quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

MONALISO


Arte de Eduardo Nasi

Por insistência dos amigos, Gabriel desmanchou seu penteado de bibliotecário.

Mas não esperava que ficasse tão bonito. A franja lhe devolveu cinco anos e retirou dois quilos de seu rosto.
 
O fim dos chumaços rendeu benefícios de uma lipo. Arrependeu-se de não ter feito antes.

Levantou-se, radiante, da cadeira branca. Procurava se refletir nos retrovisores do carro, nas vitrines, nos óculos dos passantes.

Orgulhava-se do formato da cabeça, pela primeira vez na vida.

Dormiu feliz na moldura dos travesseiros, com a impressão de ter posado para Leonardo da Vinci.
 

* * *
 
No dia seguinte, descobriu que nada do que foi será. Surgiu o redemoinho. Tentou reimprimir o desenho das mechas. Os fios não se moldavam à escova. Gastou cremes e dedos. Consumiu a fé dos hidratantes e a esperança da água.

Esqueceu alguma recomendação do profissional? Não prestou atenção suficiente em suas dicas para conservar o alinhamento? Como baixar o volume?

Desejava manter, todo o dia, o corte exatamente do jeito que deixou o salão.

Telefonou para o cabeleireiro.
 

* * *
 
Devo pentear para o lado esquerdo ou direito?

— Esquerdo.

Meia hora depois, voltou a interromper o cabeleireiro.

— Você usou qual escova?

— A Térmica Anti-Estática.

Uma hora depois, teimou novamente:

— Tenho que botar spray?

— Para não ficar com aparência de cabelo duro, sim.

— Qual?

— Recomendo Charming Gloss.

Na quarta ligação consecutiva, o cabeleireiro desabafou:

— Eu preciso trabalhar, querido. Não posso oferecer assistência técnica 24h.
 

* * *
 
A fragilidade súbita de Gabriel revela como o homem emburrece na paixão.

Ele se torna refém de uma mudança feliz, destrói os referenciais da rotina e experimenta período de insegurança máxima. Dependerá agora da aprovação de uma outra pessoa para seguir vivendo.
 

* * *
 

O apaixonado não fará mais nada sozinho. É uma criança adulta.

Vacila ao definir suas roupas, determinar o que gosta de comer, o que adora ouvir, o que prefere ler.

Tem medo de melindrar, decepcionar, estragar o início perfeito.

Tem receio de perder o encantamento que vem de sua companhia.

Pede opinião à sua namorada para qualquer assunto.

Não existe ninguém mais vulnerável. Mais influenciável. Mais patético. Mais sublime.

O apaixonado é o corte de cabelo perfeito. E irrepetível.
 

 




Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

4 comentários:

Silvia Angélica Palma disse...

Show...

Ela disse...

Você escreve MUITOOOOOOOOOOOOOOO!

Iris disse...

eu jamais poderia imaginar que a condição capilar do sujeito seria comparável a paixão, incontestável.

Anônimo disse...

Perfeito! Haja sensibilidade e criatividade pra escrever tão bem!
Bethânia Ferraz Baqueiro
Pernambucana e sua fã!