Eu recebi um presente de aniversário que ninguém entendeu o que significava: um carrinho todo queimado, sem rodas, sem portas. A carcaça de um carrinho de criança. A lataria de um carrinho de criança.
Se houvesse um ferro-velho infantil, morreria abandonado num canto.
Minha mulher, meus filhos, minha mãe olhavam com desprezo o miniveículo carbonizado.
Quem teria feito esta brincadeira de mau-gosto? Só podia ser deboche...
Logo que ganhei o carrinho, engoli o choro. Tossi o choro. Ninguém entendia mesmo o que estava acontecendo.
Era meu carrinho da infância dado pelo irmão Rodrigo.
Era um carrinho amarelo que fazíamos experiências quando pequenos. A gente queimava, jogava do alto do prédio, atropelava com nossas bicicletas, para ver se ele resistia. Para ver se ele continuava vivo. Para ver se ele conseguia superar as adversidades e o peso do tempo.
Mas sabe por que eu me emocionei?
Num gesto simbólico, num pedaço retorcido de ferro, meu irmão Rodrigo me alcançou de volta a minha infância.
E me mostrou que nossa amizade também resiste a tudo.
Ouça meu comentário na manhã de sexta-feira (24/10) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Jocimar Farina:
2 comentários:
Belíssimo texto! Tocante!
Irmãos são como pais e filhos da nossa idade, que envelhecem com a gente e validam nossa existência. Irmãos são cúmplices da nossa própria memória, que por vezes esquecemos. São testemunhas de que um dia fomos só alegrias e sonhos. São fragmentos inesquecíveis de vida, que vivem do lado de fora da gente.
Lindo, Fabrício! Lindo!
Helder Conde
helderconde.blogspot.com
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