domingo, 24 de janeiro de 2016
QUANDO A ALEGRIA CHORA
Faz tempo que não choro de alegria.
Aquele choro que é melhor do que uma risada, que é uma gargalhada com lágrimas, que mistura o passado com o presente.
Não o choro da tristeza, não o choro envergonhado, não o choro sozinho trancado no quarto, não o choro disfarçado do chuveiro, não o choro de um filme ou de um livro, não o choro induzido por uma cena ou uma frase, não o choro da saudade ou da promessa, não o choro emprestado, não o choro agudo e vertical do luto, não o choro do sofrimento da separação ou da doença - estes choros são comuns.
Mas o choro da surpresa, da gratidão, do reconhecimento. O choro que não escondemos o rosto com as mãos. O choro em que os braços ficam descansados, só o peito geme. O choro em que a água não escorre pelas faces, e sim jorra das pálpebras - a lágrima começa a voar. O choro em que inchamos as bochechas tal criança que roubou brigadeiro antes do parabéns e colocou inteiro na boca.
O choro em que somos elogiados. O choro em que somos vingados de ternura. O choro em que somos finalmente vistos e destacados. O choro acompanhado, público, com direito a abraço e desconcerto da companhia, que não saberá o que falar diante da comoção.
Faz tempo que não choro assim: com soluços inacreditáveis e os olhos avermelhados de crepúsculo.
Choro da Nona Sinfonia de Beethoven, da cegueira enxergando.
Choro absurdo de felicidade, quando alguém arma uma homenagem imprevisível, quando recebe uma gentileza após suportar um longo tempo de indiferença, quando ganha um presente que não acreditava, quando vem uma notícia que muda a sua vida para o bem, quando diz sim para o casamento, quando sela as pazes com um amigo brigado, quando seu filho passa no vestibular ou lança o canudo para cima, quando abre uma carta e reconhece a letra, quando supera um desafio difícil, quando escuta uma declaração que esperava ardentemente em segredo.
Como desejava chorar de alegria outra vez, quando descubro que eu me amo e vejo também que sou amado.
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p. 28
Porto Alegre (RS), 24/1/2016 Edição N°18426
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