domingo, 23 de setembro de 2012

QUASE PERFEITO — Consultório sentimental de Carpinejar

RETROCEDER JAMAIS
Arte de Fatturi

“Tenho 31 anos, um filho de 10, e moramos juntos com minha namorada há seis anos. De repente, surgiu a vontade de ir morar só com meu filho. Não pretendo terminar o relacionamento, apenas quero viver no meu canto, ser mais independente. É egoísmo? Isso pode dar certo? Beijos, Heloísa.”

Querida Heloísa,
 
Esta é a encruzilhada: recuar no relacionamento sem sacrificá-lo. Você pretende morar sozinha depois de seis anos. Quais os motivos? É necessário explicar muito bem e várias vezes para a atitude não ser compreendida como deserção.
 
Não há incompatibilidade no momento, brigas e ruídos, o que complica o entendimento da companhia.
 
Vocês formam uma família. A mudança representa uma mudança de rotina para o filho. Já projetou como seria dividir as tarefas entre duas residências, duas vidas e ainda conciliar namoro, trabalho e maternidade?
 
O que desejo dizer com esses questionamentos: acho que você deseja se separar e não pretende assumir a bronca. Criou uma transição diplomática para acomodar as forças contrárias e sair por cima. É um modo de se afastar pouco a pouco para se separar definitivamente ao final.
 
É evidente que o relacionamento vai esfriar. Ela terá desconfiança de seus sentimentos a partir de agora.
 
O amor não aceita menos do que já recebeu. Nunca.
 
Será que não ambiciona uma relação sem trabalho, apenas com o prazer no final de semana? Uma relação sem as dificuldades de convivência? Não será um amor preguiçoso que se pretende adolescente toda a vida?
 
Independência não é isolamento, mas também é dividir o teto com alguém e manter sua individualidade. Independência também é casamento.
 
É não ser sufocado pelas diferenças, nunca abandonar ou cair fora.

O NOIVADO É UM ALTAR MOVEDIÇO

Arte de Fatturi

“Tenho um amigo muito querido que conheci no final da faculdade. Desde então, mantemos contato diário, eis que trabalhamos juntos. Ele é casado há sete anos; eu sou noiva. Esses dias, enquanto conversávamos, ele acabou me beijando e eu correspondi. Ficamos apenas uma vez. Sei que ambos somos comprometidos, mas confesso que gostaria de ficar com ele novamente. Estou perdida num turbilhão de dúvidas. Maria Teresa"

Querida Teresa,

O noivado é um poço de intrigas. Uma tensão amorosa. Um festival de desculpas.
 
É a fase mais delicada e perigosa de uma relação, rica em desmanche de casais. Purgatório que criamos para manter o envolvimento do namoro e acalentar promessas de paraíso.
 
É como experimentar uma perturbadora tomada de decisão: será que me entrego para um único sujeito ou permaneço solteira para desfrutar de outras opções? Será que tomo uma história conjunta ou sigo com minhas alternativas de carreira e viagens sem ninguém para me incomodar?
 
O noivado é fatalista. Existe para não se casar, em vez de ajudar o enlace. Apesar do avanço do comportamento, temos a ideia do casamento para o resto da vida e pretendemos fugir dessa condenação com o primeiro que surgir em nossa frente. Você está vulnerável, fragilizada, pois está contaminada pelo complô romântico de que não há como desistir depois.
 
Então, para se ver livre da escolha, vem forçando um caso. Transferiu a responsabilidade para o colega de trabalho. Houve apenas um beijo, e já desenvolveu uma saída romanceada para largar os compromissos, já sofre de palpitações, já tem vontade de desabafar para seu noivo e contar a verdade. Extremou ao máximo um flerte, exagerando sua importância, criando pretextos para romper o noivado.
 
Na sua mente idealizada, elaborou a seguinte defesa: é mais justo desistir de um noivado por um amor verdadeiro.
 
Sua imaginação não está permitindo que a memória desenvolva lembranças.
 
Seja fiel a si mesma: você não está amando seu noivo. Não case por dote social.
 
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 23/09/2012 Edição N° 17200
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.

5 comentários:

Maria Helena disse...

À medida que ia lendo suas ponderações a respeito do assunto questionado nas duas situações, eu ia me identificando e concordando com as suas respostas e, confesso, admirando cada vez mais o dom que você tem de emitir suas opiniões com pertinência, sem arrogância e com cuidado para deixar sempre outras possibilidades para as verdades. Impressionou-me bastante! A vida me apresentou a você há pouco tempo. Você não imagina o quanto já balsamizou meu coração, sem saber! Você faz muito bem!

ana disse...

Acho que todos temos o direito de querer independência ou separação, só não acho justo fazer a outra pessoa sofrer. Mesmo se não há mais amor, ou se temos dúvidas devemos fortalecer a outra pessoa antes de deixá-la, contribuindo para que ela também se encontre e encontre recursos internos e externos para suportar a separação sem muita angústia.Isso é muito honesto e demonstra uma força de carater muito grande. Como fazer isso ? Contribuindo para que ela busque outros interesses além de nós, para que ela não se sinta muito sozinha, perdida ou abandonada. Há várias formas de fazer isso, e quando conhecemos um pouco a pessoa encontraremos um jeito de preservá-la. Amor é isso,
deixar o egoismo de lado e caminhar
junto também na separação.

késia disse...

"O amor não aceita menos do que já recebeu. Nunca."
Está aí a maior verdade que já se ousou dizer na história da humanidade.

ana disse...

Continuando meu raciocínio, o abandono sem explicaçao dói tanto porque deixa muita margem para a imaginaçāo e
permite que venha se somar a ele lembranças de outros abandonos, principalmente ligados à infância e adolescência, por exemplo
a professora que nāo deu a atençāo necessária , a māe que estava ocupada e nāo deu carinho, o primeiro amor que nāo foi correspondido, enfim, várias situações já vividas de pequenos abandonos voltam à memória de forma inconsciente e se aglutinam diante do novo
abandono, e se torna muito maior do que realmente é :

uma pessoa está abandonando e nāo aquele exército de lembranças. Por isso que é importante ser amigo e ter compaixāo da pessoa que um dia amamos. Para quê deixar que ela sofra tanto se nem é por nós, mas por suas lembranças ? Ao sermos amiga desta pessoa, poderemos ajudá-la a perceber que existem fatores reais para o nosso comportamento e que ela nāo precisa sucumbir diante das suas suposiçoes, assim, o sofrimento será pontual e bem menor.
Existem outra forma de se tornar um mito, uma lenda
ou uma eterna musa na vida de alguém sem fazê-la sofrer. Pela ternura.

ganhar dinheiro disse...

parabens pelo belissimo blog, acompanho o mesmo desde 2010, recomendo a muitas pessoas. Parabens