terça-feira, 8 de novembro de 2016

CIRANDA DA INTUIÇÃO



Texto Fabrício Carpinejar
Arte Eduardo Nasi

Você nunca divide a realidade com quem você ama. É assustador. Existe um descompasso entre o que lembra e o que imagina, ainda mais quando aquilo que lembra é fruto daquilo que imagina.

Você não enxerga o que a sua mulher enxerga – tem uma equivocada distorção. É a mesma vida em distinta versão. Você apenas crê que partilham iguais emoções, mas de modo nenhum: fotografam os dias com diferentes cores. Cada um tem os seus filtros de Instagram nos olhos, apesar de dividir os enquadramentos.

Quando você está bem humorado, ela pensa que você está agressivo. Quando ela está séria e concentrada, você pensa que ela está triste. Quando você está emocionado, ela pensa que você está ressentido. Quando ela está alegre, você pensa que ela está insensível.

Em vez de perguntar (“O que vem sentindo?”), já reage diante de uma mera impressão. A hipótese serve como resposta definitiva. Não há trabalho de campo. E adivinhar é se enganar, é concluir com a nossa limitada base de dados, é determinar algo que sentimos como algo que vimos.

A telepatia reforça o distanciamento e o completo alheamento das experiências. Como você jura que conhece melhor o outro que o próprio outro, deixa de se interessar e fala em seu lugar. A profecia vai matando lentamente a curiosidade.

O casamento começa a ter dois porta-vozes de duas ausências.

Ninguém larga a mão na ciranda da intuição. O sentimento manda nos acontecimentos corriqueiros. O casal segue o calendário como se vivenciasse um patrimônio comum – este é o erro -, só que ambos carregam a sua particular herança dos fatos.

A imaginação separa o que a memória une.

Publicado no Portal Vida Breve
Coluna Semanal
08.11.2016

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