quarta-feira, 3 de abril de 2013

ALIENAÇÃO AMOROSA


Arte de Eduardo Nasi

Não aceite que um casal de apaixonados entre em seu restaurante.

Vete o ingresso. Permita apenas a reserva de quem tem mais de três meses de relação.

Coloque um anúncio no jornal. Crie uma campanha preventiva. Peça apoio do sindicato.

Um casal de apaixonados traz prejuízo para seu negócio. Arruína o delicado equilíbrio entre custo e benefício. Instala o pânico entre os manobristas.

Terá que pagar hora-extra aos funcionários, aguentar os resmungos do caixa, os desaforos do cozinheiro.

O casal apaixonado é o último a deixar o restaurante. Ele inclusive esquece que está num restaurante.

Entra no local lotado, com as mesas ocupadas e não repara que os vizinhos vão se despedindo e pedindo a conta.

A sensação dos dois é que experimentaram alguns instantes de conversa, mas ela já durou quatro horas.

O apaixonado demora um século para escolher a entrada, come a entrada e lembra do vinho, demora mais outro século para escolher o vinho, toma o vinho e lembra do prato principal, demora mais um outro século para escolher o prato principal, e mais séculos e séculos para sobremesa e café.

Com medo de desagradar, eles repassam generosamente a responsabilidade:

— Pode escolher.

— Não, pode escolher.

— Pode escolher.

— Não, escolhe você.

Não há como ter um orçamento participativo com apaixonados. Eles não decidem nada, apenas ficam rindo.

O lugar esvazia e o menu não evolui. É como um namoro entre Antonio Conselheiro e Jacobina Maurer, entre o transe e a alucinação.

O par será convidado indiretamente a sair, senão permaneceria no salão esperando o amanhecer. O crepúsculo é o único despertador do apaixonado.

O casal é anticomercial, é antiempresarial.

Mesmo com a pressão, as cadeiras subindo em cima da mesa, ele se beija e se dedica cochichos como se nada estivesse acontecendo de anormal.

A casa vira uma churrascaria, um rodízio de espetos invisíveis, com garçons aparecendo a cada cinco minutos e o duo nem se mexe.

Todo casal de apaixonados é alienado, destrambelhado e inoportuno.

E nem entendo o que ele faz em um restaurante. Casal de apaixonados não tem fome.





Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
 

4 comentários:

Bel Ayala disse...

Faz tempo que não apareço em um restaurante...e, apaixonada?? Nem se fala!! Mas, é isso mesmo: o relógio não trabalha.

Ileja_Emile_Chapolineo disse...

Adorei! Incrível mesmo! Lembrei de quando me apaixonei algum tempo,atrás e sempre íamos a diversos restaurantes era assim como o descrito éramos os últimos a sair e na maioria das vezes sequer tocávamos na refeição!

Anônimo disse...

ae

Anônimo disse...

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