domingo, 3 de abril de 2016

AGRADÁVEL INSATISFAÇÃO



Quando a namorada escolhe a sua roupa para sair, a minha opinião somente vale para criar dúvidas. Se confesso que adorei, não significa que manterá a combinação. Cinco minutos depois estará com outro traje pedindo a minha opinião de novo. Ou seja, aquele vestido que elogiei já não existe mais, morreu de inédito.

A impressão é que não faz sentido o meu palpite, mas tem uma função eliminatória. Ela é capaz de recusar uma roupa que não gostei, porém não seguirá cegamente o que gostei. Porque precisa gostar mais do que eu. E uma mulher só gosta comparando.

Esqueça o sonho de que ela pegará um figurino no armário e deu, que será rápida e prática. Seu costume é realizar um leilão do seu guarda-roupa. Sempre derrubará os cabides sem medo da bagunça, com a intenção de intercambiar tecidos. É uma pintora diante da tela imensa do espelho, produzindo cores inéditas na paleta. Não esmorecerá até
definir a opção certa para o clima e para a ocasião. Não deseja apenas estar bonita, porém ser também oportuna. Odeia a hipótese de chegar num lugar com jeito de fantasiada.

Escolher depende do cruzamento das peças com os acessórios. O costume é aprovar o vestido e não achar um sapato à altura, optar por uma calça e uma camisa e cismar com o cinto. Uma simples hesitação põe o trabalho de horas abaixo.

A importância do encontro pode ser mensurada pelo número de roupas que testou. Mais de cinco é sinal de que leva a sério o passeio.

Não reclamo quando a minha namorada troca de roupa seguidamente. Não reclamo da demora e do atraso. É a minha chance de vê-la nua várias vezes. É a minha chance de vê-la se despindo para mim várias vezes.

Publicado no jornal Zero Hora
Caderno Donna p. 38
Porto Alegre, 2 e 3 abril de 2016.

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