Arte de Eduardo Nasi
Sou do tempo da professora-planetário.
Tudo o que a criança fizesse absolutamente certo na escola recebia estrelinhas.
Ditado resultava em estrelinhas, temas com caligrafia caprichada arrebatavam estrelinhas, provas impecáveis conquistavam estrelinhas.
Muitos choravam com MB (Muito Bom), apesar dos 85% dos acertos, pois ficavam desprovidos da honraria. Pediam revisão para alcançar o céu das notas.
Não sei como a professora fazia, ela recortava a figura de algum lugar e colava em nossas páginas. Mantinha um arsenal infindável em caixinha de costura em cima da mesa, ao lado do apagador e do giz.
A manhã virava noite na Escola Imperatriz Leopoldina. Um observatório lunar.
A estrelinha inflamava a cobiça nos corredores. Representava o nosso adesivo, o nosso álbum, o nosso concurso de inteligência. Colegas disputavam a medalha no peito do caderno e ostentavam a vitória no recreio.
Nunca obtive nenhuma. Só vi nos outros. Só invejei sua existência de cinco pontas nas classes vizinhas.
No ensino fundamental, jamais atingi o posto de general. Fiquei como um soldado raso, passando no sufoco, de recuperação, e com letra feia.
Meu desempenho no máximo ganhava o alívio da caneta azul e escapava das aflições da caneta vermelha.
Levei o recalque para a vida adulta.
Ao cumprimentar meus filhos por uma boa ação, digo: — Parabéns com estrelinhas!
Eles não entendem. Eu sigo procurando cintilações na rotina escura.
Quando realizo qualquer atividade doméstica, o que mais queria era apresentar um caderno para a esposa e merecer o símbolo dourado.
Lavo louça, passo roupa, faxino a casa, aguardando secretamente a recompensa, ansioso pela esfera mirim descendo em minha folha pautada.
O que não aconteceu sempre se repete em mim. É uma nostalgia incurável. O que não vivemos não cansa de voltar.
Repriso minha infância momento a momento, procurando ver como seria o dia em que seria brindado com o galhardão máximo.
Umedeço o sorriso mais do que os olhos imaginando. Imaginando o que não virá.
Numa tarde de domingo, ao passear pelo Brique da Redenção em Porto Alegre (RS), imensa feira de artesanato que toma o Parque Farroupilha, encontrei uma pilha de revistas antigas Amiga TV Tudo.
Baqueou minha respiração: asma fulminante. Não guardo nenhuma tara por telenovelas e causos de celebridades.
É que a estrela do logotipo da publicação era exatamente a estrela que a tia colocava na correção.
Comprei quinze revistas para me redimir do trauma.
Atravessei tardes daquela semana recortando, acumulando brilho, montando minha constelação particular no escritório.
O que não entrava em minha cabeça foi o fato de que minha professora amava fofoca de televisão. Até a perfeição tinha seus defeitos.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
26/11/2014
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