Arte de Gustav Klimt
Quando nossa mulher está mais linda, não podemos nem chegar perto.
É ela se arrumar para uma festa, absolutamente desconcertante e sensual, que não podemos tocá-la.
É uma contradição: no instante em que ela se produz, perdemos a chance de namorá-la.
O romance é suspenso, estaremos apartados de sua beleza por algumas horas, afastados do templo, expulsos de qualquer chamego.
Uma parede de vidro desce entre o casal. Um biombo baixa entre os corpos.
Podemos enxergá-la, admirar de longe, elogiar e bater palmas, não nos aproximar.
É um divórcio simbólico, sentimental, justamente quando está maravilhosa, nos enchendo de orgulho por sermos os escolhidos de sua vida.
Trata-se de uma Cinderela para os olhos, não para as mãos. Um pavão com alma de porco-espinho, armada para se defender da gente.
Não podemos beijá-la na boca senão vamos borrar o batom.
Não podemos roçar os lábios nas bochechas senão vamos corromper a maquiagem e sujar a roupa.
Não podemos cheirar o pescoço senão levaremos todo o seu perfume.
Não podemos abraçá-la senão vamos abarrotar seu vestido.
Não podemos acariciar seus cabelos senão vamos estragar o penteado.
Não podemos alisar as coxas senão vamos desfiar as meias.
Não podemos andar naturalmente de mãos dadas já que estará de salto. E precisamos cuidar de suas unhas para não fazer nenhum movimento brusco e lascar as pontas.
Viramos amigos no momento de sair para um evento. Repentinamente amigos.
Éramos maridos um pouco antes, sem nenhum receio de envolvimento e tato, e agora os caminhos são inacessíveis.
Estamos impressionados, excitados, seduzidos, loucos para nos agarrar como na primeira vez, girar a chave da boca pelo segredo do coração, mas não existe como, temos que nos controlar e nos prevenir de silêncios, ela demorou o dia inteiro para se vestir e se esmerar, não há como jogar fora a produção e a longa vizinhança do espelho.
Somos cúmplices da beleza. E também vítimas da beleza.
As mulheres não compreendem por que os homens buscam sair da festa mais cedo, o quanto ficam emburrados, embirrados, de canto, mudos e paspalhos, o quanto são estraga-prazeres no melhor dos brindes e das músicas.
Não é ciúme, mas saudade. Não é inveja, mas nostalgia. É o desejo mais banal de ter sua esposa de volta.
Respeito os sentimentos masculinos. Só que, no fim das contas, agimos de modo egoísta e machista. Temos a mulher todo o tempo conosco, e não percebemos que, naquela noite, ela se arrumou para si, para brilhar sozinha, é um momento dela e para ela. Não atrapalhe com sua ansiedade.
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.28
Porto Alegre (RS), 15/03 /2015 Edição N°18102
Um comentário:
Muito bom!
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