Arte de Gabriele Münter
O que tenho de amigas, entre 20 a 35 anos, que estão desesperadas para ter um filho.
Dizem que a principal aspiração é engravidar. Contam que incham os seios ao imaginar o berço perto da cama. Não passam impunes diante de um carrinho ou de uma barriga de gestante na rua. Mas nenhuma delas mais acredita no amor. Não apostam na convivência. Se pintar um namoro é lucro, mas todo o investimento e o esforço jogam para a maternidade.
Julgam o filho indispensável. Por sua vez, o marido é tratado como secundário e, infelizmente, irrelevante. Elas não pretendem sofrer com as desventuras, as separações, a rotina em comum. Buscam atalhar, cortar caminho e ir direto ao ponto. Partem da certeza de que não dependem de nada (nem namorado, nem emprego, muito menos estabilidade). Podem recorrer à inseminação ou a um caso em que assumirão os riscos.
O que considero uma grande pena e um monumental capricho. E incluo neste processo também a adoção, que pede o equilíbrio da gangorra.
Não podemos subestimar a paternidade. Não podemos menosprezar a educação que vem do amor.
Antes de encontrar um pai para ter um bebê, deve-se amar uma companhia que se tornará pai por merecimento. E definir um pai é mais do que preencher uma linha da certidão de nascimento, é garantir o sentido da vinda ao mundo para a criança.
O filho é o resultado da intimidade, a consagração da confiança do casal, não uma solução para todas as carências de uma mulher.
Se não suporta as carências de uma relação, como tolerar as demandas infinitas de um filho? A convivência do casal é a preparação para a convivência com um filho.
Querer ter um filho somente para si não é prova de independência, e sim um apelo infantil para apressar a maturidade. Ninguém é onipotente e autossuficiente para dar conta – absolutamente sozinho – do desafio da criação.
É lindo sonhar com o enxoval, o chá de fraldas, a mão no ventre, os primeiros dos primeiros movimentos. Só que o filho precisa ser visto, desde o início, como um futuro adolescente, um futuro adulto, um futuro de conflito e oposição.
Filho não é maleável, um ser vazio para transferir arquivos. Já vem com temperamento: seu grito no nascimento é personalidade, seu riso é personalidade. E parte da personalidade do pai estará sempre ali, estando próximo ou não.
Não se tem um filho, aceita-se um filho. Requer uma responsabilidade ininterrupta, sem um dia de folga. Atirar-se para a maternidade ansiosa e inconsequentemente é um erro que gera outros erros. E não adianta esperar que a terapia resolverá tudo, a função da terapia é resolver durante os problemas.
A figura paterna representa um sadio contraponto, uma distinta possibilidade de admiração e de influência, que aumenta as chances de escolha do rebento.
Nem estou falando em “ajudar a cuidar”, expressão usada preconceituosamente para a paternidade. No casamento, homem não é coadjuvante da casa, foi um dia, mas não é mais. Tem solidão suficiente e dedicação ao lar para superar a imagem de simples apoio. Homem não é pai para acordar de madrugada ou trocar as fraldas. Não deve ser restringido à troca de turno. É importante para orientar, aconselhar, proteger, inspirar, planejar, fazer junto.
Assim como o pai é fundamental para a mãe não sufocar de amor sua criança. Retira aquela exclusividade doentia, aquela adoração desmedida, aquele monopólio da atenção. Pois a criança quando sozinha e afastada de um pai acaba substituindo as diversas necessidades psicológicas e projeções da mulher. Recebe o fardo de ser o único da vida de sua mãe. Não apenas o filho único, o único mesmo! Um rei condenado a assumir o trono ainda pequeno, antes mesmo de descobrir quem é.
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 14/12 /2014 Edição N°18013
3 comentários:
Que texto bacana..... Vou divulgar....
Fabrício, e os casais de lésbicas ?
Muito bom artigo.
Postar um comentário