discernimento. Não nos preocupamos com o que o outro está sentindo, já priorizamos a nossa emoção acima de tudo. Reativos, estamos nos defendendo sempre de críticas que ainda não aconteceram.
Em vez de cuidar com aquilo que se diz, precisamos cuidar com aquilo que se escuta.
A outra metade da infelicidade é orgulho.
Publicado em UOL em 1º/9/2017
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