Texto Fabrício Carpinejar
Foto Gilberto Perin
Só pode saber que está morrendo quem tem um filho.
O filho é a régua da existência. Ele mede o meu fim. Mede o tamanho de minhas realizações. Mede o meu salário. Mede a minha folga. Mede a minha dispersão. Mede a minha loucura e a minha sanidade. Mede a minha vontade de acordar. Mede a minha felicidade. Mede a minha paciência com imprevistos.
Podemos até nos enganar sozinhos, só que não tem como disfarçar a fundura do cotidiano diante dos filhos.
O filho é a nossa largura, a nossa dimensão, é quando o mundo nos abraça e também nos esmaga.
O desemprego dói mais sendo pai. Um desaforo dói mais sendo pai. A risada é mais estridente sendo pai. Um elogio é mais desconcertante sendo pai.
Eu me acostumei a me encarar no espelho e desprezo as rugas, os pés-de-galinha, as olheiras. Não acompanho a minha idade - é como se mantivesse a vitalidade de um jovem por dentro do raciocínio.
O filho me devolve o meu tempo, o tempo findo e vindo da aparência.
Ele quebra as superfícies espelhadas e a fixação dos hábitos.
Não há mais como mentir a minha idade quando observo que ele me ultrapassou na altura, que usa calça 42, que o tênis abandonou o 37, que os meses são anos para o adolescente, que não compreende as minas gírias, que as minhas piadas não têm graça, que ele já é adulto e adquiriu uma melancolia no olhar, própria de quem já se frustrou alguma vez comigo.
Pelo filho, descubro que envelheço. Mas, por ele, não quero morrer.
Publicado no Jornal O Globo (blog)
22.07.2016
Coluna Semanal
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