terça-feira, 12 de janeiro de 2016

#MUITOAMOR



Os cachorros não são como filhos, por mais que as pessoas repitam essa máxima.

Repreendemos os filhos diante de qualquer desordem. Filhos são o nosso sangue e têm uma ligação direta com as nossas emoções à flor da pele. Não temos uma paciência ensaiada, uma moderação construída. É a intuição agindo, fervilhando de pressentimentos. Somos severos quando correm perigo e renovam os nossos medos.

Amamos mais os filhos quando atendem às nossas expectativas – pois estão nos ouvindo. Amamos mais os cachorros quando eles fazem o contrário do que pedimos – exaltamos a vida própria deles.

Filho comportado e cachorro desrespeitoso são estranhamente sinônimos de orgulho.

O filho é educação, o cachorro é transgressão afetuosa.

O filho é o nosso exemplo, o cachorro é a nossa oposição divertida.

Com os filhos, somos capitalistas e materialistas. Com os cachorros, somos comunistas e desapegados.

Vejo donos postando fotos no Facebook de seu cachorro arruinando o sofá. As almofadas mordidas, estraçalhadas, pano convertido em cordas. Só que eles não ficam brabos, pelo contrário, parecem orgulhosos e colocam a hashtag MUITOAMOR. Se a devastação tivesse sido praticada por um filho, não seria tolerada, muito menos enquadrada como um gesto fofo. Ele terminaria chorando de castigo.

Vejo donos publicando imagens no Instagram de seus sapatos de mais de R$ 300 transformados em pantufas pelos seus cachorros, sempre com a hashtag MUITOAMOR. Sugerem felicidade e entendimento. Demonstram um descompromisso com o par caro arrebentado pelo seu animal de estimação. Se o ato fosse de autoria do filho, não teria o mesmo destino generoso, nem a cena seria alardeada na internet com juras de paixão.

Eu também testemunhei donos postando fotos de seu cachorro mijando na cama, roendo o pé das mesas, arranhando portas fechadas, rasgando o estofado do carro, comendo flores, sequências de filme de terror doméstico exaltadas como uma lição de muito envolvimento. Quando destrói, o cachorro está brincando, sob o pretexto de não conseguir controlar a sua força e medir a sua vontade. Quando destrói, o filho está implicando e provocando, sabe o que faz e apresenta sérios problemas psicológicos.

Não me fale, então, que os cachorros são como filhos. Não tem nenhuma conexão.

Os cachorros são como os netos, assistimos ao seu crescimento com admiração, sem neurose, com a ternura desobrigada.

Perdoamos os seus erros como fazem os avós, que não sofrem diretamente com as suas atitudes.

Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 4, 12/01/2015
Porto Alegre (RS), Edição N°18412

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