Não existe mais a nostalgia da capital como antes. Com a web e globalização, as cidades do interior não ficam atrás em serviços.
Mas houve um tempo em que Porto Alegre era longe demais, grande demais, cara demais, inacessível para os nossos colonos e peões. Filhos vinham da fronteira e colônias estudar na capital e mandavam cartas para os seus pais contando das modernidades como escada rolante e elevador panorâmico. Os velhos reagiam com incredulidade diante dos avanços tecnológico, pediam explicações do funcionamento para depois jurar que nunca pisariam nestas geringonças.
O engraçado era o vaivém familiar. Quando os pais decidiam fiscalizar onde o filho morava e como vivia e avisavam de supetão que compraram passagens de ônibus e que chegariam sábado. Criava-se um pânico, evidentemente que o jovem exagerava o seu bem-estar. Precisava maquiar a realidade imediatamente. Morava numa pensão no centro com outros dois colegas maconheiros, com visitas frequentes da namorada tatuada, num cortiço caindo aos pedaços e sem estrutura nenhuma. O papel higiênico acabava sendo questão de sorte no banheiro coletivo. Não parecia com a "casa de família ordeira e de horários rígidos" descrita na correspondência. Tinha que aproveitar algumas horas da véspera das aulas da universidade para impor uma faxina, esconder os cigarros e os cascos de cerveja.
Que medo da incerta dos pais. Se não agradasse a família, corria o risco de perder a mesada e ser obrigado a trabalhar na lavoura. Expiraria o sonho de estudar e de levar o final de semana na completa gandaia.
A visita significava uma punição pela ausência de viagens à terra natal. Filho que demorava mais de três meses para aparecer levava o tranco da vistoria. O melhor sempre consistia em se prevenir e surgir na residência interiorana antes do pior. Assinar a lista de chamada no café da manhã uma vez por mês.
Constrangedor ficava sendo abrir a mochila no ônibus, de volta à capital, para ver o que estava fedendo e descobrir salame, queijo, goiabada, geleia e pão embrulhados em papel jornal. Uma verdadeira cesta colonial que os pais traficavam nos pertences dos filhos para que ele jamais passasse fome.
A vergonha é uma espécie estranha de saudade.
Coluna semanal no Jornal Zero Hora
Publicado no dia 14.06.2016
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