quarta-feira, 27 de março de 2013

COMPETIÇÃO DE PECADOS


Arte de Eduardo Nasi

A mãe me telefona avisando que está leve e feliz, foi na missa confessar.

Lasquei, de bobo:

— E aí, qual a sentença?

— Três ave-marias — ela respondeu

— Tá brincando, mãe? Que penitência ridícula. Agora entendo a decadência da igreja: não consegue nem mais condenar.

— Para, não faço nada de errado.

— Mas você contou que era minha mãe ou se omitiu?

Ela desligou na minha fuça.

Completei a primeira comunhão e a crisma, e jamais compreendi como os padres calculavam nossos pecados.

Na hora de confessar, confiava que o padre consultava uma tabelinha de delitos. Um taxímetro da transgressão.

Na minha visão de menino, haveria uma rigorosa avaliação de erros e seus respectivos números e pesos. O Vaticano preparava uma escala oficial de dívidas morais e despachava para todas as sedes, com um carimbo da Santa Sé.

Consistiria em longa lista, de crime e castigo.

Masturbação: 10 ave-marias e dois pai-nossos.
Cusparada: 20 ave-marias e dois pai-nossos.
Tapa: 30 ave-marias e quatro pai-nossos.
Puxar cabelo de irmã: 35 ave-marias e quatro pai-nossos.
Soco: 40 ave-marias e quatro pai-nossos.

O padre teria uma calculadora e faria a soma das confissões. O julgamento seria objetivo como a tabuada.

Mas não era o que acontecia, e não é o que acontece.

É um dos grandes males da Igreja Católica.

A subjetividade do julgamento sempre gerou inveja e concorrência nos pecadores.

Ficava com ciúme de Anamara que contava os mesmos pecados do que eu e recebia penas brandas. Por quê?

Levantava algumas hipóteses. Primeiro, que não importava o que dissesse, o padre falava com a minha mãe antes e já incluía as molecagens secretas e silenciosas.

Ou que meu anjo-da-guarda denunciava minhas baixarias por debaixo de suas asas.

Devido à injustiça divina, Anamara se ajoelhava alguns minutos para cumprir seu ato de contrição e logo brincava com nossos amigos e eu permanecia por noventa minutos no banco de madeira narrando um clássico entre São Judas Tadeu e São João Batista.

Só podia ter a influência de um delator! Como explicar que meu pecado basicamente consistia em brigar com o irmão e ganhava a sentença de 120 ave-marias e 20 vinte pai-nossos?

Não roubava, não colava nas provas. Deus costumava exagerar comigo.

No mundo doido dos adultos, o problema não se mostrava diferente.

Pais iam de paróquia a paróquia caçar padres compreensivos. Lembro de ouvir conversa de minha tia com a manicure em salão de beleza, enquanto esperava a irmã:

— Vai lá na paróquia do São Geraldo, eu traí meu marido e tive que rezar somente vinte ave-marias…

— Não pode ser? De verdade? Vinte?

— Sim! Ele é muito mais moderno. É um jovem de cinquenta anos. Dá gosto de pecar!

Nos anos 70 e 80, enxergava uma migração de fiéis, que procuravam um porta-voz complacente e simpático em outro bairro.

Ninguém desejava diminuir seus pecados, apenas encontrar um ouvido mais generoso.

O que não é ilegal. A fé não tem regras claras.





Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
 

9 comentários:

Anônimo disse...

Ai meu Deus, perai que vou ali rezar 20 avemarias e ja volto.
Chris

Anônimo disse...

Ai ai
Com essas penitencias ninguem se emenda...rss

biologia na informatica disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bel Ayala disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bel Ayala disse...

Pecado por pecado. Melhor cometê-los...do que se arrepender do que não se fez.

Unknown disse...

Santo Deus! Que ridículo essas penitências. Só me confessei umas 8 vezes na vida depois da primeira comunhão. Depois comecei a achar ridículo essa coisa de zerar os pecados a partir da confissão e depois poder cometê-los novamente. Nenhuma palavra de como eu deveria agir, nenhum conselho pra vida. Eu era uma garota tímida e comportada que nem brigar com os irmãos, brigava. Meus pecados se resumiam a ficar chateada, a ter preguiça de fazer algo e só... rsrsrs Nunca mais me confessei e até brinco comalguns padres meus amigos, que nada fará com que eu conte minhas mancadas a eles. rsrs

Curitiba dos meus olhos disse...

Concorrências por pecados, a melhor maneira de atrair dinheiro. Quanto mais fieis mais dinheiro. E viva todos os os pecadores.

Unknown disse...

vi num filme que não lembro o nome agora uma frase que um padre disse.

"- Meu filho, você não quer perdão, você quer consentimento, e isso eu não posso dar"

As pessoas que vão ao confessionário na intenção de ouvidos mais brandos deveria procurar um amigo, o fato de ir a Igreja se confessar já deveria ser um ato de arrependimento!

Mas a crônica é verdadeiramente um tapa na cara de muitos que se dizem "católicos" rs; PARABÉNS Carpinejar!

Unknown disse...

Só para esclarecimento dos comentários acima, a confissão é para quem se arrepende e com esse ato procura não mais cometer os mesmos pecados! Como um amigo que trai a sua confiança, te pede perdão e volta a trair a sua confiança, logo se sabe que não foi um arrependimento verdadeiro, mas isso é um Sacramento da Igreja Católica, alguns vivem e outros não, se vocês conhecem alguém que é católico e confessa, depois comete os mesmos pecados e não busca se reter, fugir de cometer tais pecados, está apenas brincando com um sacramento muito importante da Igreja.