terça-feira, 5 de abril de 2016

FINAL DE SEMANA PERFEITO



Meu filho nunca pisou numa locadora de filmes. Ele baixa todas as séries e jogos em seu computador ou acompanha as obras de sua preferência nos canais de assinatura da web.

Já eu vivi o império das locadoras. Meu sonho por ordem era abrir uma locadora, uma livraria e um café. E, com certeza, não era só meu, antes da revolução de Steve Jobs.

O cinema em casa fez a cabeça de toda uma geração, que alugava fitas, experimentando uma extensão do empréstimo dos livros da biblioteca na escola.

Lembro da alegria ansiosa de sair do trabalho na sexta para buscar os lançamentos e garimpar clássicos. Horas a fio revistando as prateleiras, com pilhas de capas nas mãos e a séria dificuldade de escolher o que realmente desfrutava de tempo para ver.

Não controlava a gula. Havia uma fórmula secreta no desperdício. Quando eu locava cinco filmes, assistia a três. Quando locava quatro filmes, assistia a dois. Quando locava três filmes, assistia a um. Quando locava dois, não assistia a nenhum. Jamais locava um, pois era impossível ceder às promoções para permanecer uma semana dependendo do número de locações. Tenho dúvidas do que vi, a sensação é de que conclui um filme, mas na verdade apenas o retirei.

Apesar do prazo dilatado, atravessava uma maldição. Não conseguia entregar no dia. Acho que paguei mais em multa do que em aluguel. Eu não registrava a data da devolução e entrava em pânico quando reconhecia os títulos esquecidos em cima do aparelho de VHS.

As locadoras foram um termômetro da felicidade. A saudade de pegar uma montanha de filmes com amigos e virar a madrugada comendo pizza e emendando roteiros e dramas até o amanhecer. Ou, quando me apaixonava, curtir o sábado e domingo com a namorada na cama, só apertando o play e o pause. Se eu retirasse oito filmes, certamente me encontrava amando, disposto a sumir no quarto e esquecer o mundo.

O deslocamento físico e o manuseio balbuciante dos estojos intensificavam o prazer. Definir pela sinopse malredigida o que valeria a pena e ganhar a discussão com a mulher sobre qual título levar formavam um ritual de final de semana perfeito que não existe como antes.

Lamento a ausência galopante das locadoras em nossos hábitos. Não cumpri as minhas fantasias. Faltou coragem de entrar na salinha de filmes pornôs, um espaço à parte, carregado de preconceito e com câmeras nos cantos. Hoje estaria preparado, sem nenhuma vergonha da minha sexualidade. Pena que é tarde demais.

Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 4
05/04/2016, Edição 18491

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