terça-feira, 13 de agosto de 2013

ELE VEIO DE CARRUAGEM, ELA ESPERAVA UMA CARRETA DE BOIS

Arte de Gustave Dore

Príncipe conversa com seu confidente. Acabou de se separar da Cinderela. Abrem-se as cortinas.

– Por que vocês se separaram?

– Ela explicou que eu amava demais.

– Amor demais? Tá de sacanagem? Aprontou alguma?

– Não, amei demais.

– Ninguém se separa por amor demais.

– Sim, ela se separou de mim por este motivo.

– Traição, ciúme, ressentimento são as causas mais comuns.

– Não, havia química poderosa. A gente ria muito. Os amigos enxergavam nosso contentamento. Admiravam nossa felicidade.

– Ria?

– Sim, de gargalhar, de doer de gargalhar. Bebíamos de noite conversando bobagem.

– Não faz sentido. Explica?

– Era muita surpresa para uma rotina. Casal perfeito, sabe?

– Sem filosofia, ela alegou o quê?

– Que era muito amor para uma mulher só, que ela não era o que eu idealizava.

– Você falou isso?

– Não, pelo contrário, eu falei que ela era muito melhor do que eu idealizava.

– Toda mulher deseja alguém por perto, romântico, com olhos somente para ela, não?

– Ela não gostava. Chamava de carência. Insistia para me controlar, amarrar as mãos, amordaçar a boca, não ficar em cima, dar espaço.

– Não tem cabimento... Tá brincando?

– Tem, sim. Amor demais. Eu lavava a louça antes dela acordar, eu a levava para o trabalho, eu estava à disposição de seus chamados.

– Ela ainda reclamava?

– Sim. Amor demais. Reclamava que não aguentava tanta pressão, que não conseguia respirar.

– Pressão de quê?

– Do meu amor demais.

– O que você pensava da situação?

– Nada. Estava feliz amando demais. Escrevia cartas e bilhetes, fazia declarações públicas, mandava flores, banquei serenata na janela, coloquei outdoor.

– Nossa, que estranho!

– Não é estranho, ela reclamava do amor demais. Ela se separou pelo amor demais. É muita expectativa.

– Era um conto de fadas, deveria ser bom.

– Mas faltava a bruxa, a maçã envenenada, o lobo.

– Por que você amou demais?

– Eu descobri o infinito no primeiro dia, eu a pedi em namoro no segundo dia, eu ofereci casamento na primeira semana, abri a casa no primeiro mês. Enlouqueci partilhando minhas razões de viver.

– Tudo foi rápido?

– Amor demais. Eu dei um solitário e pretendia casar na igreja. Eu queria ter um filho, já tinha até escolhido o nome. Eu dava presentes fora de hora, levava para jantar, não deixava qualquer pedido em casa. Ela parecia contente até que um dia...

– Um dia?

– Disse para mim: chega de amor!





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 13/08/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 17521

28 comentários:

O Neto do Herculano disse...

Pode não parecer,
mas o amor em excesso
pode ser prejudicial à saúde.

Anônimo disse...

VC AMAVA DEMAIS.
ELA AMAVA DE MENOS.
BEM MENOS.
SIMPLES ASSIM.
Provavelmente ela amava o teu amor por ela, já que era tão fã do escritor... ela amava ser a musa do poeta..

Anônimo disse...

Tu não estás errado. Amor nunca é demais, não muda. Taaantas mulheres querendo um Homem como tu e ela, que teve, não valorizou. Te peço, não muda.

sil disse...

A gente nunca está satisfeito mesmo. Porém, já diz minha mãe, tudo que é em excesso não presta.

Anônimo disse...

O amor é sutil, convidativo. O teu amar demais é um excesso desnecessário. Como tu mesmo disseste, não precisamos dizer que somos transparentes. O mesmo para serve para amar.
Dá próxima vez, deixe espaço para o amor naturalmente. Sufoca mesmo, acredite.
Torço por ti.
bj

Anônimo disse...

Sensacional, já vivi algo semelhante, incrível como pôde ser exato.

Bela Campoi disse...

Achava que não era possível amar demais: vc me convenceu que é!

ana disse...

Entāo foi isso que aconteceu?
Às vezes dá para entender porquê os poetas têm várias mulheres ao mesmo tempo, assim eles podem dividir toda a intensidade de seu amor e ainda sobra um pouco para eles.
Esses normopatas incapazes de satisfazer os poetas com a mesma paixāo merecem um belo par de cornos.
Agora a única maneira de sair dessa é investir toda essa libido acumulada em você mesmo. A paixāo é uma doenca quando nao é correspondida, porque faz reviver as mais primitivas sensacoes de abandono e de desimportância, sensacoes que toda crianca sente em relacao aos pais, quando está elaborando o complexo de édipo. O que acontece quando é correspondida é que existe uma reelaboracao mútua desta perda e ninguém sofre. O objeto desta paixao nao é ela, mas as lembrancas reprimidas de sua infância .
Ponha o raciocínio para funcionar e veja o quanto você está idealizando alguém que para outro nâo significaria nada além de uma pessoa qualquer.

Anna Luiza disse...

Como pode tanto amor causar tanta melancolia? Foi isso que senti lendo seu texto... :'( Torço que toda essa melancolia amorosa se converta em felicidade, e que tudo se equilibre em seus relacionamentos, em sua alma, em seu coração. Abraços!

Clara Lúcia disse...

Olha, Fabrício, qdo algo é demais, cansa mesmo. E qdo algo é só de uma das partes, acaba!
Vai passar, com calma, tudo volta aos eixos.
Tem gente que não merece o nosso amor. Então, fazer o quê?

Beijos

Vih disse...

sabe a graça de amar demais? É sempre encontrar alguém que ame demais também. Agora pode parecer que não, e tem que parecer que não, senão, você não seria poeta. Mas vai ver só, ainda vai encontrar alguém assim, que ame tanto que parece amar por dois, igual a você (:
boa sorte com isso
beijos rimados pra você Carpi, sou sua fã

Anônimo disse...

A relação tem que ter o mesmo peso pra quem está nela. De nada adianta um fazer mto e o outro menos. Uma hora isso é cobrado. Ela achou q era mto, se assustou, se sentiu sufocada... Precisava talvez achar q de fato merecia todo esse amor, precisava de tempo pra ver q estava o recebendo por ter o conquistado. O q vem fácil, assusta. Normal tb o medo de não corresponder as expectativas, de ficar insegura e achar q não estava a altura. Agora ao apaixonado e crente do amor, essa seria a hora do esforço pra fazer valer, né?
Acredite, se não fosse assim, futuramente vc acharia q por parte dela era menos. Relacionamento tem sim q estar na balança e equilibrado, sem tender peso maior pra nenhum dos lados.
Todo esse amor dedicado, reverta a vc mesmo, se cuide e tudo ficará bem.

Anônimo disse...

Meu amigo, me desculpe a franqueza, mas tudo o que é demais enjoa. Tudo o que está muito disponível, muito fácil, perde o valor.
Por essas e outras que existe aquele clichê que diz que "mulher gosta é de cafajeste, não valoriza os homens bons".
Na verdade a mulher (assim como o homem também) gosta é de desafios. Se o cara fica sempre a serviço da mulher, ela perde o interesse. Não sobra um espaço pra sentir falta, pra sentir um pouquinho que seja de insegurança. A questão não é amor demais, é sufoco demais. No começo pode parecer bom, mas ninguém aguenta muito tempo.
Saudações!

Carol disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carol disse...

A minha intensidade sempre assustou meus namorados, que se constrangiam com as declarações inflamadas, bilhetes embaixo dos travesseiros, e visitas fora de hora. Mas sou eu que sempre termino, por não encontrar quem se permita ser amado. Eu sempre amei assim, de forma assumida e desmedida, e ninguém está pronto pra ser amado dessa maneira. Depois de um tempo do término, todos me procuraram novamente,dizendo que sentiam falta disso em suas novas namoradas, e guardam as cartas e presentes depois de anos.No fundo, somos auto-sabotadores, achamos que não merecemos e preferimos nos render a nossa própria pequenez a nos tornarmos grandes aos olhos de alguém.

Márcia disse...

Acho que o excesso pode fazer mal sim, mas não o excesso de amor. Amor nunca é demais.Amor é o que todo mundo espera receber nessa vida. Amor , muito amor,em excesso mesmo...nada de doses homeopáticas. Amor não tem "dosagem" não....Você amou maravilhosamente, ela que não te amava nada(me desculpe)...como se diz : A medida do amor é amar sem medida.Quem dera 10% das pessoas tivessem esse tanto de amor para dar....bjsssssss

Anônimo disse...

Eu te Admiro muito como escritor e como homem. Parabéns pelo teu trabalho

Bianca Araujo disse...

quem nunca viveu um amor assim.. as vezes a gente se afoga no tanto de amor que temos, que queremos demonstrar, doar... que não prestamos atenção no quanto aquela pessoa nos ama (se é que ama mesmo..)
na proxima vc estará mais atento, e um pouco partido tbm.. mas acontece com todos.

Anônimo disse...

Amor demais realmente cansa, sufoca. É preciso haver espaço para a saudade, para a falta.
Beijos, torço por vc!

Anônimo disse...

É isso aí, ninguém se espanta com quem ama de menos, com quem não ama, isso é o normal, é costume, é a regra. Mas quem ama demais precisa de tratamento seríssimo, é isso mesmo, almejam o amor, esperam o amor, mas se espantam e correm dele. Sei lá acho que só é doença se tem ameaça de morte, se tem violência, algo do tipo, afinal são esses os casos elencados no código penal como crimes. Mas o que descreveu não é amor demais, é o amor que os corajosos e seguros de si procuram, esperam, aceitam. Mais sorte da próxima vez, pra você, pra ela, e pra e pra todos, né?! Sei que deveria comentar que o texto está perfeito e falar de escolas, tipos, palavras, frases, mas é impossível não entrar apenas como terceiro no diálogo. Beijos

TURMA DO PATINS disse...

Pois é, as pessoas não amam mais, se esquecem de gostar, usam umas as outras pra conseguir o que querem e depois nos descartam como objetos. Esse , pra mim,é o mal do século. Eu sempre amei demais, nunca tive medo de demonstrar meu amor, não acho que alguém deva ter vergonha de se expressar. Mas, no mundo de hoje, como a maioria ama as coisas e usa as pessoas, nós, os românticos, estamos cada vez mais receosos...de nos machucar mais e mais.

Anônimo disse...

Deve ser agoniante acordar e dormir com um personagem. Sei que você não tem culpa. Mas você tem que buscar uma forma mais trivial de ser, sem tanta literatura. Você interpreta a sua literatura o tempo inteiro; até a aliança tinha uma frase sua. Ela não era mais a Juliana Duarte: tornou-se a Juliana de seus textos (e não soube reconhecer-se mais). Ela pode ter se apaixonado pelo Fabrício dos livros: mas passou a querer um Fabrício mais genuíno (e você não soube resgatá-lo). Para a próxima, vista o combo calça jeans e camisa hering para amar. beijos

Anônimo disse...

Uma vez, num auditório, vi você dizer para um cara que reclamava que escrevia livros e não conseguia ser publicado (ou lido): "escreva para si mesmo, é isso o que importa". Porque você não AMA para si mesmo e para a mulher que está com você e pára de encher a paciência dos demais com as suas lamúrias melequentas?

Unknown disse...

Lindo e triste como um fogo de artifício. Só me vêem frases feitas - "O Segredo protege a si próprio."
Porquê não protegeram o bastante o Amor de vocês?
Pois é...de novo: "cuide bem do seu Amor, seja quem for"

Adalgisa Nery disse...

Se possível, leia o post abaixo, lembrei-me de você:

http://www.debatesculturais.com.br/deixando-ir/

Lu disse...

É assim que nascem os cafajestes, os desapegados, depois de terem seu amor humilhado e desvalorizado. Mulheres assim criam monstros que se desencantam....

Anônimo disse...

Sou amada exatamente assim há quinze anos e feliz, muito feliz. Não consigo imaginar outra forma de amor. Num mundo onde as pessoas têm cada vez menos tempo, vivem estressadas e cansadas um amor como esse é raro...e maravilhoso. Uma pena ela não estar preparada.

Karla disse...

Para mim não é amor demais, é presença demais. O que faz este homem nos tempos entre o amor demais e o amor demais?