terça-feira, 10 de novembro de 2015

PIPOCA SALTANDO DE MEUS OLHOS



Eu vi uma mãe chorando numa apresentação de escola em Porto Alegre. Cheguei lá para fazer uma palestra. Sua filha estava vestida de milho, mais precisamente de pipoca. Era engraçado ver o esforço da pitoca em saltar, em imitar o pulo da panela quente com seus coleguinhas. Dava a mão, completava cambalhota de lado, mexia os braços como um helicóptero, formava fila, batia palmas, desfazia a fila sob a batucada de Claudia Leitte.

Quem criou aquela coreografia e enredo, aquele adereço de capuz branco e camiseta laranja, é uma professora de muita imaginação.

Eu tinha o impulso de rir, mas a mãe da menina chorava dramaticamente, chorava fungando, chorava limpando o rosto na manga do casaco.

Chorava testemunhando a sua filha de pipoca. Chorava com uma música alegre de Claudia Leitte. Se fosse um pepino ou um abacaxi, estaria chorando. Nada demoveria suas lágrimas.

O celular da mãe tremia devido aos soluços incessantes. A filmagem não servirá para nada, mas já as suas pupilas transbordavam do brilho da memória.

Eu chorei junto, ridiculamente, pateticamente. Chorei diante de um imenso saco de pipocas humanas, pipocas fedelhas, pipocas piás, pipocas do jardim de infância. Porque me lembrei de quanto não gostava das apresentações de meus filhos. Ia obrigado, reclamando da demora para ver um ou dois passos, pois o colégio inteiro exibia os seus trabalhos artísticos antes. E o quanto sinto falta hoje: a minha criançada está grande e adolescente.

O sal da pipoca estranhamente casava com o sal dos meus olhos. A saudade é uma chantagista da pior espécie. Deveria ter aproveitado melhor a minha época. Choro copiosamente, choro contagiado, pedindo maternidade e paternidade emprestadas para completar a minha idade.

Não alcançava a importância daquele momento, de preparar uma fantasia, de acompanhar os ensaios para, ao fim, ter um filho se apresentando só para você. A exclusividade sonhada do amor.

Não traduzia o que um menino ou uma menina sente ao pisar pela primeira vez no palco, o nervosismo de errar a coreografia e as falas, a dificuldade social de encarar a ameaça do holofote e dançar conforme o ritmo, o perdão de qualquer falha em nome da coragem. Não pensava nisso, pensava em mim, em não perder tempo com outras crianças que não fossem meus filhos.

Agora toda criança é lembrança de meus filhos. Choro sem medo da vergonha. Todo pai com filhos crescidos é um orfanato.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 4,  10/11/2015
Porto Alegre (RS), Edição N°
18351

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