Eu venho organizando o meu casamento no religioso com Beatriz, e já dá para compreender o nível de loucura que envolve a cerimônia.
A paciência é a primeira a desaparecer com o excesso de detalhes e miudezas de orçamento. Casar é como reformar a residência, você estabelece um preço na teoria e termina sendo o triplo na prática - os pedreiros faltam nos dias de chuva, os materiais mudam conforme a demanda, o acabamento jamais é como imaginou. No matrimônio, a exemplo das construções, paga-se caro por não ser profeta e não se programar para os imprevistos.
Mas o ponto que gostaria de chamar atenção é que aquele que casa precisa manter o equilíbrio entre vida pessoal e comemoração. Não deve permitir que a festa se torne maior do que o amor. Pois a festa pode vir a ser a fachada de um amor moribundo.
Os noivos se esmeram na empreitada da recepção de seus convidados e muitas vezes esquecem do básico: de cultivar um ao outro, de realizar mimos e surpresas um para o outro. O que originou o evento - o contentamento do par - perde-se nos resultados.
É a explicação para tantas desistências cinematográficas e inexplicáveis de casais na véspera do altar. Realizam o improvável, jogam tudo para cima, sem receio do desperdício. Renunciam presentes, fábulas investidas, lua de mel agendada. Põem fora anos de idealização de evento. Outrora pombos que se beijavam em pleno voo de repente passam a se bicar e grasnar como corvos.
Eles se abandonaram ao longo dos preparativos - tornaram-se estranhos e formais. Brigaram excessivamente desde a escolha dos convidados até a cor da toalha de mesa e das flores no salão e não encontraram, em nenhum dos casos, a humildade do humor (único antídoto às discussões que conheço).
Não é que não se amavam, deixaram de amar. Amar é esforço, dedicação, disciplina. Não dá para ficar meses sem alpistar o coração de seu par. Diante do descaso, qualquer um morre sentimentalmente de inanição. O que adianta realizar um sonho e, ao mesmo tempo, descuidar da realidade? O que adianta preparar uma apoteose para os amigos e familiares às custas de um período de indiferença a quem se ama?
Com o casamento, casais apenas se preocupam em quitar as contas, resolver as tarefas e abdicam de namorar e transar. Transformam-se em empresários assexuados, negociando descontos e formalizando contratos. Óbvio que o corpo vai se rebelar, óbvio que o estresse desencadeará na derrubada das certezas.
Preocupados com a aparência, desprezaram a motivação de acordar lado a lado. Não cantam, não dançam e não se divertem mais juntos.
Publicado no blog do Jornal o Globo
Coluna Semanal
29.09.2016
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