terça-feira, 12 de julho de 2016

AUTOESCOLA PARA CONDUTORES DE GUARDA-CHUVA

Porto Alegre é maravilhosa, pena que foi construída embaixo de uma goteira.

Mas o problema não é a chuva frequente, é a nossa falta de profissionalismo diante da chuva. Deveria existir uma autoescola para quem dirige guarda-chuva, com o mínimo de 25 horas de aula prática. Deveria ser criada uma nova categoria na carteira de habilitação. Deveria existir um código de trânsito para se deslocar nas marquises, com preferência para os transeuntes de capa. Deveria existir uma tropa de azuizinhos fiscalizando as barbeiragens dos usuários, os esguichos de poças e o estacionamento em locais proibidos, em especial na saída aglomerada de lojas e de farmácias. A arrecadação de multas superaria a antecipação do IPTU.

As pessoas não sabem conduzir um guarda-chuva. As manobras são altamente perigosas. Conheço gente que nunca fez baliza para fechar um, nem sequer recua antes de recolher o seu objeto e acaba agredindo o rosto de vários pedestres desavisados.

Caminhar na chuva é um excelente psicotécnico. Pressupõe raro equilíbrio entre o dentro e o fora, o motorista necessita manter a cabeça ereta para apanhar o horizonte sem jamais deixar de reparar onde está pisando.

O guarda-chuva não é uma invenção filantrópica. Não poderia ser vendido indiscriminadamente. É uma bengala com ponta de lança. Uma vareta solta torna-se faca apontada da baioneta. Não é por menos que é arma de vilões como o Pinguim de Batman, não é à toa que foi proibido o seu ingresso em partidas de futebol.

Guarda-chuva requer manejos talentosos. Reivindica estudo e treino. Nas mãos erradas, há o sério risco de nocautear velhinhos, pisar em cachorros, subir em mendigos ou arrastar crianças.

Se não é brincadeira fora daqui, no Sul ainda é pior. As chuvas nos trópicos não são monótonas a exemplo da Europa. Não respeitam nem o estilo das estações. Mudam conforme o choque inesperado das frentes frias com as quentes.

Sair de casa significa enfrentar um inimigo qualificado. Não é possível segurar o cabo do mesmo jeito e com idêntica força.

Tem a chuva canivete, que exige uma leve inclinação de viseira. Tem a chuva ventania, em que a água parece vir de baixo, a única defesa é dançar frevo. Tem a garoa, invisível, na qual você dá carona para alguém, não vê a chuva vindo e a pessoa ao lado — coitada — fica toda molhada. Tem a tempestade, em que o guarda-chuva vira na esquina e sobe como um balão. Tem o dilúvio, que sindicaliza as bocas de lobo e mobiliza os esgotos e nos surpreende com uma correnteza de frente. Tem a chuva de pedra, em que o céu devolve todos os gelos que você deixou de repor nas formas da geladeira nos últimos 10 anos.

Durante o toró porto-alegrense, cuide ao atravessar a rua e cuide muito mais para não ser atropelado na calçada.

Publicado em Zero Hora
Coluna Semanal
12.07.2016

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