sexta-feira, 13 de março de 2015

O PODER DO SACRIFÍCIO

Arte de Eduardo Nasi

Sempre há os presentes que vêm com a culpa.

Um sacrifício para consertar as falhas.

Pela renúncia, reconhecemos se o outro está pesaroso ou não, se as desculpas são realmente sinceras.
Quem não oferece nada em troca não está disposto a se retratar e cometerá a reincidência.
Não é apenas lamentar o que aconteceu, mas corrigir com uma ação. Doar o mais nobre de si para reequilibrar a perda.

O aprendizado veio da infância.

Movido pela curiosidade insaciável, meu irmão Rodrigo desejou inspecionar o funcionamento do cuco. Aguardou o passarinho sair de sua casinha ao meio-dia para ver como ele estava colado.
Só que puxou forte a ave de madeira, a ponto de ficar com ela em sua mão e o trampolim retornou vazio para dentro do relógio.

Bateu uma mímica, desespero mudo, pura sucção das palavras. Ele me encarou com medo, perguntando em silêncio: — E agora?

Eu estiquei os olhos como se fosse uma boca gritando. Tampouco reconhecia uma saída. A peça era herança de nosso avô, já falecido, e desfrutava honras de altar.

Para agravar a situação, ele esfacelou o cuco. Quebrou a figura frágil das nossas badaladas. Não havia como simplesmente pôr de volta.

Precisávamos descobrir uma saída em doze horas, quando o cuco cumpriria seu expediente de canto.
Almoçamos constrangidos e nos reunimos no porão para definir o conserto.

Eu distrairia a mãe enquanto o Rodrigo carregaria a escada e acharia um modo de arrumar o estrago.
Como? Ele teve uma ideia, seria surpresa, me disse, estava disposto a me poupar do sofrimento, veria à meia-noite.

Na hora do cuco abrir a porta, veio um playmobil em seu lugar. O boneco bombeiro, de máscara e mangueira. O som dublado tornava sua posição ainda mais engraçada e patética.

Eu quase morri rindo. Não represei as cócegas e os coices do pulmão. Minha gargalhada despertou a mãe, que terminou descobrindo a malandragem.

Pegou o Rodrigo pelas orelhas e perdemos o contato com irmão durante semanas. Preso na solitária do beliche, sem mesada, proibido de conversar, comprar selos no mercado, passear e jogar futebol.
A mãe não aprofundou o entendimento. Não foi justa. Não estudou a natureza do erro.

Rodrigo escolheu seu melhor brinquedo, seu bonequinho favorito para substituir o cuco. Poderia pegar qualquer um menos importante. Mostrou-se desolado com a desobediência e buscou o que mais gostava no quarto.

É uma sutileza que faz a maior diferença. Dependendo do que se é alcançado e feito, prova-se a pureza do arrependimento.

Rodrigo merecia o perdão. Jamais contei com uma chance para interceder a seu favor.






Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
11/03/2015


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