terça-feira, 8 de maio de 2012

MEU ANJO DA GUARDA,

Arte de Marc Chagall


vejo muitos pais reclamando do aumento de violência e de sua preocupação com a segurança dos filhos.

Sou também pai, respeito o medo e igualmente sofro em segredo – me encaixo naquele caso paranoico que só dorme quando todos estão em casa.

Mas eu e você temos noção de que a violência não era menor na minha adolescência, apesar dos protestos da nostalgia, apesar do charme de puxar o otimismo a favor do meu tempo.

Eu não esqueci o quanto você me salvou. Poderia ter morrido tantas vezes. E escapei sempre por um triz, por um golpe de suas asas, pelo seu cuidado telepático, pela sua generosidade discreta.

Você recorda, anjo, dos meus 18 anos? Óbvio que sim, minha memória é seu trauma. Viajava de carro sem cinto. Uma simples colisão e não existiria mais. Saltaria em direção ao vidro. A gente bebia depois da festa e dirigia. Não havia campanha, fiscalização, blitz. Como que nunca aconteceu nada, como?

Sou seu milagre. Sua hora extra. Seu sonambulismo.

Ou quando atravessava a cidade a pé e entrava de penetra em qualquer festa que encontrasse pelo caminho, recorda? Adormecia em paradeiros desconhecidos. E não tinha celular ou telefone para pedir ajuda. Já andei de Assunção a Petrópolis, sozinho, de madrugada, alheio a assaltos e ameaças. Já fugi correndo de turmas de canivetes e chacos.

Balada sim, balada não, armava-se um bolo em que os socos surgiam do nada e os colegas se defendiam com garrafas quebradas. Cortei a minha cabeça numa luta, o que rendeu quatro pontos. Quase foi fatal.

E o amor totalmente desprevenido? Ai, anjo da guarda, raros usavam camisinha com as namoradas na minha época. Mergulhei numa década inconsequente e saí ileso.

Gerei o dobro de trabalho para seus voos e vigílias, né? E as drogas que circulavam entre os conhecidos, o lança-perfume que vinha de Rio Grande? E os comas alcoólicos? Não foi uma vez que desmaiei na calçada do Bom Fim. Apaguei uma noite no Parque da Redenção, acordei com gritos de um brigadiano: “Vamos circular!”.

Os adolescentes torravam mesada em bebida e se vestiam como mendigos, com calças rasgadas e camisetas para fora. Meu fígado não tinha rótulo. Superei conhaque de pior espécie, vinho de garrafão de procedência duvidosa, cigarros de filtro laranja.

Pegava carona na BR-116 (considerava um absurdo gastar com ônibus) e não deparei com nenhum assassino.

Incrível que esteja aqui para agradecê-lo. Se minha mãe soubesse o que passei, arrumava um castigo retroativo.




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 8/05/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 1763

11 comentários:

olara, um castelo de sonhos disse...

Seu castigo é ser Pai.
Muito bom! beijos no coração

olara, um castelo de sonhos disse...

Seu castigo é ser Pai.
Fantástico!
Beijos no coração!

Samantha M. disse...

É estranho pensar em quanta insanidade vivemos sem medo de ser feliz.

Gostei da carta ao anjo da guarda :)


Beijos,

Samantha Monteiro
Word In My Bag

http://wordinmybag.blogspot.com

Urso de Jardim disse...

Olá, ótimo blog o seu. Artigos muito bons, gosto bastante. Também escrevo um blog, se qusier visitar é este aí:

www.loblogue.com

Acabei de fazer uma postagem nova sobre como excluir uma cotna do Facebook, se quiser ver também, fico muito grato:

Como excluir Facebook

Wanda disse...

Muito bom!
Também andei escapando.. risos.
Bj

Wanda

CLAUDIA disse...

Como sempre muito bom o texto. Na verdade não são os tempos que mudam, mas sim o lugar que ocupamos.

Adryan Fuelber disse...

Não imaginava você por esta perspectiva, claro que de longe tudo é diferente. Parabéns pelo texto.
Boa semana!

vervedirlass disse...

_Como toda a mãe precavida, eu recomendo: Leve o guarda-chuva, leve um casaco, não esqueça disso, daquilo...
_E diariamente levo os até o portão e digo, _"Filho que o manto sagrado e invisível da Virgem Maria te proteja de todo o mal, aqui agora, na rua no trabalho e no colégio. Em nome da santíssima Trindade e o meu, Amém!"
_Faço isso desde o 1º dia que começaram a ir sozinhos para a escola.
_E continuarei. Quanto mais reforço, melhor. Vamos que o anjo precise de uma ajuda de mãe? !!!

Leila Brasil disse...

Meu anjo também fez um trabalho maravilhoso. Ai, valeu!!!!! Tua escrita mobilizou um sensível agradecimento com uma cumplicidade de bater no ar como se desse um tapinha nas costas do meu guardião . Uma piscadela e um muito obrigado juvenil.

Anônimo disse...

E a história do Pensador ein? pagou o vale. Se retratar que é bom nada né? tsc tsc tsc

Rui disse...

Acho q todos os leitores desse blog também ja escaparam de algumas, hehehe,

Abraços,
Rui
São Leopoldo-RS