Texto: Fabrício Carpinejar
Arte: Eduardo Nasi
Abandonei a infância quando ganhei a minha primeira calça jeans. Era uma nova forma de enxergar o corpo – juro que a impressão é que me devolveram a pele. Modelava as pernas, fazia volume, não ficava exposto e nu como no abrigo.
O abrigo era uma violência emocional. Um detector de desejos.
Pois bastava ficar levemente excitado que precisava disfarçar o erotismo com pensamentos tristes. Todos poderiam descobrir as minhas vontades e lampejos. A transparência incomodava, a vulnerabilidade atrapalhava, afora as manchas seguidas dos lanches e a impossível coerência com a cor do tênis.
Para mim, o abrigo lembrava apenas um pijama de sol. Ou um avental gigante. Não dava para combinar com nada. Vinha pronto, dependendo da sobrevida do elástico. Não havia o cinto para confirmar a masculinidade e desenvolver o crescimento da cintura pelo número de furos.
Vestia um saco para acordar, assim como o pijama representava um saco para dormir. Quase como uma mochila de pano, com a diferença de que ela me carregava.
A facilidade de tirar me atordoava, ainda mais sendo tímido. Não inspirava confiança. Qualquer trapaceiro na escola desfrutava da artimanha de baixar a minha calça de surpresa para me mostrar de cueca à turma.
A rotina tampouco não provocava reviravoltas no dia. Não restava a chance de me fantasiar de outro e melhorar o humor trocando de figurino.
Usava uniforme escolar de manhã e depois, de tarde, aqueles abrigos monocromáticos: verde, vermelho, azul. Vivia sob a ditadura do conjuntinho básico.
O jeans criou o meu guarda-roupa, as possibilidades, as misturas, a indecisão do que colocar, o olhar mais demorado no espelho, o enamoramento do tempo. Quando troquei as gavetas pelos cabides, quando desafiei o certo pelo duvidoso.
O jeans desencadeou a vontade de comprar as próprias roupas, despertou a ambição de ter uma personalidade e assumir uma tribo, de me diferenciar dos meus pais e me assemelhar aos amigos nas festas. O jeans foi a minha identidade, para me perder de mim definitivamente.
Publicado no site Vida Breve
Coluna Semanal
08.06.2016
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