segunda-feira, 19 de maio de 2014

VISITE O BANHEIRO

Arte de Cundo Bermúdez

“Visite a cozinha” não é um convite que me atrai em restaurantes.

Visito direto o banheiro. O banheiro que revela se a cozinha é limpa. O capricho do banheiro desvenda a relação do dono com seu lugar.

O banheiro do Dometila, no Moinhos de Vento, por exemplo, é uma teteia. Na aparência, não tem nada demais: simples, bucólico, apresentando todos os artigos indispensáveis como toalhinha de renda, sabonete líquido e papel.

Só que o local não se restringe ao básico. Oferece produtos que não são obrigatórios. Inventa necessidades. Inventa ocasiões. Inventa vontades.

Lá encontrará absorvente, cremes, fio dental.

Lá encontrará carregador de celular.

Lá encontrará até chinelos e pantufas.

Não é um toalete, e sim um camarim.

Se você aparou mal a barba, pode corrigir no banheiro. Haverá gilete e espuma. Não duvido que mulheres despreparadas, pressentindo o calor de um encontro ao acaso, não tenham se depilado rapidamente no fundo do local.

Se procurar com calma, achará secador e chapinha.

São urgências surreais, que costumam acontecer. A realidade é também irreal.

Caso a unha lascou, localizará uma série de esmaltes à disposição no armarinho. Assim como acetona e algodão.

Quando se gasta com aquilo que não é necessário, todo cliente se enxerga como especial. Quando o negócio se transforma em casa, fazemos questão de levar nossos pratos sujos para o balcão.

Não nos sentimos explorados ou incomodados por colaborar.

Somos garçons, somos amigos, somos cúmplices. Nem reclamaremos do atraso da refeição. Torcemos pelo sucesso do cardápio como quem incentiva um filho.

O banheiro é o chacra do restaurante.

O cheiro, o cuidado, a manutenção denunciam o jeito como seremos tratados.

Entendo a avareza como irmã do Procon. Nada pior do que pisar num tapume molhado de caixas de papelão. É sempre melancólico. É sempre um último tango. É sempre uma despedida da noite.

O banheiro significa o cartão de visita de qualquer estabelecimento. Quando é organizado, transmite acolhimento de hóspede, de pousada, de família.

Influencia no sabor caseiro da comida. Influencia em nossa disposição de permanecer. Influencia em nossa memória olfativa.

Não nos enxergamos pressionados a pedir a conta, a sair, a encerrar a fome.

Parece que o tempo se alarga enquanto o mundo saborosamente se encolhe.

Dometila é o temperamento gentil de seu dono. É o Claiton. Seu carinho é imenso, é de dobrar o quarteirão, de dar a volta na Praça Maurício Cardoso.

Não estranhe se voltar para a casa nas noites de inverno com uma coberta nos ombros.


  

Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 18/5/2014 Edição N° 17800

Um comentário:

Franco disse...

Adorei o texto, Carpinejar!
Adoro a forma como você lida com as coisas que, ao olhos da massa, muitas vezes passam despercebidas. Você é um apreciador dos detalhes...