Não há motivos para ser um esfomeado. Mas põe um prato na minha frente que devoro em 10 minutos. Tenho uma rapidez de britadeira. Quando estou num almoço de aniversário, eu fico perdido. Termino rapidamente a refeição enquanto os outros ainda estão começando. Surge o tédio, sou obrigado a me fixar no silêncio e na paciência e esperar o momento da sobremesa para reaver o valor da presença.
A passionalidade é resultado da mesa cheia da família. Disputava a comida com três irmãos. Não havia fartura, a mãe cozinhava exatamente o que precisávamos – nem mais, nem menos. Eu cortava o bife de olho no segundo bife, eu sugava a massa de olho na macarronada da bandeja, o meu radar estava sempre ciscando o andamento das vasilhas e controlando o desempenho dos manos. Eu não comia, ganhava ou perdia corrida. Meu principal adversário era o Rodrigo, que sempre se adiantava para repetir. Quantas vezes colocamos o garfo juntos no mesmo bolinho derradeiro? E a mãe vinha com a democracia do empate e pedia para repartirmos. Ambos baixávamos a cabeça constrangidos pelo egoísmo.
O terror gastronômico alcançava o seu pico com tortas e doces. Aquele que acumulava mais fatias se vangloriava a tarde inteira e flauteava os concorrentes. Eu não disfarçava a raiva de ser passado para trás, puxava briga e armava confusões.
Até hoje guardo o hábito de colocar o brigadeiro inteiro na boca para ganhar tempo e pegar o próximo. Não queira me encontrar em festa de criança. Nunca conheci as etapas do apetite, as preliminares, o antepasto, sou um ogro da voracidade. Menu degustação jamais funcionou comigo.
Grita a diferença de postura em relação à minha mulher. Beatriz come devagar, quase parando, saboreando, sem pressa alguma. Não sofre com o que é servido, não acha que está sendo injustiçada, não pretende se sentir favorecida mesmo quando está diante de uma lasanha ou uma iguaria predileta, não salta desesperada para as bandejas enquanto ainda não finalizou a primeira porção. Eu sou uma partida de squash, ela é um jogo de golfe.
A lentidão vem porque ela é filha única. Não tem medo de faltar comida. Eu vivia sob o receio da panela vazia a qualquer momento. Não restaria esperança imediata de forrar o bucho, conquistaria uma nova chance somente no jantar.
Quem é filho único é adepto do slow food. Mastiga com calma, reverencia a fumaça do alimento, conversa alegremente, usa os talheres com elegância. Quem é filho único jamais dirá que comeu demais ou comeu de menos.
Coluna Semanal no Caderno Donna em Zero Hora
Publicado em 03.07.2016
4 comentários:
Eu com duas irmãs, não gostava de comer, achava que era uma perda de tempo :)
Deve ser por isso que como devagar :)
Bacana
eu chamo isso "medo de passar fome"
pessoas que vivem de arte e professores também tem
Ser esganado: É feio, mas é verdadeiro. e INCONTROLÁVEL!
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